Capítulo 14

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Capítulo 14 - Luara

Misturo o creme de leite no frango e finalizo o strogonoff com um pouquinho de sal e pimenta. Tô dando graças a Deus que pude passar na mercearia depois de ir na boca e comprei umas coisinhas, incluindo esse creme de leite porque acordei numa vontade surreal de comer isso aqui.

Aperto o botão do celular e vejo que são 12:30 e eu não tô com fome ainda.

Aproveito o tempo, única coisa que tá me sobrando ultimamente, e vou pagar o wi-fi aqui de casa, roubando um pouquinho da conexão da mercearia.

Logo volto pra casa, esperando o carinha reconectar a minha rede, ele disse que seria na hora,  pra eu ter pelo menos uma coisa pra assistir na televisão pelo conta da Netflix do João.

Minha maré de azar vai passar, tá passando.

Enquanto digito o login do João, olho a maconha em cima da mesinha de centro, me lembrando da minha ida à boca hoje de manhã.

Ney tá vindo pra cima de mim... Isso não precisa ser nenhuma gênia pra perceber, mas tá me faltando jeito pra afastar esse cara. Porque o motivo de eu não querer ele é o mesmo que me deixa sem jeito de dizer não. É bandido.

Não vou falar que ele não é um cara que eu ficaria, ele tem um papinho doce que vai te conquistando pelas beiradas... Te faz um elogio, diz algo engraçadinho, dá um presentinho e quando tu vai ver... Fudeu. Fora que tem mais de um ano que eu não sei o que é ficar com um homem.

Digito a senha e vejo surgir as carinhas da tela inicial da netflix quando alguém bate na minha porta.

Levanto e ando até a porta, destrancando a porta e dando de cara mais uma vez com o Digão:

Luara: Que isso? Déjà-vu? — ele passa a mão na branca, com os anéis expostos, e me olha.

Digão: Vim trazer um bagulho pra tu — mostra a sacolinha na mão.

Luara: Entra aí — puxo ele pra dentro quando ouço barulho na sala da minha vizinha.

Ele aperta o olhar pra mim enquanto entra e caminha até o meu sofá.

Luara: Que isso? — aponto pra sacola.

Ele desconfia de mim de lá e eu desconfio dele daqui.

Digão: Teu pagamento, vai ser semanal agora, enquanto eu não arrumo outra coisa pra tu, e um extra — desconfio mais ainda.

Ele tira o dinheiro da sacola e coloca em cima da mesa. Pega uma bolsinha tipo uma necessaire e me entrega. Puxo o zíper e vejo dichavador, piteira, seda... Tudo dentro lá dentro.

Luara: Meu extra é um kit maconheiro? — busco o olhar dele e rio — Sério?

Digão: Pra tu parar de chorar no meu ouvido e dizer que não tem os bagulhos — sorri, de lado.

Luara: Eu não tava chorando — me defendo.

Digão: Tava não, eu que tava — inclina o corpo pra frente, enquanto eu sento no chão de frente pra mesinha — Sabe apertar? — pergunta e eu levanto a sobrancelha.

Luara: Me respeita, cara — tiro as coisas da bolsinha e pego a maconha.

Digão: Tu com essa carinha de anjo engana muito vagabundo, pretinha — olha nos meus olhos e eu sustento. Se ele quer ficar nesse joguinho, eu jogo também.

Luara: Eu sou uma santa — sorrio.

Coloco a maconha no dichavador e depois espalho na seda com a piteira na ponta.

Digão: Quem te ensinou? — ele pergunta, ainda inclinado pra mais perto de mim.

Luara: Um menino que eu ficava — dou de ombros.

Digão: Envolvido? — olho pra ele e vejo sua testa franzida.

Luara: Era só maconheiro mesmo — rio, voltando a me concentrar no que eu tava fazendo — nunca fiquei com envolvido não.

Digão: Tu morava onde antes de voltar? — ouvir a voz dele, assim, sem toda aquela prepotência é diferente. Não imaginava ele trocando ideia assim.

Luara: Méier — olho pra ele e passo a ponta da língua lentamente na seda, pra fechar o baseado.

Ok, talvez eu tenha sido só um pouquinho cachorra agora.

Nossos olhares se fixam um no outro por alguns segundos, sem me dar a chance de raciocinar direito o que tá acontecendo aqui. Eu não decifro nada que tá no olhar dele, mas tenho o sentimento de que ele sabe tudo o que tá no meu.

É estranho, não somos amigos, mas ele tá sentado no sofá da minha sala, enquanto eu aperto  um e ele me olha desse jeito.

Luara: Por que você me olha assim? — pergunto e coloco o baseado na boca, acendendo.

Digão: Sou observador, pretinha.

Luara: Às vezes eu tenho impressão de que tu sabe até o que eu tô pensando — solto a fumaça e entrego pra ele.

Sinto a minha pressão baixar um pouquinho

Digão: Tô ligado que não foi uma nem duas vezes que tu se segurou pra não me mandar tomar no cu — ele sorri e eu gargalho.

Que filho da puta. Eu já me segurei mesmo.

Luara: Isso é um tipo de coisa sua ou tu conquistou pra virar o que tu é hoje? — procuro saber.

Digão: Um pouco dos dois — ele olha pra mim e puxa a fumaça, prende e depois solta — Mas contigo é mais intenso — olha pra minha boca, tão rápido que é quase imperceptível, mas suficiente pra me causar um arrepio.

Luara: Por que? — Mordo o cantinho da boca, curiosa.

Digão: Tu entrega muita coisa no olhar, preta — me entrega o baseado — No jeito que teu corpo reage também, mas principalmente no olhar... Pra muita gente essas para pode passar batida, mas eu me ligo nesses sinais.

Luara: Então para de me olhar assim, daqui a pouco tu tá vendo até a minha alma — digo baixo.

Digão: Te incomoda isso? — me estuda — Que as pessoas conheçam a sua alma?

Luara: Nunca é bom se expor demais — olho pra ele, de volta, enquanto baseado queima entre meus dedos — Nunca se sabe quando alguém pode usar isso contra você.

Digão: Tu é esperta, Luara — força o músculo do maxilar — Me impressiona alguém da sua idade ser tão sagaz.

Luara: Tive que aprender...

Ligações de Alma [M]Onde histórias criam vida. Descubra agora