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Março.

Eram em momentos como aquele que eu parecia sair do meu corpo e me questionar. Como eu voltei para cá? Eu estava lá, caminhando novamente pelas ruas apertadas do Thunder Bay, pisando firme para não correr o risco de cair por conta do chão desnivelado. A visão panorâmica do local ainda era a mesma: as casas pequenas, apertadas e compridas, coladas umas às outras, vivendo entre o caos e a paz. A população fingindo viver à margem da sociedade para praticar suas barbaridades sem ser julgado por isso. As luzes amareladas das casas transbordavam nostalgia em mim, lembrava minha infância, em que eu andava pela rua, brincando, sem medo de nada. Agora eu não era mais a mesma, andava pelo bairro me agarrando a fé de que nada de ruim aconteceria comigo.

Dois meses atrás, eu achei que deixar Bibi no aeroporto, vê-la voltar sozinha para a nossa casa, seria a coisa mais difícil do meu ano. Achei que a parte difícil seria sair de Meridian. Infelizmente, eu estava errada. A parte difícil era se manter em Thunder Bay. Um mês após o meu regresso, eu já havia voltado a viver minha realidade de antes. Eu era novamente a garota certinha no meio errado. Sentia-me deslocada, mal-acostumada com a boa vida que eu tive em Meridian. Essa deveria ser minha dificuldade diária. Minha readaptação a cidade e etc, mas é claro que eu tinha que estar metida onde não devia.

Praguejei para mim mesma enquanto eu descia a rua a caminho da delegacia municipal. Stefan havia sido pego fazendo pichações no Centro Histórico de Thunder Bay. Stefan Forbes era um cara alto, que jogava futebol todos os dias às 16h, morava sozinho desde os doze anos, era irritado, quase não falava e muito marrento. Nos conhecíamos desde a infância, assim como todos com quem eu convivia atualmente. Vivia dizendo que não precisava da ajuda de ninguém e que sabia se cuidar sozinho, porém era o meu número que o mesmo concedia como contato de emergência em todos os DPs da cidade.

Agarrei a bolsa contra o meu corpo quando meus sentidos entraram em alerta e eu notei que já não andava sozinha na rua estreita. O ruído de um motor se aproximava mais de mim a cada segundo. Era início de noite, o céu já estava tomado de nuvens, deixando tudo ainda mais escuro e perigoso. No geral, Thunder Bay não era uma cidade de extrema periculosidade, mas a predominância de gangues rivais no distrito sempre deixava a população mais atenta, visto que todo mundo que residia lá tinha uma história de convivência com a violência urbana.

- Se andar mais rápido, vou começar a achar que está com medo.

Eu estava pronta para correr, mas reconheci a voz grave que veio por trás de mim. Virei para trás, dando de cara com oliver Santiago. Ele também era um amigo de infância, fazia anos que não nos falávamos e eu sempre achei que ele não ia muito com a minha cara, mas desde que retornei, eu estava tendo mais contato com ele do que eu deveria.

- Ah! É você. – Desdenhei, relaxando a tensão do meu corpo, soltando a bolsa e deixando meus braços caírem ao lado do corpo.

- Cuidado com esse desprezo, loirinha! – Ameaçou-me, tirando o capacete vermelho e desligando a moto. Bufei com sua ameaça malfeita, cruzando os braços. – Eu conheço esse visual. E esse olhar.

- Que visual? – Perguntei, abusando do tom esnobe. Eu não tinha muita paciência para fingir que tinha medo do Oliver. Era um pouco incoerente quando eu lembrava que o cara costumava ter medo de gatos quando criança. E amava desenhar borboletas.
Nada contra quem tem medo de gatos e gosta de borboletas, é claro.

- Essa bolsa, esse olhar preocupado e raivoso. Você está indo na polícia pegar algum dos seus protegidos, não é? – Zombou, cutucando minha bolsa com o dedo.

- Dá licença, oliver. Estou atrasada. – Continuei andando e ele continuou parado no mesmo lugar.

- Vai ser caminho perdido. – Parei ao ouvir sua sentença e olhei para trás. Expirei profundamente, pois já sabia onde isso iria acabar me levando. Ele sorria, desdenhoso e sarcástico, como se já soubesse meus próximos passos. – Você precisa parar de me chamar assim.

- É seu nome. – Mudei de direção, seguindo o caminho contrário e indo em direção a ele. Esticou o capacete em minha direção, com a expressão entediada. – Não era o nome do seu pai?

- Você fala demais, Violet ! – Apontou o dedo indicador em direção ao meu rosto, empurrando meu queixo para o outro lado com um pouco mais de força. Estremeci, mas eu preferi apenas soltar uma gargalhada sarcástica, colocar o capacete e subir na motocicleta.

Toda vez que Oliver me tratava de forma um pouco mais brutal, toda vez que a outra personalidade dele aparecia para mim, eu ficava receosa. Me fazia refletir e considerar se valia a pena manter essa amizade. Eu sabia que muita coisa não estava certa, porém, eu não estava dando a mínima.
Seguimos o caminho de volta em silêncio, fiquei apreensiva quando dobramos na minha rua. Analisei bastante quem estava passando pelo local, imaginando se alguma daquelas pessoas iria me reconhecer e contar para os meus pais que eu estava passando direto da minha casa e indo em direção ao Forte – que era como Oliver e seus colegas chamavam o local –, uma casa comprida que ficava distante do resto das casas coladas umas às outras.

- Você está de sacanagem?! – Bradei, irritada ao ver Stefan sentado no sofá, jogando videogame tranquilamente. Nem um pouco preocupado com a minha preocupação. Não hesitei em soltar umas tapas em sua cabeça quando me aproximei. – Você tem sorte que eu não cheguei à delegacia!

- De nada. – oliver Santiago sorriu sarcástico, lançando-me uma piscadela. Stefan não falou nada, apenas deu de ombros e voltou a jogar, me fazendo bufar de raiva.

- E você? Por que também não me avisou que ele já estava liberado? – Questionei dante, que estava sentado do lado do outro imbecil, enfurecida com suas expressões calmas.

- Eu não tenho como, não tenho celular! – Defendeu-se, assustado com meu tom de voz enraivecido.

- Uma televisão que cobre a parede inteira, um videogame de última geração e você não tem coragem de dar um mísero celular para esse garoto? – Virei-me para Santiago, protestando aos berros.

- Quer cuidar da contabilidade para mim? – Debochou, jogando-se esparramado em um poltrona larga. Revirei os olhos, indo em direção ao mini frigobar e pegando duas latinhas de cerveja. Fiz questão de passar na frente da TV, provocando reclamações. Joguei uma das latas em direção de Oliver quando passei por ele, indo sentar em outra poltrona. – Você é muito abusada, cara! Relaxa aí…

Tomei o conteúdo da latinha quase todo em uma só golada, tamanha era minha sede e irritação. Acomodei-me no sofá, tirando meus tênis e procurando uma posição confortável. Não era a primeira vez que eu ficava no Forte, lugar considerado intocável e o mais perigoso por ser a residência de um dos líderes de uma das gangues de Thunder Bay.
Eu disse que estava metida onde não devia.

Loml? | Will grayson Iv Onde histórias criam vida. Descubra agora