Capítulo reenviado.
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Naqueles dias de agosto, o duque de Florença, atacado por uma febre demasiado forte, obrigou-se a permanecer em seu leito, encerrado na escuridão de seus aposentos somente a depender da única pessoa que ajudava-lhe sem nada em troca querer. Mileide, naquela manhã, instigava o tio a beber o chá de ervas para que sua febre baixasse, mas Benito, sendo quase um idoso e deveras obstinado, recusava-se a tomar uma gota do chá.
— Por favor, tio, colabore — oferecia a caneca, que constantemente era negada. — Quanto antes tomar este chá, melhorará e terás a saúde de um cavalo.
— Não almejo a saúde do cavalo, mas a liberdade do mesmo. Olhe para mim, minha cara sobrinha. Preso à minha própria desgraça, sendo obrigado a ver a vida pela janela de meu quarto. Nem a minha própria esposa ou filha sentem piedade de mim. Ignoram-me como se eu fosse um pedaço de carne podre.
Mileide o escutou em seus devaneios. Doía, como uma afiada faca cutucando seu coração, escutar tudo aquilo que o fadado homem dizia. Era rico, era um duque, tinha incontáveis tesouros, todavia, achava-se um desgraçado por lhe ter sido renegado o simples prazer de andar livremente. Sentou-se na beira da cama, tocando a fronte de Benito com gentileza. Os olhos da menina ardiam, marejados. Benito estava realmente doente, e não era somente por delirar de febre. Tossia muito e a sua perda de peso e palidez eram preocupantes. Ele havia alertado a sobrinha alguns dias antes. Estava morrendo às mínguas e pressentia isso com cada fibra de seu ser.
— Não diga tais coisas, meu tio — abriu um amargo sorriso, enquanto as lágrimas banhavam o rosto. — Eu estou aqui. Não estás sozinho, tio Benito.
Delicadamente, Benito repousou a mão no rosto de Mileide, afagando-a.
— Perdoe-me, minha menina, por não amar-te como uma filha. Estou pagando pelos meus pecados. Mas não chores por mim.
— Tio, eu...
— Oh, meu bem, tens o coração puro. Jamais deixe que destruam isso, Mileide. Nunca deixe que tirem a inocência de ti.
Mileide assentiu. Ao ouvir o duque dizer aquelas palavras, lembrou-se de Nero. E por um instante, sentiu-se em um porto seguro.
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Na sala de refeições, jazia frente a farta mesa, a duquesa Brígida, Tarsila e o príncipe. A jovem noiva sequer tocava na comida, encarando mortalmente a xícara com café, como se houvesse veneno misturado ao líquido. A aparência de Tarsila não era das melhores. Seu rosto parecia uma tela desbotada e suas roupas eram de cores apagadas, deixando-a com uma aparência ainda mais mortiça. O cabelo era um emaranhado de fios confusos, penteados de qualquer jeito e os olhos — céus, seus olhos tão azuis —, aparentavam haver visto um fantasma à sua frente, de tão arregalados e foscos que estavam. Os lábios, sem pintura alguma, ganharam a tonalidade roxa, como se tivesse acabado de chegar de um lugar frio. Parecia desnorteada. Uma morta-viva.
— Coma alguma coisa, minha filha — a duquesa dissera, levando o garfo com bolo crepe aos lábios. — Não irá querer fazer nenhuma desfeita na frente do vosso noivo, irás?
— Não, mamãe — Tarsila passou os olhos do príncipe para a xícara de café frio nas mãos. — Apenas não estou em condições de comer nada.
Levantou-se, como se estivesse prestes a cair.
— Sinto-me zonza. Voltarei para meus aposentos.
Lorenzo a seguiu com o olhar, vendo a confusa noiva sair da sala de refeições. Ficara a sós com a duquesa, que mantinha um olhar feroz estampado no rosto. O príncipe sentia-se como um espectador de tudo aquilo. Um espectador distante e mudo.
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BRAVURA
Historical Fiction"- Quero que seja um Assassino. O coração do pequeno menino parecia não caber no peito mediante a tamanha aflição, diante do questionamento do misterioso senhor. - Como disse, senhor? O garoto escutara perfeitamente o que o vecchio dissera...