Capítulo 53

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Capítulo 53 — Luara

Feliz por ter saído, mas feliz também por chegar em casa. Fiquei um pouco tensa na volta, por estarmos tão longe de casa, praticamente cruzamos a cidade. Mas amei de verdade ter conhecido a Tamires e o Coreano.

Sinto ele me olhar enquanto substituo o vestido por uma camisa larga que peguei no armário dele. Não fico mais com tanta vergonha. Na verdade não tenho mais vergonha nenhuma porque esse homem já me viu de todo jeito.

Luara: Para de me secar — provoco, mesmo sabendo a resposta.

"Tô olhando o que é meu"

Digão: É minha, não posso olhar? — passa a mão na nuca e eu reparo no bíceps contraído.

Ô meu Deus...

Luara: Você é muito previsível — rio por ele ter dito exatamente o que eu esperava.

Digão: Porra nenhuma, é que tu já me conhece — segura a minha cintura e me puxa, sentando na beira cama.

Luara: Nem conheço tanto assim — sou sincera, porque isso é algo que me incomoda um pouco — Eu não sei nada do seu passado.

Levanta comigo no colo e eu prendo meu calcanhar nas costas dele, enquanto ele senta comigo no fundo da cama, encostando na cabeceira.

Digão: É a minha história que você quer saber? — me acomoda de frente pra ele.

Luara: Eu queria que você se abrisse mais comigo, eu contei tudo pra você — suspiro — Não quero forçar a barra só porque te contei a minha história com a minha mãe, mas sei que o seu jeitinho esconde muita coisa que você já viveu.

Digão: Não gosto de ficar remoendo o passado, lua, pra não acabar entrando num papel de coitado. Não precisei da pena de ninguém pra chegar onde eu cheguei — segura a minha mão e beija.

Apesar da diferença entre o que ele diz e a atitude de me beijar, eu sinto o que ele quer me passar. Essas palavras duras não são contra mim, são a realidade das vivências dele.

Luara: Eu não vou sentir pena de você — olho nos olhos dele e ele devolve o olhar. — Só quero te entender. O teu passado é parte de quem você é agora, você querendo ou não.

Digão: Eu faço de tudo pra não ser — vejo o olhar dele ganhar um brilho ruim e decido não forçar mais.

Luara: Tudo bem — beijo a bochecha dele — Se um dia você quiser me contar, eu vou querer saber.

Rodrigo segura meu cabelo pela nuca, sem apertar muito os fios, e encosta nossas bocas. É suave e gostosa a forma como ele passa a língua pelos meus lábios e chupa o lábio inferior. Eu procuro mais contato segurando a cabeceira e passo a brincar com a minha língua na dele.

Digão: Não tá mais bolada comigo? — passa a ponta do nariz no meu pescoço.

Luara: Tô magoada... — abraço seu pescoço, sentindo cada toque das nossas peles arrepiarem a minha alma — Não queria que você tivesse me excluído da situação da minha tia e queria que você controlasse um pouquinho seu ciúmes.

Digão: A primeira parte eu tô tentando melhorar — coloca a mão na minha bunda por dentro da blusa — a segunda que vai ser impossível.

Luara: Um pouquinho de ciúmes é bom, mas você já tá beirando a loucura — encosto a cabeça no ombro dele, enquanto ele alisa as minhas costas.

Digão: Você não tem a mínima noção do que você significa pra mim — procura meus olhos, me olhando de cima pra baixo.

Luara: O que eu significo pra você? — estreito levemente os olhos.

Digão: Meu mundo — diz sério e calmo — Depois da minha avó, que me criou, você é a única mulher que eu consegui amar.

Meu coração acelera dentro do peito com as palavras, minha mente não consegue formular uma frase, mas eu também não me movo, porque quero que ele diga tudo o que tem pra dizer.

Digão: Nunca pensei que ia ter dificuldade de respirar longe de uma mulher, mas o papo reto é que você é o meu ar — ele respira fundo como se quisesse provar o ponto que tá me dizendo — Não pedi pra você ser minha mulher só porque tu é gostosa e me fascina, você é gostosa pra caralho, a mulher mais linda do mundo, mas, com todo respeito, sempre tive mulher gostosa disponível.

