A lâmina da espada riscava no muro, soltando pequenas faíscas por conta do atrito entre o metal e o concreto. Seria mais uma missão de muitas. Mais uma morte de muitas. Um verme a menos para atormentá-lo.
O dono da espada andava sigiloso, pisando sobre as poças d'água quase em um perigoso ritmo dançante, aproximando-se do cavalheiro que rastejava-se no chão, apoiando os cotovelos e arrastando os pés descalços e inertes, sujando a parte de trás da camisa com rasgos e manchas de sangue.
Estava a encontrar uma maneira de escapar do demônio de olhos rubros.
A face do Assassino era uma névoa escura e seus passos não cessavam, achegando-se cada vez mais perto do indivíduo de face empalidecida e boca ressecada.
O Assassino parou, ficando justamente em cima de uma pequena poça d'água, que refletia a luz da intocável lua. Apontou a espada de lâmina fina e temível na direção do assustado homem preso ao chão. A respiração do facínora era tão fraca e inexistente que sequer parecia humano. Entreabriu os lábios e sua voz, por fim, saiu. Rouca e fria. O som de um verdadeiro matador.
— Sabes por que estais aqui? — indagou sem tirar os olhos rubros do alvo.
O homem trêmulo no chão negou veemente.
— Pareço familiar para ti? — Prosseguiu a pergunta, com a mesma voz perturbadora.
O pedaço de carne no chão continuou a negar com a cabeça.
— Responda, infeliz. Quero ouvir a confissão da sua maldita boca!
— Não, não e não, miserável! — gritou entre cuspidas. — Trouxestes-me até aqui. Emboscou-me e feriu-me! Assassino! Demônio!
O Assassino baixou a espada e seus olhos de fogo infernal pareciam fitar o nada.
— Quem és tu, canalha?! Maldito! Miserável! A justiça será feita! — O roliço homem vomitava as palavras, em uma voz esganiçada e olhos tão arregalados, quanto de um bezerro prestes a ir ao abate.
— Justiça? — Sua voz era distante. — Carrego cicatrizes em minha alma e coração. E elas precisam ser sanadas. — Abriu um sorriso diabólico para o alvo.
Em um movimento rápido, em plena escuridão, o Assassino prendeu o corpo do homem surrado ao chão, atravessando a lâmina fina da espada em seu corpo rotundo. Arfava, fazendo força, girando a arma mortal no peito do moribundo. Tudo que restou para o alvo, fora gritar o quão alto podia, e ver o Assassino o ceifando. Logo, a escuridão e o silêncio o envolveu.
O Assassino ergueu-se, e fizera o sinal da Santa Cruz, deixando o cadáver para trás. Bem sabia que Deus jamais o perdoaria por tais matanças. Mas não importava-se. Justiça, vingança, punição. Fazia aquilo por seu Clã. Subiu o capuz da capa preta, ocultando sua verdadeira identidade. Era tão jovem e tão perdido. Antes, fora conhecido como "demônio" pela cor peculiar de seus olhos. No atual momento, era conhecido como "demônio" pelas suas ações.
Andou cambaleante até sair do beco imundo e fedorento, ofegante. Limpou o sangue da espada e colocou de volta à bainha, posicionada em seu dorso. Seu peito queimava, pulsante, louco para libertar o monstro que havia em si. Não havia um destino feliz para ele. Desde que iniciara tal jornada sangrenta, qualquer alvo, qualquer transgressor era indigno de perdão ou piedade. Via em cada olhar repleto de desespero apenas súplicas superficiais. Necessitava acabar com todos eles. Precisava cortar o mal pela raiz. Mesmo que isto custasse a perda total de sua alma.
Olhou para a Lua Cheia, com o apreço de uma criança e sussurrou para si mesmo. Estava fraco. Ferido. Quase morrendo. Sentia que os últimos suspiros logo iriam se esvair de seus pulmões. Caiu de joelhos, derrotado.
"Perdoe-me, Deus, em tudo que falhei... E por tudo que ainda farei..."
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BRAVURA
Historical Fiction"- Quero que seja um Assassino. O coração do pequeno menino parecia não caber no peito mediante a tamanha aflição, diante do questionamento do misterioso senhor. - Como disse, senhor? O garoto escutara perfeitamente o que o vecchio dissera...