Capítulo 45

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"Das profundezas a ti clamo."  

Salmos 130:1

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Vozes ecoavam na cabeça do Espectro.

Imagens.

Risadas.

Gritos.

Fragmentos que lhe perturbavam.

O Espectro contemplava sua imagem diante do grande espelho. Não possuía rosto, mas uma máscara com linhas pretas em formas de lágrimas que saíam dos buracos negros que concebiam o lugar dos olhos. A armadura era pesada e esquentava facilmente o peito. Pôs o elmo sobre a cabeça, ocultando ainda mais a sua identificação. Não lembrava-se de seu nome de batismo, somente que ele era um Espectro, a serviço dos Illuminatos, e que Malquior livrou-o das mãos dos Assassinos. Aquele sim, o Clã dos Assassinos era seu real inimigo. Suspirou, tateando a máscara, vendo por trás dela, através do reflexo no espelho, seus olhos obscuramente rubros. Pôs a espada na bainha de couro em seu dorso.

Sua mente divagava. Sua mente lhe enganava. Quem era a estranha moça de cabelos negros que lhe sorria? Quem era o rapaz, cujos olhos foram comutados por buracos ensanguentados, que lhe pedia socorro? O Espectro não os conhecia, rejeitava aquelas memórias. Guardava-as no fundo de sua mente estilhaçada para nunca mais revisitá-las.

Só existia para cumprir as ordens do Grande Mestre.

E iria matá-los. Mataria os malditos Assassinos.

Pela primeira vez, Malquior sentia os ventos do destino ao seu favor. Os deuses haviam-no consagrado para tal feito. O coração do homem passou a bater mais rápido. Tudo seria dele, e quando retornasse para Roma, o povo teria de aceitá-lo. Destruiria os Assassinos somente para adquirir o status de amado líder.

Recebera a visita da duquesa Amadeo naquele entardecer, horas antes de seu partir para a derrubada do Clã. Ela viera ao mascarado trajando seu melhor vestido costurado com fios dourados em seda verde. Os cabelos muito volumosos presos em um coque alto, cujos cachos deslizavam pela nuca. Malquior entediou-se quando a viu. Brígida surgira perante ele, mui alegre. Semblante que não condizia com a ruma de desgraças que ocorrera em sua vida.

— Ah, amado Malquior, recebi vossa carta — beijou uma das mãos do rapaz, tocando os lábios em seu anel de rubi. — E a pecora que lhe dei? Seu sacrifício serviu para livrar-me das maldições que caíram sobre mim?

Malquior puxara a mão, deixando a duquesa visivelmente constrangida.

— A família Amadeo não tem palavra. Primeiro, aua filha faz o desfavor de engravidar de outro, e em seguida tira a própria vida, anulando completamente nosso objetivo. E agora, me entrega uma pecora flagelada, que de nada serve para ser sacrificada.

— Não sacrificaste Mileide? — Brígida desesperou-se. — Quantas vezes terei de me livrar dela?

— Parece que não cumpre vossos compromissos, Duquesa Amadeo, o que é muito feio de vossa parte. Eu, como um bom Grande Mestre, cumpri o trato em eliminar o camponês que engravidou vossa filha e a senhora nem mesmo cumpriu parte do nosso acordo.

— Não tenho culpa de nada — Brígida berrou. — Minha filha foi fraca, por culpa do pai, que encheu a cabeça dela de sonhos e histórias melosas. Por isso o duque teve de pagar com a vida.

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