Capítulo 64

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Ligações 64 - Digão

Digão: Te falei que tô na boa intenção contigo — passo o celular por baixo da grade,

Figueira: Se descobrirem essa porra eu tô fudido — ele diz, cara a cara comigo, separado apenas pela grade — Tô morto.

Digão: Minha intenção era só avisar minha mulher — digo baixo e calmo.

Foi burrice da parte dele, mas eu mantenho a postura, tento transpassar confiança porque a minha intenção era realmente só ouvir a voz da minha preta e deixar ela ciente de que eu tô vivo.

Eu não consigo pensar nela lá fora sem mim, papo reto. Quem vai proteger e cuidar dela da mesma forma que eu faço? Não tem ninguém que ame ela como eu amo.

A voz gostosa que eu ouvi do outro lado da linha hoje é o que comanda o meu sobreviver. É tudo por ela. Ela é meu mundo. E eu vou aguentar 10, 20, 30 anos aqui dentro, se ela ainda tiver lá fora me esperando.

Não tenho medo de outro chegar e tomar o meu lugar, porque eu sei que na vida dela, ninguém nunca vai ser como eu. O meu medo é da maldade do mundo que eu vivo e que eu trouxe ela pra viver.

Figueira: Esse favor que eu te fiz foi grande, Digão — encaro — Agora eles têm motivo pra te procurar. Vai renovar a esperança do teu bonde.

Digão: Achou que eles iam parar? — cruzo os braços e me encosto no fundo da parede.

Figueira: Uma hora cansa.

Digão: Tu tá errado — sorrio.

Figueira: É uma prepotência do caralho achar que vagabundo vai abrir mão de gerir comando pra ficar te procurando a vida toda.

Digão: Não é prepotência, irmão... É que eu conheço quem corre por mim — digo, sem emoção, mas me aproximo da grade mais uma vez. — Você e teus patrões não conhecem, se me conhecessem, não tinham se metido nessa porra, mas eu conheço a minha rapaziada pra caralho. E tô te mandando o papo reto quando eu digo que pode demorar a porra do tempo que for, mas eles vão caçar vocês, nem que seja pra achar os meus ossos

Figueira: Tu não tem peito de aço, Digão. Não devia meter essa marra pra cima de quem te botou nesse buraco...

Digão: Não tenho peito de aço e nem quero ter. Tu pode me dar um tiro no meio da testa aqui e agora — aponto com o indicador pro local — Eu caio morto, mas tu não vai na esquina mais. Tu não vai ter mais vida. Tem mulher? Tem filho, família? Esquece. Tu não dura muito tempo.

Figueira: Não mete família na conversa, que eu sei muito bem onde a tua mulher tá agora — ameaça e eu trinco o maxilar.

Digão: Não tô ameaçando ninguém. Sou homem e não moleque. Tenho honra — falo sério — Tô te passando a visão de como vai ser a tua vida daqui pra frente. Neles ninguém vai mexer, mas contigo...

Figueira: Já tô aqui.

Digão: Cola comigo e te garanto proteção lá fora — proponho.

Figueira: Olha onde tu tá, porra! — aponta pra grade.

Digão: Teu patrão quer o que comigo? Vai me matar? Vai me usar pra negociar? — ele se mantém em silêncio — Tu mermo disse que sabe quem eu sou. E eles, tu sabe?

Figueira: Foda-se. Quem me paga é eles.

Digão: Capitão da Penha. Sabe quem foi? — ele estreita os olhos, me avaliando — Troquei muito tiro com a tropa dele. Caí na bala dos meus parceiros e a Penha continua com os meus aliados... Tô te falando que não adianta peitar essa tropa.

Figueira: Sábio era teu parceiro, onde ele tá? — vejo uma coloração avermelhada nos olhos dele.

Digão: Sábio tomou uma facada nas costas, ninguém tá livre disso — balanço a cabeça, sem desfazer contato visual — Agora, me diz quem se levantou contra ele e tá vivo até hoje pra contar história.

A lembrança do Sábio tá sempre viva na minha memória. Tocar no nome desse cara não me faz ter medo. A memória da Sábio é fonte de coragem e inspiração. Um cara que deu a vida pela família e por quem ele amava, isso não me assusta, me motiva.

Digão: Tu diz saber tanto da minha história. Fala da minha fama. Tenho 20 anos de tráfico e só caí uma vez. Quantos bandidos você conhece com essa história? Sabia que era eu aqui? — encho o filho da puta de pergunta — Tu não sabia, mas to te dando a chance de consertar as coisas. É o seguinte, Figueira: Se eu sair vivo daqui sem a tua ajuda, você tá morto. Se eu sair morto daqui, você tá morto também.

Figueira: Então é melhor ir eu e você pra vala — ri, sem humor.

Digão: É melhor tu arrumar um jeito de colaborar comigo, tua única chance de sair vivo dessa porra.

Figueira: Já te ajudei o suficiente.

Digão: Tu tá ligado que não.

Figueira: Já falou com a tua mulher. Agora cala a boca antes que o bagulho fique ruim pro teu lado — engole em seco.

Digão: Arruma teu jeito, Figueira...

Figueira: Arrumar jeito é o caralho — explode e agarra a grade — Aceita, porra! Aceita que perdeu. Aqui tu não é porra nenhuma, aqui não importa quantos filhos da puta tu já matou, quantos tiro já levou... Aqui tu é um nada.

Digão: Opção errada — estalo a língua — Tu sabe que esses caras não vão me matar, né? Ninguém espera um mês pra matar um refém. Se fosse pra me matar, eu nem tinha vindo pra cá.

Figueira: A chance maior é tu mofar aí.

Digão: Ou então eu sair — pauso a fala e olho pra arma presa na cintura dele, mas continuo, quero que se foda — Se eu sair, tu vai ser o único que eu vou ter pra me vingar, porque teus chefes não deram as cara aqui... Aí tu vai me conhecer de verdade, porque eu vou te encher de bala, o suficiente pra ser caixão lacrado, arrombado.

Ligações de Alma [M]Onde histórias criam vida. Descubra agora