Luara: Aí, tava indo tão bem — falo baixo, revirando os olhos e rindo.

Digão: Papo reto, preta. Tu tá ligada como eu era — se explica, dando um sorrisinho, depois volta a me encarar — Não te coloquei na minha vida só por isso. Não tenho orgulho da vida que eu tinha antes. Não me envergonho, mas também não tenho orgulho de ser filho de dois viciados que se mataram por droga, não tenho orgulho de ter ido catar comida quando não tinha nada em casa, nem de ter entrado nessa porra de vida pra sobreviver... Mas você eu quero mostrar pro mundo todo porque tu é a minha maior conquista. Não vou deixar filho da puta nenhum tirar você de mim.

Eu sinto em mim o peso de cada palavra que ele diz. Tudo tão carregado de sentimentos, seja por mim ou por tudo o que viveu. Ele persistiu. Ele conquistou. Ele se manteve firme.

Luara: Ninguém vai tirar, preto — levanto o corpo e seguro o rosto dele para que me olhe — Só você pode me fazer ir embora, ninguém mais, porque você é a minha base. Se orgulhe porque eu tenho orgulho de você. Eu te admiro. Não tô falando da boca pra fora, nem por pena.

Digão: Isso não é a metade do que eu vivi, preta — aperta a minha lombar e eu vejo seus olhos avermelhados — Eu fiz muita coisa errada, eu faço ainda.

Luara: Você fez o que precisava fazer. Sua vida não foi fácil, isso não é ter pena, é dizer a realidade. Tudo o que viveu te colocou aqui.

Digão: É por isso que eu te falo que não quero que tu tome as mesmas porradas que eu. Quando tu entrou na minha sala pra pedir ajuda, eu lembrei de mim, pretinha. Lembrei de mim, com bem menos idade do que tu, tentando uma oportunidade com o dono do morro.

Luara: Por isso me ajudou tanto...

Digão: E por isso eu quero te proteger mais. Eu não posso te livrar da dor de ter perdido a sua mãe, mas eu não quero que te machuquem mais.

Luara: A vida é assim, preto — sussurro, olhando nos olhos dele.

Digão: Não é igual pra todo mundo, Luara — contrai o maxilar — A mulher que me pariu me largou com a minha vó. Quando eu tinha quinze dias de vida, ela matou o meu pai na garrafada e foi pra vala também à mando do dono do morro. Eu não tenho raiva do Manel, trabalhei pra ele depois, mas com quinze dias, eu já não tinha pai nem mãe. Minha vó me criou com muito sacrifício, lavando roupa pra fora, fazendo comida... Só que quando eu tinha treze anos, ela morreu. Infarto. Os caras do morro fizeram uma vaquinha e pagaram o enterro, eu não fui com medo de parar num orfanato ou não conseguir voltar pra favela. Eu tinha casa, mas não tinha o que comer, os vizinhos me ajudavam, mas a vida era muito difícil aqui... Foi aí que eu entrei pro crime e trabalhei mais da metade da minha vida entre a vida e a morte, então, nem fudendo que a vida é dura assim pra todo mundo. Nem fudendo, Luara.

Meu coração para quando a minha mente imagina o que ele passou. Posso não ter vivido nem 1% do que ele viveu, mas entendo o que é enfrentar o mundo cedo.

Luara: Não, nenhuma história é igual a outra. Mas uma hora ou outra a vida causa dor em todo mundo, de maneiras diferentes, sem perdoar ninguém — limpo uma lágrima que escorre na minha bochecha enquanto olho no fundo dos olhos avermelhados dele — Você diz que quer me proteger disso tudo, mas eu também não quero mais que você encare esses momentos ruins sozinhos. Então não me tire a minha autoridade como sua mulher de também querer cuidar de você.

Digão: Eu não lembro o que é ser cuidado, eu tô acostumado a resolver as coisas. Não dói mais.

Luara: Mas eu te amo e sempre vai doer em mim o que vier pra te atingir. Quero ser sua parceira pra vida. Se você tiver que enfrentar a morte, ir atrás de alguma coisa pra sobreviver, qualquer coisa, quero estar do seu lado. Eu cuidando de você e você cuidando de mim.

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