Capítulo 58

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Capítulo 58 - Digão

Meu corpo tá moído, papo reto. Vamo precisar de mais do que uma surra pra me tirar do eixo, mas ainda sinto meu corpo pesado.

Fecho os olhos pra aliviar a dor na costela mas o que vem na minha mente é o olhar da minha pretinha pra mim, totalmente perdida.

Eu tentei preparar a Lua pra esse momento, só que ela nunca pegou a visão de verdade. Apesar de ser nascida em favela, foi criada longe de tudo isso...

É foda a gente não escolher se quer amar ou não alguém. Cresci sozinho e enquanto pude escolher, fui sozinho, mas amar alguém não é uma parada que tu escolhe.

Não queria trazer a Luara pra essa confusão que é a minha vida, não queria que ela passasse pelas coisas que eu sabia desde o início que a minha mulher passaria.

Só que, porra, quando eu bati o olho nela na primeira vez... Fui fraco e não consegui me afastar.

Figueira: Quem diria, Digão... Tu, que sempre viveu numa marra fudida pra cima de geral, ia tá nessa situação.

Vejo um cara, que só descobri o nome porque ouvi os outros seguranças chamando, se aproximando da grade da cela onde eu tô.

Digão: Marra? — levanto a sobrancelha e olho pra ele.

Figueira: Sempre olhando pros outros de cima...

Digão: Tu me conhece de onde, cria? — sorrio frio — Eu nunca te vi na vida.

Figueira: Nós não se conhece, mas sempre ouvi falar de tu — cruza os braços e encosta na grade.

Digão: É a consequência de viver no topo — relaxo as costas na parede — Vão sempre conhecer a tua fama.

Figueira: Pela tua fama, tu nunca ia imaginar tá aqui hoje — sugere — Mas pela tua postura, tu não pareceu surpreso em momento nenhum.

Digão: Pra tu ver que nem sempre o que dizem é a realidade.

Ele não tá errado em dizer que eu já tava esperando a queda. Depois que cheguei onde cheguei, vi um por um dos meus parceiros caindo. Alguns se recuperaram, outros pararam no fundo do poço. Mas todos os que estavam em cima, caíram.

É a lei da vida e eu sabia que eu não ia escapar disso.

Observo o tal do Filgueira andar pela sala ao redor da cela e sentar, mexendo no celular. Só tem ele aqui dentro agora, mas o lugar onde eu tô tá rodeado de segurança.

As paradas aconteceram num espaço curto de tempo, eu estranhei a forma como chegaram até mim tão fácil, mas o grupo de operações especial que entrou na minha casa era pequeno e experiente.

Lembro que só consegui tirar a imagem da Lua da minha cabeça por poucos segundo, quando, no andar de baixo da minha casa, eu vi o meu sub morrendo.

O chão branco da minha sala tinha uma poça do caralho de sangue e ele uma dificuldade absurda de respirar. Toda força que sobrou, ele usou pra falar comigo.

"Eu tentei te avisar, mano"

"Eu tentei"

"Olha meus filhos, irmão"

"Não deixa a Kelly desamparada"

Eu já vi muito parceiro meu caindo, mas a forma como quebraram o Claudinho me baqueou. Por mais que eu não tivesse uma relação tão próxima de amizade com ele, sempre foi o cara que mais me entendeu no meu comando, o mais fechamento. A gente se respeitava e fazia os bagulhos funcionar porque a lealdade era nosso valor número 1.

Ele morreu sendo leal.

É impossível entender como tudo aconteceu, mas da lealdade dele eu não duvido.

Sem ele, eu sabia que Ney assumiria momentaneamente o comando, mas tava tranquilo em saber que conseguiria passar ordens através da minha advogada ou da Luara nas visitas.

Até que antes mesmo de chegar na delegacia, uma van preta e dois carros fecharam o comboio da polícia. O pau quebrou, tiroteio intenso por uns 10 minutos. Eu cogitei que fosse a minha tropa no resgate, mas era um outro bonde interceptando a polícia.

Algemado, diante de tanto fuzil, eu sabia que era idiotice lutar. Pra esses caras, meu valor é muito maior vivo, minha morte não é um bom negócio e essa é minha maior arma.

Mas agora a minha preocupação tá em outro lugar, não mais na minha liberdade, aguento surra e o que vier. Só vou viver pensando na minha mulher e no meu morro na mão de um filho da puta que eu não confio.

Ney é fraco, mas eu ainda me arrependo pra caralho de ter mantido ele no cargo quando ele falhou pela primeira vez. Porque ainda que seja fiel a mim, é incapaz de lutar contra esse inimigo que nem eu mesmo sei quem é.

Todas as possibilidades tão aqui na minha cabeça, mas certeza eu não tenho quase nenhuma. Só sei que meus parceiros não vão deixar a Luara sozinha.

Rodrigo: Porra, pretinha, espero que tu não saiba crescer só pra cima de mim não — sussurro — Bota esses filhos da puta pra fazer o certo.

Ligações de Alma [M]Onde histórias criam vida. Descubra agora