Capítulo 70 — Digão
"Vou ficar, te prometer
uma vida de adrenalina e muitas roupas caras.
Baby, o mundo é perigoso,
mas nós é mais ainda.
Incontroláveis e selvagens,
nós mandamos na vida.
Ela quebra a garrafa sempre
que eu entro em briga"Eu reconheceria aquele olhar em qualquer lugar do mundo.
Quando ouvi os tiros do lado de fora, sabia que eram os meus parceiros, mas não imaginava ela aqui, na minha frente, vindo me buscar em pessoa.
Apesar da postura diferenciada, do colete à prova de balas, da balaclava e do coldre com uma 9mm preso na perna, ainda era ela aí.
A minha Lua.
Mesmo segurando um fuzil e com o rosto coberto, eu tinha certeza que era ela ali, porque aqueles olhos sempre entregaram pra mim quem ela realmente é. Independente da máscara ou da situação.
A distância entre nós ainda era maior do que eu precisava, mas o olhar dela desceu pelo meu corpo, assim como eu fiz com ela, conferindo se eu estava inteiro. E eu tava. A porra do meu mundo se reconectou quando eu bati o olho nela de novo.
Meu coração frenético dentro do peito quase me deixou surdo por causa do suspiro de alívio que ela soltou. Era a gente se alinhando de novo, entendendo que ficaríamos bem, se o outro estivesse bem também.
Digão: Preta... — solto, admitindo a presença dela ali, e vejo a emoção dela através do brilho no olho olhar.
Coreano: No chão, caralho! — gritou pro Figueira e eu reconheci a voz do meu parceiro.
O cara se jogou contra o chão e olhou pra mim, esperando a minha parte do combinado.
Digão: Ele tá comigo — me levantei, ainda sentindo meu corpo pesado.
Jogador: Levanta e abre pra ele sair — manteve o bico do fuzil pro chão.
Lua se manteve quieta, segurando o fuzil na frente do corpo e olhando a cena. Figueira correu até o cadeado e enfiou a chave.
Pretinho: Patrão, os caras já tão ligado que nós tá aqui — entrou na casinha e falou com o chefe dele — tem um bonde nosso trocando com eles lá na estrada de terra.
Jogador: Vocês — apontou pra Lua e a mulher do lado, que eu imagino ser a princesa — vão pro carro, tamo indo atrás.
Ela olhou pra mim, mais uma vez, e eu concordei com a cabeça, dando sinal pra ela ir. Tô ligado na nossa urgência de se tocar, de sentir o cheiro um do outro, mas a última coisa que preciso agora é a minha preta no meio de outro tiroteio.
Figueira abre as grades e eu saio, do mesmo jeito que entrei, descalço e sem camisa.
Coreano: Vamo sair — me entrega uma glock e olha de relance pro Figueira — Vai com nós?
Digão: Vai.
Nós saímos da casinha, deixando pra trás esse último mês que fez da minha vida um inferno do caralho, e o sol bate no meu rosto enquanto tinha três carros parados do lado de fora.
Aproveito a sensação da luz na minha pele e o vento por uns dois segundos, antes de olhar os corpos dos nossos inimigos derrubados no chão.
A paisagem bucólica de fazenda e o sangue no chão são completamente opostos. Minha tropa perturbou esse lugar.
Jogador: Tu vai levar ele, Pit — aponta pro figueira que entra no cargo com o Pitbull e mais dois soldados do Alemão.
Entro no carro da frente, onde tá o Concha no volante, Jogador no banco da frente e Coreano senta do meu lado.
Concha canta pneu e eu solto o ar preso no pulmão quando, de verdade, cai a ficha que eu tô solto dessa porra.
Não sou de desistir, lutei nessa vida pra caralho, mas não vou mentir e dizer que não passou pela minha cabeça a chance de não voltar pra casa.
Coreano: Caralho, irmão — olha pra mim e sorri — Tu tá vivo, diguinho!
A gente se abraça forte no banco de trás e eu sei de onde veio a minha esperança. Nunca fui um cara cercado de muita gente, mas quem tá do meu lado nunca me decepcionou, sempre tiveram comigo na melhor ou na pior.
"Recuaram, patrão. Tá livre a passagem" ouço a voz sair do celular do Jogador.
Jogador: Marca um dez aí, primeiro bonde vai passar e depois nós — diz no celular e desliga, virando pra trás.
Digão: Vocês são foda pra caralho — nego com a cabeça, sentindo a garganta seca.
Jogador: Tu que é foda, meu parceiro — bate a mão na minha e vejo o Concha sorrir pelo espelho da carro — Aguentou essa porra toda por tempo pra caralho, agora esquece, nós vamo enguiçar esses filhos da puta.
Digão: Eu tô com um ódio que tu não tá ligado...
Concha: Esses caras são malucos, foram mexer logo com o bonde mais psicopata do rj — nega, soltando um riso.
Concha: Que se foda eles. Como diz a minha mulher, remédio pra doido é doido e meio — arranca uma risadinha do moleque.
A imagem da minha preta vem na minha cabeça. Tô louco pra ter ela de novo. Quero um momento de paz com ela de novo.
Digão: O que vocês fizeram com minha pretinha, ein?
Jogador: Isso aí tu vai ter que perguntar pra loira... Mas tem coisa pra caralho pra tu saber — olha pra mim, sério.
Digão: Quero saber da porra toda antes de chegar lá.
(...)
Os fogos cruzaram o céu quando o nosso carro entrou pela principal da favela. Meu coração batendo forte pra caralho pelo sentimento de tá aqui de novo.
Meu morro é legado do tanto que venci. Saí do nada e cheguei no topo, passando por cima de vários que entraram no meu caminho. Atravessei os falsos e ajudei os que tavam do meu lado.
Já virei a noite com fome, ninguém acreditou, mas hoje eu tô aqui. Quantas vezes desacreditaram da minha capacidade de sobreviver? Nunca dei ouvidos aos motivos pra parar de lutar, sempre lembrei dos motivos que tive pra persistir.
Tô ligado que tem uma guerra prestes a começar. Foda-se. Vou vencer todas as vezes. Quero viver pra ter uma vida boa com a minha mulher e meus parceiros, independente de quem ficar no meio do caminho.
Digão: Preciso passar em casa antes de tudo — coloco a mão no ombro do Concha — Onde a Luara tá ficando?
Coreano: Tá na casa dela, ela não quis ficar na sua — me olha e eu entendo o recado.
Deve ter sido traumático pra caralho ter me visto ser preso daquele jeito. Eu tô vacinado, conheço e já vivi muito dessa vida, mas pra Luara, isso tudo é novo... Foi coisa pra caralho em cima dela de uma vez só.
Digão: Preciso de um banho e saber como ela tá — explico, sentindo a preocupação — Tem como vocês marcarem um dez na casa amarela? Eu vou lá pra nós resolver o que tiver que ser resolvido.
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Ligações de Alma [M]
FanfictionLigações de alma, eu falo seu idioma Traduzo suas emoções, entendo sua confusão. Luara e Digão