Capítulo 39

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Capítulo 39 — Digão

Estico o meu braço livre pra pegar meu celular na mesinha enquanto Luara dorme no meu peito, respirando relaxada. Levo o aparelho até a minha orelha depois de clicar para atender a chamada do Picolé e faço um carinho de leve na cintura da minha pretinha.

O peso do corpo dela em cima do meu me relaxa.

Digão: Fala, mano — digo baixo, com cuidado pra ela não acordar.

Picolé: Tá eu e os menor aqui esperando a carga, patrão — ouço ele dizer e Luara se mexe no meu colo, enfiando o rosto no meu pescoço — Tamo plantado aqui no local combinado mais de meia hora já e o cara falou só agora que não vai vir.

Digão: Não vai por que? — franzo a testa.

Picolé: Falou que a favela tá muito visada e que ele não vai botar a cara mais não.

Digão: Sai daí — passo a mão no rosto — Me encontra na casa amarela, esse filho da puta tá pensando que eu sou otário.

Irmão, eu entendo a porra toda, sou paciente, mas não deixa de cumprir um bagulho que combinou comigo não.

Picolé: Ainda. Tamo aí em cinco.

Desligo o celular e coloco em cima da mesa mais uma vez.

Digão: Preta... — chamo baixinho e tiro os cachinhos do rosto dela.

Ela esfrega o rosto no meu peito e abre os olhos, toda manhosa. Puta que pariu, toda vez que eu tô na paz com a minha pretinha vem um filho da puta pra atrapalhar. É só ela me dá sossego que algum k.o acontece.

Luara: Que foi? — se encolheu no meu colo por causa de um vento frio vindo da janela, tempinho hoje tá favorável pra ficar do jeitinho que nós tá.

Digão: Vou ter que sair pra resolver um bagulho — dou cheiro no pescoço dela, sentindo o aroma doce misturado com o meu perfume.

Luara: Quer a sua camisa? — olho pra imagem linda dela vestida com a minha blusa.

Digão: Fica com ela, tenho outra no carro — sento no sofá com ela no colo ainda e beijo sei pescocinho.

Luara: Você vai voltar? — me olha.

Digão: Quer que eu volte? — pergunto e ela concorda — Vou voltar então — dou um selinho nela.

Luara: Traz alguma coisa pra eu comer, se não vou te deixar do lado de fora.

Digão: Manda uma mensagem dizendo o que tu quer.

Me beija e eu deixo ela no sofá. Calço o tênis e pego a arma, colocando na cintura. Dou mais um selinho antes de ir e me viro pra sair da casa dela.

Luara: Ei — me chama e eu giro o corpo olhando pra ela deitada no sofá — cuidado.

Digão: Sempre, preta — pisco pra ela.

Luara: Acho bom — prende o sorriso e eu rio, saindo da casa dela.

Dirijo até a casa amarela e estaciono o carro, vendo a minha contenção descer das motos.

Digão: Qual foi? — saio do carro, vestindo a camisa.

Picolé: O cara não aparaceu, patrão — diz, puto.

Não tiro a razão do soldado, saiu direto da minha segurança no baile pra receber essa carga e o filho da puta que intermediou não aparece.

Digão: Enche dois carros, vamo descer. Se ele quer que a gente vá buscar, eu sei onde ele fica . Tá achando que eu não tenho disposição, esse fudido.

(...)

Conheço muito bandido que fica por aí arrumando k.o com os outros. Nunca fui desses, mas não cheguei onde eu tô deixando qualquer zé bunda me passar pra trás. Não sou qualquer um.

Ando até a entrada do galpão e um moleque abre o portão pro meu bonde entrar. Não ligo pros olhares em cima de mim enquanto vou na direção da sala. Já tô acostumado com essa porra, então quero que eles se fodam se tão achando que cara feia me intimida.

Rael: E aí, meu parceiro — o homem de trancinha me olha e eu vejo os quatro seguranças nas laterais da sala.

Digão: Não sou seu parceiro — digo de cara, pra ele saber qual vai ser o tom dessa conversa.

Odeio trabalhar com gente incompetente. Se essa carga não chega na minha favela, não sou só eu que não lucro, é todo o meu bonde que fecha comigo e espera no mínimo um retorno financeiro. Ninguém tá fazendo caridade aqui.

Rael: Podem sair — avisa pros seguranças.

Digão: Negativo — sento na cadeira à frente dele — Quero testemunha do papo que eu vou te dar.

Rael: Com todo respeito, Digão...

Digão: Todo respeito é o caralho, Rael — Interrompo — Não vem com teu papinho não que eu não sou moleque. Tenho mais tempo de correria do que tu tem de vida. Não foi entregar a parada por que?

Rael: Tua favela tá muito visada, irmão.

Digão: Se tu não tem disposição pra fazer, não combina, caralho! Quando nós fechou a carga, tu já sabia das condições, tava ciente da porra toda, se fechou e não cumpriu é porque não é homem pra cumprir.

Rael: O papo não é esse...

Digão: Então é o que? O moleque sou eu? — pergunto alto e ele nega — Me tirou da minha paz quando sabia que eu tava te dando um voto de confiança e não é nem homem pra assumir seu vacilo.

Rael: Não dava pra eu botar meus moleques na fogueira, Digão. Eu perco a carga e os soldados no caminho, ia fazer como? Tu ia em matar, porra.

Digão: Tivesse dito que não tinha condição de fazer o serviço. Aí eu ia só te achar um frouxo, porque o teu trabalho é justamente esse, se eu quisesse fazer o que tô fazendo agora, eu ia direto pegar essa porra com o fornecedor — levanto da cadeira — Agora tu não tem porra de moral nenhuma comigo.

Rael: Tu tá achando que eu tô na maldade contigo, mas eu não tô, irmão. — passa a mão no rosto e me olha.

Digão: Vamo fazer o seguinte, pra eu não me estressar mais contigo — tiro a arma da cintura e dou um tiro na coxa dele. Os soldados dele levantam as armas e os meus também — Vou levar a minha carga agora e tu tem uma semana pra me devolver a porra do meu dinheiro, porque eu não sou otario e tu não vai receber por um serviço pela metade.

Rael: Porra, Digão — pressiona as mãos na coxa e a atmosfera na sala tá totalmente pesada por causa da minha postura.

Digão:. Tu sabe que não adianta esses zé cu apontar arma pra minha cara, tua segurança não vai servir pra porra nenhuma se eu tiver que voltar aqui pra te matar. Tive que sair da minha favela pra lidar com a sua incompetência hoje e saio quantas vezes for necessário — chego mais perto dele, que me olha de baixo pra cima — Tá me entendendo, seu merda? — questiono e ele concorda.

Saio da sala seguido pelo Picolé e guardo a arma atrás da cintura, cobrindo com a camisa vermelha.

Digão: Divide a carga em dois carros, não faz o caminho que eles tinham planejado, esse incompetentemente do caralho.

Picolé: Tranquilo. Tijolo tá te esperando no corolla preto, tamo indo logo atrás — concordo e ando até o carro puto, vendo o meu bonde já preparado pra sair.

Não gosto de gastar bala atoa, mas às vezes a gente precisa lembrar os outros de quem a gente é. E isso não foi um recado só pro Rael não, é pra todo mundo. Eu não tô morto nem preso ainda.

Tijolo: Direto pra favela, patrão? — me olha pelo retrovisor.

Tiro meu celular do bolso e aperto o botão de bloqueio, vendo a mensagem da Luara.

Digão: Vamo direto, passar lá na tia pra comprar um hambúrguer pra minha preta.

Ligações de Alma [M]Onde histórias criam vida. Descubra agora