Capítulo 7

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Capítulo 7 - Luara

QUINZE DIAS DEPOIS

Caixa: Deu 128,89 — chama a minha atenção, me tirando dos pensamentos — É cartão? — mastiga um chiclete, pegando a maquininha.

Penso por um instante e lembro do saldo da minha conta, fazendo os cálculos de quanto sobraria pra eu pedir o gás.

Quinze dias colocando currículo e procurando lugar pra trabalhar por aqui, mas ninguém nem me liga pra dar uma satisfação. Juro que tento manter a cabeça em pensamentos positivos, tô reclamando menos, colocando minha energia em coisas boas...

Luara: Aham — tiro o cartão da capinha do celular — Mas eu não vou querer a carne moída mais não, mudei de ideia, vou levar só o frango.

Ela olha pra mim e concorda com a cabeça, me estuda fazendo a minha bochecha queimar. Retira a bandeja de meio quilo de carne moída da sacola, aperta alguns botões no teclado e cancela a compra.

Olho o valor na tela e estico o cartão na direção da maquininha, que ela vira pra eu aproximar o chip. Quando a transação é aprovada, guardo o cartão de volta na capinha e pego as duas sacolas com uma mão.

Caixa: Aqui, sua notinha — me entrega o papel.

Luara: Obrigada — sorrio pra ela e pego — Bom trabalho.

O caminho até a minha casa é tranquilo. É início da noite e as pessoas estão nas ruas, voltando do trabalho ou da escola, brincando... Nunca mais teve nenhum episódio daquele de invasão e as coisas tão voltando a ser da forma como estavam quando eu cheguei.

Arrumo as compras na geladeira e no armário lembrando de como isso era quase um ritual pra mim e pra minha mãe. Ela realmente amava ir ao mercado, ter condições de comprar o que ela tivesse vontade e quando chegava em casa, arrumava tudo com o maior carinho.

Ela dizia que passou por muitas dificuldades quando era criança, por isso, valorizava cada pequena conquista do dia a dia. Ir ao mercado pra ela era uma vitória. Poder comprar algo que eu quisesse era uma vitória. Me ver indo pra escola era uma vitória. Se eu voltasse bem, outra vitória...

Sinto saudade dela todos os segundos da minha vida, porque se ela tivesse aqui, estaria tudo diferente... Ela era uma força da natureza, amava viver e se estivesse no meu lugar, daria um jeito em tudo.

As vezes tento pensar no que ela faria, eu sei que ela teria uma carta na manga. Ela sempre arrumava um jeito e foi assim que tirou nós duas da merda e me deu uma infancia e adolescência confortável. Foi assim que ela pensou em me emancipar logo que descobriu a doença, porque sabia que a gente só tinha uma a outra.

Se não fosse por isso, pela precaução dela manter essa casa na favela e guardar um dinheirinho pra uma emergência, eu estaria mais fudida do que já estou. Mas a reserva que ela me deixou não vai durar pra sempre e eu preciso sobreviver depois que acabar.

Tomo um copo de água e ando até a sala, procurando o meu celular pra ver se o João me mandou alguma mensagem.

Aperto o botão de desbloqueio e a luz acende no meu rosto:

Mensagem de JPzinho: Vem jantar aq em casa. sou eu que to chamando n, é dona Seleida. — sorrio ao ler a mensagem.

João e a família dele fazem mais por mim do que a minha tinha que mora fora, é sangue do meu sangue, mas não serve nem pra mandar uma mensagem e saber se eu to bem.

Mensagem de Luara: Vou não, já jantei aí ontem — digito e aperto o enviar, mas a mensagem não vai.

Bufo de leve e encosto a cabeça na parede, ao lembrar que meus créditos estavam acabando e eu não recarreguei pra guardar o dinheiro pro gás e pras compras.

Passo a mão na chave, calço o meu chinelo e saio de casa, descendo alguns degraus da viela. Sento na escadaria e tento conectar no wi-fi da mercearia pra conseguir responder o João.

A mensagem vai, na mesma hora mesma hora já aparece que ele tá digitando uma resposta.

Mensagem de JPzin: k.o nenhum, gata. Mi casa, su casa — leio a mensagem na voz dele.

Mensagem de Luara: Fiz compras hoje, deixei meus trocadinhos no mercado.
Amanhã vou aí abusar da boa vontade de vcs.

Saio do Whatsapp e aproveito os minutos de internet pra ficar de bobeirinha no instagram e ver se tem algum email pra mim, como resposta das entrevistas que fiz, mas não tem nada.

Luara: ô, Deus, esquece da sua filha aqui não — penso alto, olhando o movimento no fim da viela.

Dois seguranças do Digão, de fuzil na mão, passam olhando pra mim. Um deles se formou comigo e com o João no final do ano passado e agora tá nessa vida. Ele me cumprimenta com a cabeça e eu respondo com um sorriso. O outro pega o Iphone 13 do suporte na bermuda e ouve um áudio.

"Digão mandou adiantar o pagamento pra amanhã, só passar e pegar com o Ney", ouço a voz na mensagem dele.

Levanto da escada e passo a mão na minha bunda, por cima do shorts, limpando a poeira. Bloqueio o meu celular de novo e subo os degraus, mas antes de entrar em casa, paro na porta, segurando a maçaneta.

Luara: Aí, TH — chamo e ambos me olham — Foi mal perturbar  — passo uma mão na outra — Eu tava precisando falar com o chefe de vocês, tem como ver com ele se dá pra me receber agora?

Mais uma vez eu não sei de onde vem essa minha coragem e o ímpeto totalmente impulsivo de me colocar diante desse homem mais uma vez, mas eu sinto isso e não controlo. Só faço.

TH:  Vai indo lá, tijolo. eu vou resolver com ela aqui — ele avisa pro outro soldado e anda na minha direção — É com qual chefe que tu quer falar? — franze a testa, enquanto pega o rádio na cintura — Ney tá aqui perto, pode trocar uma ideia contigo.

Luara: Não, eu quero falar com o Digão.

TH: Tá tudo suave? Tu tá precisando de alguma coisa? — levanta uma sobrancelha.

Luara: Tranquilo, não é nada demais não — subo o olhar da minha mão pra ele — Ele me conhece, pode falar meu nome.

TH: Qualquer parada tu pode falar comigo, po... Se eu puder resolver, vou resolver pra tu. Nós é parceiro.

Aí que tá, o que eu preciso, já pedi pra todo mundo e tenho impressão de que agora só o 01 pode me ajudar. Então eu vou direto na fonte.

Luara: Eu tô ligada, TH, te considero meu amigo, você sabe — sorrio — Sei que tu me ajudaria com qualquer parada, mas tô mesmo precisando falar com ele...


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nota da autora:
oi, mores! tudo bem com vcs?

tô tão feliz com essa historia nova! vai ser boa, já tive muitas ideais e capítulos alinhavados. Por favor, interajam comigo e compartilhem a história.

amo vcs!

p.s.: O dia oficial de postagem é quarta-feira, mas conforme eu for avançando na escrita, vou liberando mais capítulos pra vcs ao longo da semana. Beijosssssss

Ligações de Alma [M]Onde histórias criam vida. Descubra agora