Capítulo 67

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Capítulo 67 - Luara

"Ela tá voando, moleque, sem sacanagem. Eu falo que essa pretinha só tem carinha de anjo, mas vocês não acreditam. Desde que eu tomei aquele tiro, não engulo a bagunça que Ney tá fazendo. Tá eu e Claudinho em cima, se não, ele não trabalha, po. Ai eu mato um filho da puta desse, ainda vão me colocar como errado, porque o Manel deu a favela pra mim e deu o cargo pra ele. Não fui eu quem deu, não sou eu que posso tirar, mas, porra, a minha mulher tá fazendo mais do que o fudido fez em cinco anos, tô falando pra vocês."

Ouvir a voz dele falando de mim dói muito. Agora eu vejo com mais clareza o que o meu medo quis esconder de mim o tempo inteiro: Esse homem me ama pra caralho.

Agradeço mentalmente por ter me entregado de corpo e alma a alguém que me valoriza por inteira. Ele conhece os meus defeitos e fica encantado com todas as minhas qualidades, mesmo que eu não perceba.

"Não, pô, ele tá achando que tá me fazendo de otário. Tô levando porque o cara tem família e eu to ligado que ele é peidão pra caralho também, mas vai chegar uma hora que eu vou atropelar ele, quando eu tiver na minha razão. Não nasci ontem, porra"

Coreano: Esses áudios aí o Digão mandou pra nós uma semana antes de sumir — revela e eu abaixo a cabeça tentando regular as minhas emoções — Tá dito pela boca do homem que ela tava refazendo todo o trabalho de merda que tu entregava.

Ney: O cara tá apaixonado, porra. Maluco por ela! — sugere que as palavras dele não tem peso — Ficou correndo atrás dessa mina igual um moleque!

Luara: Igual você? — levanto uma sobrancelha e olho fixamente pra ele — Por enquanto eu tô colocando na mesa só a tua incompetência no seu trabalho, quer que eu comece a falar da sua vida particular também? Eu posso misturar os dois, tu quer?! Igual naquela vez que tu me ofereceu fiado na boca pra tentar ficar comigo.

Jogador: Com a mulher do teu chefe, Ney? — continuou de braços cruzados e não levantou muito a voz.

Ney: Ela não era mulher dele ainda.

Luara: Mas eu já tava na intenção dele e você sabia, acho que isso não pode, né? — olho pra Princesa, indagando, e ela nega com a cabeça.

Ney: Tu quer me fuder de todo jeito, Luara. Nunca fiz nada pra tu, garota. É a porra do comando que você quer? — grita — Fica com essa porra! Tu só vai sossegar quando esses caras aqui me matar. É isso que tu quer, deixar meus filhos sem pai?

Luara: Você que seja homem e honre a sua responsabilidade como pai, eu não tenho nada a ver com isso. Não quero tomar o comando de ninguém, mas não vou aceitar esculacho com morador e com quem fecha com a gente...O meu desejo maior é só ter o meu homem de volta —falo alto e engulo o nó que se formou na minha garganta — Vocês sabem o que é isso? — olho em volta, nos olhos de cada um na mesa — Essa sensação de vazio, essa impotência... Só quero ele de volta, você não tá fazendo porra nenhuma pra fazer ele voltar!

Todos assistem a nossa discussão calados.

Ney: Tá me acusando mais uma vez de querer ele de volta, caralho! Eu não sou x9! Fechei 10 a 10 com o Digão desde o começo — grita, quase subindo na mesa.

Luara: Não, Ney! Não tô te acusando de ser x9. Eu acho é que você viu a oportunidade e se criou nela. Porque você é tão idiota que duvido que qualquer plano de merda que você criasse seria capaz de atingir o Rodrigo. Você é um fraco, incompetente! — libero as palavras sem pensar duas vezes — Se tem um erro que o Rodrigo cometeu foi não ter dado dois tiros no meio da sua cara quando você se pagou de esperto pela primeira vez. Era melhor lidar com as consequências do que com um merda sem caráter igual você.

