Capítulo 20

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Capítulo 20 - Luara

Descendo da garupa do Picolé percebo que a ansiedade ainda é a mesma desde a hora que eu acordei.

Ainda tava um pouco escuro quando levantei pra começar a me arrumar e senti aquele nózinho na boca do estômago. Sei que é a ansiedade normal do primeiro dia, por saber que muitas coisas vão mudar pra mim se isso aqui der certo.

Tenho certeza que um dia vou poder ter a vida do jeitinho que eu sempre sonhei, com conforto, mas por enquanto eu preciso de um emprego fixo e coragem pra conseguir começar a trilhar, mesmo que devagar, meu primeiros passos.

Luara: Obrigada por me trazer, não precisava mesmo, é perto — digo, olhando pro menino de boné na moto.

Picolé: Tem k.o nenhum te trazer, é meu trabalho — dá de ombros e sorri.

Luara: Achei que tu era  bandido e não mototáxi. Já é a segunda vez que tu me leva pra baixo e pra cima.

Picolé: Sou bandido e é meu trabalho tomar conta dos interesses do meu chefe — sinto ainda o tom de brincadeira, porque parece que o Picolé é assim, mas ainda consegue transmitir uma seriedade estranha.

Luara: Você e TH tão cheio de graça com essa história, né? — Cruzo os braços, olhando pra ele.

Picolé: Tá de marola? Tu acha que eu ia tá aqui, se não fosse do interesse do 01? — ele ri, ajeitando o boné.

Luara: Tá bom — corto o papo porque não vou ficar aqui tentando ver quem tá certo — Vou ficar de conversa fiada não, tenho que entrar, pra não chegar atrasada no meu primeiro dia.

Picolé: Beleza. Mais tarde passo pra te buscar — coloca a mão no guidon da moto.

Luara: Não precisa — olho meu relógio, vendo que ainda são quinze pras sete.

Picolé: Tô nem aí — dá de ombros — Ele mandou, tá mandado.

Bufo, vendo ele partir com a moto.

Não sou inocente pra achar que o chefe deles não tem interesse nenhum em mim, mas também não vou ficar me segurando nisso não, porque o que a gente tem é completamente físico.

Não vou ficar fantasiando um negócio na minha cabeça pra depois não ser porra nenhuma. Sai pra lá esses dois e as caraminholas que eles tentam botar na minha cabeça.

Entro na padaria sentindo o cheirinho de pão gostoso e sorrio pra senhora no caixa.

Luara: Oi, Bom dia — ela me olha, simpática também — Sou a Luara, vim a mando do Digão e do Claudinho, eles me disseram que a senhora tá precisando de uma funcionária.

Xxx: Bom dia, sou a Cida — sorri — Veio pronta pra trabalhar?

Luara: Vim sim.

Cida: Dá a volta aqui — ela aponta pra portinha e eu cruzo o balcão —Tem ensino médio completo?

Luara: Tenho, me formei no final do ano passado.

Cida: Tem as coisas frescas na cabeça então — me olha e eu concordo — Mas o que eu mais preciso mesmo é que seja uma pessoa de confiança, o trabalho vai pegando aos poucos... Eu tava relutante em botar outra pessoa aqui, porque eu mesmo gosto de tomar conta, mas o Claudinho me garantiu que você era uma menina direita e que qualquer problema, o Digão ia tratar em pessoa.

Luara: Pode confiar, Dona Cida — digo séria — Só preciso de uma oportunidade, não tenho interesse nenhum em prejudicar a senhora.

Não opino sobre a parte que ela diz que o Digão me cobraria em pessoa. Primeiro porque sei das ameaças dele e segundo porque sei do meu caráter.

Cida: Sua função vai ser de caixa, mas com algumas obrigações de gerente — ela diz, chegando a cadeira pro lado pra eu ver o computador — Eu que faço isso, geralmente, mas eu vou precisar cuidar do meu neto pra minha filha mais nova poder ir pra faculdade. Eu preferi cuidar dele um pouquinho e arrumar alguém pra ficar aqui.

Luara: Tudo bem. — olho o painel do programa de caixa da padaria — Eu fico aqui até a hora dela voltar?

Cida: Não, eu consegui uma vaga pra ele na creche aqui do morro, aí vai ser só até eu levar ele, meio dia  — Me explica — Você vai ter que abrir a padaria pros clientes e ficar até a hora do almoço. O salário, a gente vai conversar no final do dia, vamos ver se a gente se entende hoje.

Ela continua me explicando passo a passo como funciona as coisas.

Os padeiros chegam de madrugada, depois eu vou abrir a padaria às seis e ficar aqui até ela chegar. Também vou ter que resolver algumas questões com os outros funcionários e fechar o caixa antes de passar pra ela.

A parte da manhã é bem cheia na padaria e eu mal pisco , nunca tinha parado pra pensar o quão intenso é o ritmo de trabalho aqui.

No final do meu horário de expediente, a Dona Cida e eu combinamos um pagamento  mais do que suficiente  pra mim que moro sozinha, considerando que esse é o meu primeiro emprego. Além do fato de eu não precisar trabalhar no final de semana, porque ela não vai precisar olhar o neto.

Na hora de ir embora, o sol tá torrando no rio de janeiro e eu fico na dúvida se espero o doido do Picolé aparecer ou se vou embora a pé mesmo.

Resolvo esperar um pouco. Já percebi que muitas vezes é melhor só aceitar a ordem do Digão do que gastar energia batendo de frente com ele.

Eu tô numa vibe de escolher as batalhas que eu quero lutar.

Olho o horário no celular e as notificações do João e da Luiza, clico em responder, mas o barulho de uma moto chama minha atenção.

Picolé para na esquina e conversa com uma mulher, que segura uma criança pela mão. Ele diz algo rápido pra ela que concorda e eu espero ele vir até mim, pilotando.

Picolé: Foi mal, Ney me chamou lá na casa amerela e pediu pra eu deixar um recado com a mulher dele — faz sinal com a cabeça pra eu subir na moto — Sorte que eu encontrei com ela ali na esquina, se não ia ter que passar lá na casa deles pra dar o recado.

Luara: Aquela é a mulher do Ney? — pergunto, paralisada.

Picolé: É, po. Aquela que eu acabei de falar ali — franze a testa, me analisando — Vai subir não? — aponta pra garupa e eu concordo, ainda processando a informação.

Que filho da puta.

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