Capítulo 42

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Capítulo 42 — Luara

O despertador me tira de um soninho gostoso, avisando que já é hora de levantar pra ir trabalhar. A saga das que nasceram lindas e não herdeiras não falha.

Rodrigo se move na cama, me puxando pra mais perto dele e eu resmungo. Covardia ele contribuir pra minha preguiça. Já tá difícil resistir por mim mesma, resistir por dois é quase impossível.

Luara: Preciso levantar, preto — falo baixo, tentando tirar o braço pesado por cima da minha barriga, mas ele ignora, com a bochecha imprensada no meu ombro.

Digão: Puta que pariu — xinga com a voz rouca, quando o radinho começa a apitar no chão do lado da cama.

Meu coração até bate meio descompensado enquanto eu penso em um milhão de possibilidades do motivo pra estarem chamando ele essa hora da manhã. Nem clareou ainda, coisa boa não deve ser.

Ele me solta pra pegar o aparelho e eu sento na cama.

Digão: Fala — aperta o botão.

"Tá podendo falar, Patrão?" ouço a voz do Tijolo do outro lado.

Digão: Manda, pô — olha pra mim enquanto fala no rádio.

"Tem uma mulher aqui, coroa já, tentando entrar no barraco da Luara"

Digão: Mulher? Que mulher?

"Conheço não, patrão! Mandou o papo que o nome é Valéria"

Luara: Minha tia — jogo os braços na lateral do corpo e franzo a testa.

O que essa mulher quer aqui?

Digão: Manda ela esperar — fala no rádio pela última vez e coloca o aparelho de lado, me olhando.

Eu sei que ele tá esperando a minha reação, só que eu nem sei o que pensar. Não é que eu odeie minha tia, ela foi a última pessoa que me sobrou na família, mas eu aprendi da pior forma que isso não significa nada, porque quem me estendeu a mão foi quem não tinha nada de sangue comigo.

Esperei consideração e não recebi nada. Foi a primeira e última vez que coloquei qualquer expectativa em alguém, depois disso, tenho um pé atrás com todo mundo.

Digão: Qual a visão que eu tenho que ter dessa sua tia aí? — passa a mão no rosto, acordando ainda.

Luara: Significa nada pra mim — dou de ombros — Não ajudou nem atrapalhou em nada na minha vida, só que a casa era dos meus avós, ela meio que tem direito, né?

Digão: Direito de que? — mantém o rosto sério.

Luara: De ficar lá, ué.

Digão: Isso aí quem vai decidir sou eu. Minha favela não é bagunça não — fala seco, levanta da cama e abre o armário, pegando uma bermuda.

Luara: Não precisa falar assim — reclamo, levantando também — Todo ignorante.

Digão: Não tô sendo ignorante contigo não, minha pretinha — suaviza a voz e segura minha cintura, me levando pra perto dele — Tô só cansado de toda vez que nós tá bem, alguém aparece pra tirar nossa paz. Essa daí nunca te ajudou em porra nenhuma, se vier pra querer crescer pra cima de você, eu não vou entender legal. Não vou mermo.

Luara: Deixa que eu resolvo... — falo baixo, olhando nos olhos dele — Essa questão é minha e dela.

Se ele se meter, eu nunca vou provar pra ela que sou autossuficiente, que minha mãe me criou pra ser guerreira. E também não desejo nenhum mal pra uma pessoa que tive carinho na infância, só quero que volte pra onde estava.

Digão: Tá bom — encosta a boca na minha, num selinho gostoso — Vai se arrumar pra padaria, vamos passar lá na sua casa rapidinho pra falar com ela.

Luara: Não posso atrasar pra padaria, porque eu tô com a chave, tenho que ir direto pra lá — justifico e abraço o corpo dele sem camisa — Pode abrir a casa pra ela, quando eu puder, eu falo com ela.

Digão: Lua...

Luara: É sério, não pode ser na hora que ela quer. Entende? — beijo a boca macia e ele concorda com a cabeça — Gostoso do pau grande — apelo pra putaria, tentando mudar o humor amargo que ele acordou hoje, e vejo dar certo pelo ar de riso que surge no rosto dele.

Digão: Continua falando sacanagem ai pra tu ver se essa porra de padaria vai abrir hoje — a agarra meu cabelo e cheira meu pescoço, me fazendo rir — Vai, vaza da minha frente — me solta e aponta pro banheiro, dando um tapa na minha bunda com a outra mão.

Ando devagar até o banheiro e me viro de volta pra ele antes de entrar.

Luara: Fala muito e faz pouco, Rodrigo — provoco e ele vem na minha direção, mas eu entro no banheiro e bato a porta antes dele me alcançar.

Digão: Tu foge. Se faz de bandidona, mas foge — fala do outro lado da madeira da porta e eu rio.

Corro pra tomar um banho e vestir a roupa que deixei no banheiro ontem pra trocar hoje. Aproveito e passo um pouquinho do perfume dele.

Quando saio do banheiro, ele tá pronto, digitando freneticamente, antes de me olhar.

Digão: Bora que eu vou te deixar lá — fala, levantando e eu não contrario.

Cansada demais pra entrar nessa batalha da independência essa hora da manhã.

Luara: Vai sair sem tomar banho, porquinho? — pego minha bolsa e o celular do lado da cama.

Digão: Vou voltar pra casa depois, cedo pra caralho ainda — anda até a sala e eu sigo ele — Próxima vez tu arruma um trabalho num horário normal.

Luara: Tu que me arrumou esse — relembro, porque acho que ele esqueceu.

Digão: Tô arrependido já — resmunga, voltando pro humor de antes, e abre a porta da sala pra mim.

Luara: Acostuma, porque quando eu começar a estudar vai ser pior. Bem pior — olho pra ele e passo pela porta. 

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Bom dia, cherries!
Lembrando que, caso a plataforma não esteja avisando, eu sempre aviso sobre capítulos novos no meu ig.
@glanelzinha.autora

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