Capítulo 5

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Capítulo 5 - Rodrigo

Subo a camisa e olho o curativo mais uma vez. Já tomei tiro de raspão, mas assim a vera é a primeira vez e eu pretendo que seja a última. Foda-se que faz parte do corre, essa sensação não é pra mim não. Não entendo a rapaziada que gosta disso pela adrenalina, se eu quisesse adrenalina, ia pra parque de diversão, não era no crime que eu ia procurar essa porra.

Claudinho: Qual foi, Gabrielly tá fazendo cena lá fora com os moleques, tô perdendo a paciência com essa maluca já— meu sub entra na sala e me olha mexendo no curativo— Tá doendo essa porra ainda? Te mandei o papo pra você esperar recuperar que nós ia tocando o bagulho pra você.

Digão: Tu já olhou o faturamento da semana? — pergunto e ele nega com a cabeça — Olha lá e vê se tem condição de eu ficar mais tempo fora dessa porra. — Levanto puto da mesa — não gosto das minhas paradas desorganizadas não e vocês fizeram uma zona do caralho em uma semana.

Porra, como eu odeio bagunça. Eu sei que sou chato pra caralho com a minha gestão, mas foi assim que eu comecei como fogueteiro aos treze anos e cheguei a dono dessa favela aos vinte e oito. Geral me olha e pensa que eu sou novo pra tá aqui, mas não vê os quinze anos de caminhada na correria e mais cinco anos como chefe.

Vinte anos de corre não são vinte dias. Passei mais da metade da minha vida batalhando pra crescer e não vai ser agora que vão me passar pra trás. Pode me chamar de filho da puta, dizer que sou babaca, mas fudido nenhum sabe a metade do que eu passei pra chegar aqui.

Claudinho: A gestão tá 100%, tudo na favela tá funcionando da forma que tu gosta, se tá com problema nas contas já não é comigo, é com a gerência do Ney — ele anda e fica cara a cara comigo, Claudinho é meu sub por causa dessa porra, é um dos poucos que é homem o sufiente pra me tratar de igual — Tua gestão tá fluindo, não tem um furo na segurança, eu mesmo replanejei tudo e agora nem blindado sobe nessa porra.

Digão: E vai dá pra manter dessa forma até quando, se não tiver dinheiro entrando? Tu vai tirar do seu pra bancar vacilo do Ney?

Claudinho: Eu fiz minha parte, Digão. Mandei o papo pra ele, disse pra não vacilar que essa era a hora de fazer o nome dele... — ele mexe os óculos no rosto e passa a mão no disfarce.

Claudinho passa batido na pista. Moleque até tem cara de cria, mas o óculos e a roupa não entregam que é vagabundo igual o resto de nós.

Digão: Já deu de dar papo pra esses caras, Claudinho. Ney nunca deu uma dessas e vem me dizer, depois de uma semana que eu fiquei ausente, que o faturamento foi baixo porque nego tá com medo de sair de casa e ter operação? Tu é inteligente, tem anos na correria igual a mim, tu já viu essa porra antes?

Claudinho: Nunca — ele me olha, negando, e abraça a minha visão — Viciado quando bate a abstinência da droga bate até na mãe.

Digão: Quantas vezes quando nós era vapor tivemos que madeirar algum que tentou roubar a boca? Não foi uma nem duas vezes não...

Claudinho: Quão abaixo foi? — cruza os braços e encosta na mesa.

Digão: 30% — pego a arma em cima da mesa e coloco na cintura.

Claudinho: 30% a menos que a semana passada?

Digão: Não — cubro a arma com a camisa — só 30% do que faturamos na semana passada.

Claudinho: caralho... — coloca a mão na frente do rosto.

Digão: Mandei ele sumir da minha frente e resolver essa porra, vou marcar durinho em cima dele agora e se eu pegar vacilo, não vai ter perdão — viro de costas e Claudinho me acompnaha até a porta — Não tem capacidade pra ser gerente nessa porra, larga e deixa pro próximo. O que não falta é moleque bom querendo uma oportunidade.

Desço as escadas da casa amarela que eu uso como boca principal. Aqui, do ponto mais alto da favela, eu resolvo todos os assuntos de gestão porque é onde é o acesso é mais difícil pra polícia e rival.

Olho através da porta e a loira de short curto discute com o Picolé que só se mantém de cara fechada e braço cruzado impedindo a passagem dela.

Digão: Qual foi? — chamo a atenção dos dois — Tá perdida na sua conduta, Gabrielly? Quando foi que eu deixei tu aparecer aqui fazendo esse auê todo?

Picolé: To falando pra ela abaixar a bola, Patrão. Quis me peitar e os caralho — meu soldado passa a visão virando a aba do boné pra trás da cabeça.

Gabrielly: Fiz auê nenhum, ele que tá cheio de marra pra cima de mim depois que subiu de posto. Quando eu andava contigo, me tratava bem — fala alto.

Digão: Primeiramente tu abaixa o seu tom — passo a frente do Picolé e chego o rosto perto dela — Desrespeito com os meus soldados é a mesma coisa que desrespeito comigo. Moleque tá trabalhando e tu fazendo esse show. Tá pensando que tu é quem?

Gabrielly: Eu não fiz show, Digão. Só tava entrando pra falar contigo porque tem duas parcelas do meu celular vencidas e eu queria resolver, mas ele não deixou, depois a menina de cabelo enrolado saiu daí e eu entendi o motivo. — ela faz a cara de sonsa que eu já conheço e não tenho a mínima paciência — Não vim atrapalhar seus rolos não, só queria te pedir o dinheiro da parcela mesmo.

Digão: Tem rolo nenhum, a mina é moradora e tava desenrolando uma pendência comigo — falo a verdade porque não quero ter que lidar com a Gabrielly indo atrás da Luara, já tô com problema até o cu fazer bico — E eu já te mandei o papo mês passado que eu não vou pagar porra de parcela de celular nenhum. Sou banco não garota, se liga.

Gabrielly: Isso é muita sacanagem, Digão... Esculacho o que tu tá fazendo comigo, quando eu comprei o celular eu tava contigo, agora eu vou pagar como?

Digão: Sei lá, porra. Dá teu jeito! Arruma outro bandido pra sentar, arruma um trabalho... Quando tu comprou essa porra eu te dei o dinheiro, se tu gastou pra pagar de primeira-dama pras suas amigas não posso fazer nada.

Gabrielly: É muito esculacho isso...

Digão: Esculacho vai ser o que eu vou mandar fazer contigo se tu não sumir da minha vista — seguro o braço dela — Se coloca no seu lugar, sua filha da puta. Se você aparecer aqui de novo fazendo show eu vou esquecer qualquer consideração que eu já tive por você...

Ela puxa o braço com raiva e me olha puta, jogando o cabelo loiro, e vira as costas pra mim, descendo a ladeira.

Claudinho: Isso é um satanás que tu arrumou pra sua vida.

Digão: Vou fazer questão de mostrar quem é o satanás aqui.

Picolé: Essa daí tá doidinha por um pau e nem é o que ela tá acostumada — faz a gente rir. 

Ligações de Alma [M]Onde histórias criam vida. Descubra agora