Capítulo 7

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"Portanto, não corro como quem corre sem alvo, e não luto como quem apenas soca o ar."

1 Coríntios 9:26

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       Olho de Peixe contemplava a serenidade que aqueles dias lhe traziam. Espreguiçou-se, deitado em uma rede, com um tricórnio posicionado perfeitamente sobre o rosto. Desfrutava de uma tranquila vida, enfim, e em tão tenra idade. Vivia seus doze anos, o alvorecer da adolescência, porém, Olho de Peixe podia jurar que vivera umas cinco décadas.

      Vagueou durante algum tempo sozinho nas ruas, afugentado pelos guardas, a ser espancado por outros moleques de rua, e consequentemente, até a própria vida lhe agredia.

      Antes, Olho de Peixe servira ao bando de Guelra, e enquanto o lunático líder recrutava um outro bando de marginais mirins, Olho de Peixe tomou a decisão inesperada de fugir. Ora, se Barbatana conseguiu livrar-se daquele parvo chefe do bando, ele também conseguiria. E foi o que fizera.

      Por vezes, Olho de Peixe lembrava-se de Barbatana e de seus olhos de cor rara. Tempos antes, o moleque franzino derrotou o líder, e em uma triste negativa com a cabeça, deixou o bando para sempre. Naquele mesmo dia, Olho de Peixe perdera um irmão. Um amigo.

      Arrumara um serviço comum — e muito exaustivo —, sendo o ajudante de um taberneiro chamado Kalt, um homem gigantesco com uma barba tão negra e áspera quanto um abismo. Trabalhar naquele lugar, segundo Olho de Peixe, era um inferno. Muitas vezes ao separar as brigas dos bêbados, machucava-se.

      Tantas vezes, convivendo em tal ambiente de discórdias, ganhara cicatrizes na alma e no corpo. A cicatriz mais recente estava em seu rosto. Encontrava-se em sua bochecha direita, feita pela lâmina de um punhal que, por sorte, não atingira seu olho. Fora feita quando tentara separar uma briga dos fregueses bêbados de Kalt. Saíra machucado de uma luta que não era sua, e ainda perdera o direito de receber seus cruzados. Raios!

      Em algumas ocasiões, e era obrigado a lavar o chão vomitado de todo o estabelecimento, enquanto o seu patrão divertia-se no andar de cima com as meretrizes, e céus, como tais mulheres eram escandalosas! Era constrangedor ouvi-las.

     Mas, ainda sim, Olho de Peixe ganhara benefícios vivendo na taberna. Tinha direito a todo e qualquer suco de tomate que podia ingerir. Sim, o jovem Olho de Peixe tinha um gosto singular de beber suco de tomate. Um hábito estranho? Deveras. Mas, o que fazer se o garoto amava beber suco de tomate?

Pôs a perna para fora da rede, ganhando impulso em balançar-se com a ponta dos pés.

      A taberna, até então, tinha lhe servido como uma espécie de abrigo do mundo. No entanto, Olho de Peixe não gostaria de ser para sempre um serviçal naquela taberna imunda.

Almejava algo a mais.

       Olho de Peixe.... Como ele detestava esse nome! Não tinha sequer firmeza para apagar tal alcunha ridícula dada por Tubarão. Aquele nome parecia estar marcado em sua alma, com o mesmo ferro quente que abrasava o lombo dos bois, sempre impedindo-o de proferir seu nome legítimo.

— Levante logo, vadio! — Kalt berrou, sacudindo as cordas da rede. — Vá limpar aquelas mesas, que em breve os meus clientes chegarão.

       Olho de Peixe alteou o tricorne, vendo a feição ébria do patrão de barriga estufada. O maldito embriagou-se novamente.

— Não posso nem descansar? Fiquei até tarde na cozinha ontem, lavando a louça, Kalt. — Olho de Peixe fitava o patrão quase com melancolia.

— Só se descansa, quando morre! — Kalt dera uma risada sarcástica, que para Olho de Peixe parecera maléfica. — Anda! Limpe as mesas e varra o chão!

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