Capítulo 56

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Capítulo 56 — Luara

Por mais que eu pensasse que a sensação de solidão seria o mais difícil de enfrentar agora, nada se compara com a sensação de impotência.

A impotência te estrangula, te coloca num estado de autocobrança e angústia tão grande que é quase impossível de suportar.

Tô há duas horas trancada dentro de casa esperando algum contato. Sem saber do futuro dele ou do meu.

Sei que não tô sozinha, ele me disse isso e o cara no telefone me disse isso também, mas não melhora a minha sensação de impotência. Não melhora esse incômodo dentro do meu coração.

Nunca fui cega sobre os defeitos do Digão, já ouvi muita história sobre a vida dele no crime e ele nunca fez questão de esconder quem ele era nessas circunstâncias. Mesmo assim nada apaga o fato dele ser a pessoa que mais amo em vida, de ser quem cuida de mim e me protege ainda que sob os meus protestos.

Por mais que eu conheça seus defeitos, sei na ponta da língua cada uma das suas qualidades.

Conto na minha cabeça quantas barreiras tinham nessa favela antes de chegar na casa dele. A conta não fecha e me sinto ainda mais vulnerável por isso.

Lembro dele me dizer que já viu pai tentando matar filha por causa de poder, tenho medo do que pode acontecer com a gente se for isso mesmo.

Eles sabiam exatamente onde procurar, isso me assusta.

Resolvo tomar um banho, tentar deixar descer pelo ralo a sensação ruim que me ronda, mas o cheiro dele na blusa que eu tô vestindo é um golpe na alma.

Não tem hipocrisia no meu choro. A vida cobra. Ele mesmo disse. Mas como não sentir saudade e medo? Dobro a camisa em cima da cama e ligo a água quente, sentindo os primeiros raios de sol invadindo o meu boxe.

Desligo o chuveiro quando ouço batidas fortes na porta da minha casa, passo a toalha rápida pelo meu corpo e coloco um vestido.

Corro até a porta e abro, vendo Picolé e TH parados na porta. Não aguento olhar muito pra eles e limpo rápido a lágrima que escorre na minha bochecha.

TH: Já sabe? — pergunta, com os braços pra trás e testa franzida.

Luara: Eu tava lá — fungo.

Picolé: Caralho... Como saiu? — me olha preocupado e abro espaço pra eles entrarem.

Luara: Na varanda tinha um vão entre o muro da garagem e a grade da janela, ele me ajudou a subir pra laje — sento no sofá.

TH: Ele tinha uma preocupação do caralho de tu ta com ele quando desse uma merda

Luara: Falou que não queria que eu fosse esculachada, por mim eu ficava — dou de ombro — se ele passasse pelo buraco que eu passei, era melhor eu ir e ele ficar.

Picolé: Tu não conhece o marido que tem? — me pergunta — Sabe o que ia te acontecer se te pegam lá com ele?

Luara: Não ligo de apanhar, apanha hoje e amanhã cura, agora, e a cadeia? — abaixo a cabeça e nego — Onde vocês tavam, cara? O que aconteceu?

TH: Ninguém sabe... Nós tava de folga, eu tava fora da favela com a Luiza.

Luara: Não pode isso, TH. Ele não deixava ninguém tocar na segurança dele, eu sei disso. De quem foi o erro? — apoio o cotovelo na perna — Me diz como esses caras entraram aqui e ninguém viu? Logo aqui.

Picolé: O fogueteiro deu mole. Não viu. Eram poucos, os que chegaram na casa de vocês era uns seis polícia no máximo.

Luara: Operação suicida isso — nego com a cabeça — E os caras conseguiram mesmo assim? Isso não entra na minha cabeça.

TH: Eles estouraram uma boca lá embaixo, uma equipe nossa deslocou e deixou o caminho livre.

Luara: Meu Deus do céu — passo a mão no rosto porque não consigo acreditar — Você acha que alguém deu o caminho?

Picolé: Não tem como saber, eu não vou levantar o dedo pra apontar o dedo pra ninguém, tá ligado? Mas é esquisito pra caralho.

Luara: E a casa? Quem tava chefiando a segurança da casa?

Picolé: Tijolo

Luara: E ele? Por que não atendeu? Onde ele tá? — tento entender.

Picolé: Tá morto, patroinha. Ele e todo o resto do plantão.

Luara: Meu Deus... — solto o ar.

TH: Dois tiro na cabeça do tijolo, arma devia ter silenciador — arregalo os olhos e Picolé repreende ele com o olhar — Tô te falando porque tu tem que saber, não é pra te impressionar, é pra tu entender o quão quente tá a parada.

Picolé: Foi ele, mas podia ter sido eu ou TH.

Luara: E agora? — passo a mão no nariz pinicando.

Picolé: Advogada da facção vai entrar em contato contigo.

Luara: Eu vou poder visitar ele? — sento na beira do sofá

TH: Ela que vai resolver tudo.

Luara: E o morro? O Claudinho vai ficar no comando? — pergunto, talvez seja a vigésima pergunta que eu faço em dez minutos.

TH: Claudinho também caiu, Luara — se entreolham mais uma vez.

Luara: Foi preso junto? — não consigo entender.

Picolé: Claudinho foi morto também.

Luara: Caralho... — levanto passando a mão no rosto e andando no meu da sala.

TH: É muita coisa pra tu processar de uma vez, tu não tá acostumada com essa vida.

Luara: Meu Deus, TH... A Kelly e as crianças — olho pro picolé que abaixa a cabeça — Meu Deus...

Os dois me olham calados e eu me sinto um pouco mais grata pelo Rodrigo ter sido só preso, poderia ter sido tão pior.

TH: Tá tudo calmo agora — diz com a testa franzida.

Conheço o Thiago há tempos , sei que ele não tá engolindo essa história como eu e Picolé também não estamos.

Luara: Como que tá calmo?

TH: Tu ligou pro Jogador, ele mandou uma tropa e deu um jeito em tudo. Segurança da favela ta muito maior agora — levanta do sofá — Tu fez muito por essa favela com uma ligação.

Luara: Só fiz o que ele me mandou.

Picolé: Vamo dar um fim nesse celular, ordem número um do Digão é te proteger. Pode ser que o Jogador entre em contato contigo pelo teu Whatsapp. Não aceita ligação fora do Whatsapp — aponto pro aparelho em cima da mesa.

TH: Não tá dando pra confiar em vagabundo nenhum. É só nós dois, Coreano e a família do Jogador.

Luara: Quem vai tomar conta da favela agora?

Picolé: Ney é o novo frente.

Ligações de Alma [M]Onde histórias criam vida. Descubra agora