Capítulo 62 - Luara
Desperto com o coração apertadinho dentro do peito. Meu braço arrepiado e a garganta seca são frutos de mais um sonho ruim com o Rodrigo.
Os pesadelos nunca são claros, mas são sempre pra me lembrar o quanto eu amo esse homem e sei que ele tá me esperando em algum lugar.
Só não sei onde procurar.
Viro de lado na cama e vejo a Luiza dormindo na ponta da cama de casal. Não deixo de ser grata aos meus amigos pelo tanto que eles estão abrindo mão da própria vida pra me apoiar nesse momento difícil...
Ela tem uma rotina corrida, dá aula de ginástica e estuda, tem um namorado que precisa dela e família, mas ainda reveza com o João pra não me deixar dormir sozinha.
Levanto da cama sem fazer barulho pra pegar um copo de água na cozinha. Passo pela sala, vendo o TH dormindo no meu sofá, cansado pós plantão. Parece que o Ney tá arrancando ainda mais o couro do coitado.
Bebo a água com calma, olhando os meus pés descalços e rezando pra Deus acalmar meu coração.
"Tu tem que pensar na possibilidade dele não voltar"
As palavras do João ecoam na minha cabeça.
"Tenho um carinho enorme pelo Digão, mas tô preocupado com você. Tem mais de um mês que ele não dá sinal de vida, Luara..."
Eu sei o que ele quer dizer. João tem medo que o Rodrigo esteja morto. Ele não fala com todas as palavras, só que é fácil de entender o raciocínio por trás disso. É fácil deduzir que uma pessoa desaparecida, depois de um mês esteja morta.
A Luiza tenta me distrair, conversar sobre outras coisas, e sempre diz "Ele vai voltar. Se Deus quiser", mas apesar do carinho, ela também não tem certeza.
Sinto que TH e Picolé também cogitam que ele esteja morto, só não querem acreditar. Vivem em negação, porque a vida vai ser muito ruim pra eles sem o Rodrigo aqui. Já tá sendo ruim.
A questão é que, ainda que seja uma certeza só minha, não existe uma célula no meu corpo que não acredita que ele tá vivo.
Levo o copo de água até o quarto e apoio na mesinha de cabeceira ao lado do meu celular, que marca 3:35 da manhã.
Deito novamente, virada pro lado de fora da cama, tentando recuperar o sono. Faz meses que não durmo bem. Antes era por causa da padaria, e hoje, é toda a preocupação e saudade...
Penso muito na Kelly, não consigo imaginar o que ela está sentindo... Penso muito no filhinho dela. Queria dar um suporte maior, enquanto a padaria tá fechada, eles estão morando numa casa de praia que o Claudinho deixou em São Pedro da Aldeia. Longe de toda essa confusão.
Eu também ia querer me afastar de tudo, até tenho essa vontade, mas é a esperança no reencontro que me mantém aqui.
Ouço o barulho da vibração do meu celular contra a madeira da mesinha e me sento na cama, vendo um número privado brilhar na tela.
Sem pensar muito, atendo a chamada e levo o aparelho à orelha.
"preta" — ouço um sussurro baixo do outro lado da linha.
A voz inconfundível me chamando faz meu mundo parar por milésimos de segundos. Perco o ritmo da respiração, meu coração dispara e me sinto enjoada.
Luara: Rodrigo — agarro o celular com toda a força presente nas minhas mãos trêmulas — amor, fala comigo, onde você tá?
Vejo a Luiza levantar assustada e me olhar, tentando entender o que tá acontecendo.
Luiza: Thiago! — ela corre pra sala, chamando o TH, e eu me concentro na ligação.
Digão: Tô vivo, pretinha — a voz baixa e entrecortada rasga o meu coração — Te amo pra caralho.
Luara: Me fala como que eu te encontro, Rodrigo! — me desespero — Onde você tá?
Tento perguntar, receber alguma pista, mas a ligação fica muda.
Luara: Não, não — grito — Preto, fala comigo — Peço mais uma vez e a resposta não vem.
A ligação caiu.
Olho pra tela que mostra a chamada finalizada, tento retornar, mas a ligação não completa.
"Esse número de telefone não existe"
Minha mão treme muito enquanto eu encaro o celular sem saber o que fazer. Bufo. Frustrada e aliviada.
Ele tá vivo.
TH: Qual foi? — me encara assustado.
Luara: Rodrigo falou comigo — pronuncio as palavras com a cabeça girando, parece que os móveis dos quartão estão mexendo sozinhos.
TH: Tem certeza que era ele? — pergunta e vira pra loirinha encostada na porta — Traz meu rádio, Luiza, por favor.
Luara: Era ele.
TH: Pode ser um trote. Algum filho da luta de sacanagem — argumenta e eu nego com a cabeça.
Luara: Era ele... O jeito que ele me chamou — respiro fundo — Ela ele. Tenho certeza absoluta.
TH: Caralho... — sorri e nega com a cabeça — O que ele falou?
Luara: Só disse que me amava e que tava vivo — passo a mão no meu peito, na altura do coração, sentindo meus batimentos frenéticos e massageio pra aliviar a dor.
Ele concorda e pega o rádio da mão da Luiza enquanto ela me entrega um copo de água.
Luara: Meu Deus, ele tá vivo — viro pra minha amiga — Ele tá vivo, Luiza.
Luiza: A gente vai encontrar ele, amiga — sorri e eu concordo.
Minha mente tá tão atordoada que eu não consigo prestar atenção no que o TH fala no rádio.
Fecho os olhos e relembro a ligação. Ele me chamando de pretinha reascendeu a minha vivência. Era tudo o que eu queria, ao mesmo tempo tão pouco...
TH: Vamo chamar alguém pra tentar rastrear a ligação — ele me olha — Ney montou um esquema com a facção.
Luara: Não — nego com a cabeça, olhando pras minhas mãos.
TH: Luara...
Luara: Ele ligou pra mim — olho pra ele e depois pra Luiza — Se quisesse falar com Ney, daria um jeito, mas ligou pra mim.
TH: Essa ligação é o único fio solto que nós tem — cruza os braços — Não dá pra só ignorar.
Luara: Conhece alguém da tropa da Princesa?
TH: Conheço — franze a testa — Trabalhei com uns menor quando o Digão mandou.
Luara: Avisa eles que nós vamos aparecer lá agora.
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Ligações de Alma [M]
FanfictionLigações de alma, eu falo seu idioma Traduzo suas emoções, entendo sua confusão. Luara e Digão