Capítulo 3

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Capítulo 3 - Luara

João: O macho lá nunca mais deu as caras — olho pro meu amigo de relance, mas volto a prestar atenção nas escadas que estamos descendo.

Luara: Quem? — endireito a calça jeans que tá caindo desde que saí de casa.

É isso que o luto faz, emagrece.

João: O dito cujo que você ajudou semana passada — mexe no piercing da sobrancelha enquanto a testa brilha de suor por causa do sol escaldante do Rio de Janeiro — Quer que eu fale o vulgo em voz alta?

Luara: Se tá tudo normal aqui, é porque ele tá vivo — rio e dou de ombros.

João: Papo reto — ele olha pras duas esquinas do cruzamento antes da gente atravessar — Se esse homem vai de rainha Elizabeth junto com aqueles funcionários dele, isso aqui ia um inferno igual tava semana passada.

Luara: Tava um inferno e eu tava literalmente sentada no colo do capeta — subo a mão que segura a pasta de documentos até o peito.

João: Bixa — ele gargalha — É cada situação que tu se mete... Eu não ainda não tô crendo que tu deu de cara com esse homem.

Luara: Eu te juro que não faço nada, é karma de vidas passadas, João Pedro! — tento me defender, mas a risada só aumenta.

João: Tu sai no meio de uma guerra na favela, um tiroteio do caralho, e quer receber o que? Um Iphone 15? Te orienta, Luara — diz sério e me olha, falando baixo — Falaram que pegaram dois envolvidos na confusão...

Luara: E fizeram o quê?

João: Arracaram a cabeça dos dois — arregalo o olho olhando pra ele.

Nós dois entramos numa das ruas principais do complexo e encontramos um barzinho de esquina. João Pedro me falou que esse é o bar onde a maioria dos traficantes ficam e que a dona daqui tá sempre procurando alguém pra ajudar.

É óbvio que depois de eu não ter ido aquele dia pra loja, o gerente não quis me ver mais lá nem pintada de ouro... Então agora eu tô na minha saga de arrumar um trabalho pra me sustentar e futuramente me matricular num curso.

João: Amiga — ele chama atenção da garçonete e sorri, passando a mão no cabelo de reflexo — Dona Marilene tá aí? — ela concorda e indica com a cabeça lá pra dentro.

O bar é grande até, algumas mesas estão na rua, mas tirando um grupo almoçando, tá bem vazio... Foram poucas vezes que eu vim pra esse lado da favela desde que cheguei, mas nunca vi desse jeito.

João puxa a minha mão e me conduz até o balcão, onde uma senhora com óculos na ponta do nariz anota coisas num caderno.

João: E aí, Dona Marilene? — se debruça sobre a pedra de mármore — Tudo bem com a senhora?

Marilene: Oi, meu lindo — sorri com doçura pra ele e depois pra mim — Tudo indo... e vocês?

João: Tô tranquilo, minha mãe disse que é pra senhora passar lá qualquer dia que chegou revista nova da Avon. Eu ia trazer pra senhora vê, mas tá na casa da dona Carminha

Marilene: Tem problema não, quando eu sair daqui, passo na Carminha, pego e depois deixo na sua casa — ela larga a caneta perto da caixa registradora e me olha com o sorriso no rosto — E você?

Luara: Sou Luara, prazer — digo sorrindo, mas envergonhada.

Odeio ter que me apresentar assim pras pessoas, tenho facilidade em ser simpática com quem me trata bem, mas um diálogo reto assim, ainda me dá um pouco de nervoso.

Ligações de Alma [M]Onde histórias criam vida. Descubra agora