Capítulo 59

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Capítulo 59 - Luara

Eu não tinha mais onde tirar forças.

A primeira semana depois do sumiço do Rodrigo passou como um borrão. Eu ainda tava tentando entender o que tinha acontecido, por mais que me explicassem, era difícil de entender.

As notícias começaram a circular na televisão: "Criminosos interceptam transporte de preso e traficante está foragido."

Demorou um tempo até mesmo pra polícia entender que não foi uma fuga.

A facção baqueou o Complexo da Pedreira, os inimigos vizinhos, aqui do outro lado da estação, mas não encontrou nada. Nenhuma pista.

Depois de quinze dias sem ele aqui, as notícias começaram a me fazer muito mal. A sensação era de que o mundo estava me sufocando. Fazer o básico demandou muita coragem de mim.

Com a morte do Claudinho e a minha situação precária, a padaria não reabriu, a gente tava vivendo exclusivamente do dinheiro que os dois deixaram pra gente através da advogada.

Única coisa que fiz esforço pra fazer foi ir ao enterro do Claudinho e visitar a Kelly umas duas vezes, tô voltando de lá nesse momento. Nada mais.

Agora, um mês depois de tudo, vivo no automático. Percebo que as pessoas tentam me preparar pra o caso dele não voltar. Me afasto de todos.

Sei que João e Luíza querem só me proteger, mas não quero nem pensar na chance dele estar morto agora, porque parece que sempre que eu penso, a ausência dele fica mais real.

Não quero pensar. Não quero sentir. Só quero sobreviver até ele voltar.

Corrano e Jogador também não desistem um segundo, mas únicos do meu lado que parecem confiar de verdade que ele volta são Picolé e TH, só que eles precisam seguir as ordens do Ney.

Acho que só tive noção de quão bom ele era no comando desse morro quando ele começou a fazer falta. Simplesmente nada funciona sem ele. Foi uma queda muito grande perder os dois de uma vez só.

Marilene: Luara? — ouço a voz conhecida me chamar e me viro na direção do bar dela — Ô, minha filha, como você tá?

Luara: Tô levando, dona Marilene — engulo em seco e sorrio de leve.

Não quero ser grossa com quem se preocupa comigo, as vezes a pessoa só quer demonstrar que se importa. Ninguém tem nada a ver com a minha dor.

Marilene: Ele vai voltar, querida — coloca a mão no meu ombro — Não desanima.

Luara: Eu sei... É difícil, mas tô me mantendo firme — abaixo a cabeça e depois olho na direção do bar — Não vai abrir o bar hoje? Hoje é quarta, a senhora abre, não abre?

São três horas da tarde, num dia normal, já teria gente bebendo por aqui, mas o que vejo lá dentro é o lugar passando por uma faxina.

Marilene: Geralmente abro, sim — franze a testa.

Luara: Aconteceu alguma coisa? — passo olho pela sua expressão incomodada.

Dona Marilene não guarda segredo. Ela finge que guarda, mas se você quiser saber de alguma coisa, fale com ela. Ela vai te dizer.

Marilene: Ah minha filha, não é nada... É que com essa taxa nova, vai ficar difícil pra mim abrir dia de semana, aí vou passar a abrir só final de semana que o movimento é melhor.

Luara: Que taxa nova?

Marilene: A taxa que Ney colocou pro comércio.

Luara: Eu não sabia que tava tendo isso agora, dona Marilene— abaixo o rosto, com a cabeça fervilhando.

Rodrigo não gostava disso. Ele dava todo o incentivo pra trabalhador. Dizia ele que comerciante forte faz o comando dele forte.

Marilene: Isso foi coisa de uma semana pra cá. — explica — Aí vai ficar complicado pra mim pagar funcionário no dia que o movimento tiver mais fraco. E eu sozinha não aguento, cê sabe.

Luara: A senhora podia ter falado comigo...

Marilene: Não, Deus me livre. Todo mundo aqui sabe que você é mulher do Digão, mas não é metida com essas coisas. Fora o momento que você tá vivendo, seu coraçãozinho deve tá muito ansioso pra eu meter os meus problemas na sua cabeça.

Luara: Mas Digão não vai gostar disso — nego firme com a cabeça.

Marilene: Eu sei disso, quando ele voltar, Ney vai ter problema. — ela para de falar e olha ao redor — Olha, Luara, não quero criar intriga com ninguém, mas me parece que Ney tá pensando que Digão não vai voltar. Um mês não é nada pra esse tanto de mudança que tá tendo nessa favela.

Luara: O que mais mudou?

Marilene: Olha, eu não tenho certeza, mas é o que eu tô ouvindo por aí...

Luara: Pode falar, dona Marilene.

Marilene: Tão dizendo que Ney é mal pagador — faz sinal de dinheiro com a mão e eu franzo a testa — Tem menino do movimento que tá há mais de quinze dias sem receber. Sabe como eu sei disso, né? Os meninos tudo tem conta aqui no bar, nunca liguei disso, porque ele vinham acertar direitinho aqui comigo. Só tive problema disso uma vez e Claudinho veio aqui pagar a conta do garoto, mas agora, as contas tão em aberto.

Luara: Meus Deus...

Marilene: É complicado, né, menina? Porque todo mundo tem família, os compromissos...

Luara: Eu não fazia ideia disso.

Th e Picolé não me falaram nada.

Marilene: Claro, quem ia te perturbar por causa de dinheiro? Seu problema é muito maior agora.

Luara: Mas não tá certo isso — nego — Alguém disse porquê ele não tá pagando?

Marilene: Dizem, não sei se é verdade — ela enfatiza — que Ney fala que não tem caixa pra pagar. Que tá fraco porque tá sem baile.

Luara: Essa favela quebra nem se não tiver baile nunca mais aqui, Marilene — o ódio vai me consumindo.

Eu lembro de cada conta com valores astronômicos que eu fiz antes do Rodrigo ir preso, nem fudendo que não tem dinheiro.

Marilene: Eu imagino — ela dá de ombros — Tem muito funcionário pra pagar? Tem! Mas esse complexo é gigante e vende muito.

Nego com a cabeça chocada com a cara de pau desse arrombado. Não consigo nem falar... Não tô acreditando nisso!

Marilene: Mas é igual sempre foi, Luara. Ele dão as ordens e a gente obedece. Mas se fosse no comando do Digão, isso nunca estaria acontecendo.

Luara: O comando ainda é do Digão — olho pra ela — Ney é apenas um frente.

Ligações de Alma [M]Onde histórias criam vida. Descubra agora