Jogador: Levanta, Ney — fala logo depois de mim, parado a dois passos da cadeira onde o imbecil tava sentado — Levanta, caralho.

O tom de voz do Jogador é tão sério que o gerente nem questionou. Apenas levantou, ficando cara a cara com o dono do Alemão.

Jogador: Onde tu tava quando levaram o teu chefe, no dia que o Claudinho e o Tijolo perderam a porra da vida tentando salvar aquela favela?

Ney: O plantão não era meu. Não sou soldado da contenção do Digão.

Jogador: Não foi isso que eu perguntei. Onde tu tava? — chega mais perto, ainda firme — Tua única opção é a verdade. Por bem ou por mal.

Puta que pariu. Que casal é esse?

Ney: Tava fora da favela.

Jogador: Digão foi avisado da tua saída? — a pergunta não foi pra mim, mas eu nego sutilmente com a cabeça.

Rodrigo não foi avisado de que o Ney tava fora da favela. Isso é uma espécie de regra, pelo menos do cargo de gerente pra cima, sempre se avisam quando vão sair. O próprio Rodrigo deixava Claudinho e Ney informados.

Ney: Não — respondeu seco e o Jogador riu.

Arrombado do caralho. Nada garante que ele não sabia que a polícia ia invadir naquele dia.

Jogador: Alguém tem mais alguma pergunta pra esse cuzão? — pergunta, mas ninguém responde.

Ney: Namoral, Jogador, eu não sabia de porra nenhuma...

A resposta não veio do Jogador, mas sim do Coreano que largou um socão do caralho na cara do filho da puta. Eu abri a boca, impactada, e o Ney deu dois passos pra trás.

Ele colocou a mão no rosto quando o sangue escorreu do nariz. Só a cena lavou muito da minha alma.

Jogador: Sabe por quê tu não vai morrer hoje? — segura a camisa do Ney com os dois punhos — Porque aqui nós respeita o Digão como irmão e quando um filho da puta igual você chamou minha mulher de piranha, sendo pai dela ainda, eu mermo mandei o arrombado pro inferno. Ele vai ter o mermo privilégio.

Coreano: E porque tu vai ter coisa pra caralho pra explicar pra nós mais tarde.

Princesa: Leva ele, pit — mandou o soldado que estava parado do lado do TH e do Picolé.

Jogador soltou o pano da camisa do Ney que olhou pra mim pela última vez antes de ir, arrastado pelo Pitbull.

Sinto dificuldade de respirar, diante de tanta coisa.

Coreano: Arrombado — ouço o coreano resmungar, antes de sentar na cadeira que agora está livre. Olhou pra mim pela primeira vez e sorriu, sem mostrar os dentes.

Fico aliviada por ter ele ali.

Itaúna: Vamo passar o comando pra ela — aponta o queixo pra mim e eu vejo alguns concordarem.

Outros não afirmam com tanta convicção. Também não é o que eu espero, nem eu sei se tô cometendo uma puta loucura.

Luara: Como eu disse, não vim aqui pra pedir isso pra vocês. A maioria nem me conhece pra tá me dando esse voto de confiança...

Pepe: Tu é a mulher do cara... Não tem essa de voto de confiança, a patroa é tu.

Rapunzel: Chegou mensagem pra você, lua — rompe o silêncio depois de um tempão e me estica o meu celular que tava travado pelo dela até agora.

Pego o aparelho e vejo o número desconhecido no visor.

Luara: Número desconhecido — falo pra geral ouvir, sentindo meu peito palpitar. É sempre a mesma sensação quando alguém me manda mensagem ou liga, meu subconsciente acha que pode ser ele.

Princesa: Tá escrito o que?

"Rael" — Leio a mensagem.

Luara: Eu acho que é um nome — franzo a testa e repito em voz alta — Rael.

Enquanto tento processar, vejo o Picolé desencostar da parede e voar, igual uma bala, na direção do filho do Itaúna, em pé, ao lado do pai.

Picolé: Que porra é essa, Tauã? Esse não é nome daquele teu parceiro lá? — empurra o moleque pra longe do pai.

Ligações de Alma [M]Onde histórias criam vida. Descubra agora