Capítulo 3

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      A brisa quente da noite balançava os curtos cabelos com  fios grisalhos de Gertrudes. Ali, sentada frente à mesa rústica da cozinha, podia saborear calmamente seu chá de camomila. Apesar da casa ter poucos empregados, Gertrudes era a responsável em manter a ordem e dar para cada empregado, seus afazeres. De olhos fechados enquanto os lábios tocavam a borda da xícara de porcelana chinesa, saboreando seu esperado chá, a governanta fora surpreendida, quase queimando a língua no líquido quente, quando um dos empregados entrou exasperado e sem fôlego na cozinha. O patrão havia acabado de retornar e precisava urgente da ajuda dela:

— Senhora Gertrudes? Senhora Gertrudes! — O jovem adentrara afoito a cozinha.

— Diga logo, rapaz, o que foi? Não está vendo que estou no meu intervalo? — sibilou, repousando a xícara no pírex e esfregando as mãos no rosto enrugado. — Será se não posso ter, pelo menos, dois minutos de sossego?! — Gertrudes virou-se para o rapaz, com o cenho franzido.

— Mas, senhora Gertrudes, é o patrão! O patrão precisas da tua ajuda, e trouxe consigo um menino muito ferido! — O empregado explicara, sem largar-se da vassoura.

       Gertrudes levantara-se urgente, como se tivesse sido atingida por um raio. A palavra menino tocara o seu coração de uma forma inexplicável. 

— O que dissestes? Um menino ferido?

— Sim, e o patrão mandou chamá-la com urgência.

      Aquela senhora, apesar da aparência rígida, adorava crianças, e Deus, como Gertrudes amava crianças. Mas, nunca conseguiu engravidar. Foram mais de seis abortos espontâneos que aos poucos, fizeram-na perder as esperanças. Seu sonho de ser mãe parecia impossível. E já naquela idade, quase uma idosa, ficava cada vez mais difícil para Gertrudes ter filhos. Tudo piorou, quando o seu marido sofrera um aneurisma cerebral e viera a óbito. Gertrudes ficara, então, viúva e desemparada. 

      Solitária, desempregada e sem sonhos, parecia o fundo do poço para ela. Quando tudo parecia perdido, um barão caquético chamado Dario Von Harrington, oferecera à ela um trabalho como empregada, e aos poucos, ganhando a confiança do barão, acabara por tornar-se a governanta do casarão. Era muito respeitada, principalmente pelo filho do barão, e privilegiada naquele lugar, tratada por todos com muito respeito. Porém, trocaria tudo aquilo, para ter uma pequenina chance de se tornar mãe. 

       Suspirando profundamente, a governanta segue o jovem empregado.

       Assim que adentrou o quarto de hóspedes do casarão, a cena que Gertrudes contemplou, partiu profundamente o seu coração. Avistara um menino deitado na cama, que deveria ter idade para estar na escola, maltratado e muito magro, sujo, com um corte profundo no braço. Estava inerte e se não fosse pelo seu respirar, Gertrudes poderia concluir que o menino estava morto. Ao lado da cama, sentado em uma cadeira, estava Harrington que velava pelo garoto. Gertrudes andara até ao patrão, com a mão no peito, tentando fazer com que seu coração espremido, voltasse às batidas rítmicas não desenfreadas. A situação lamentável do garoto a entristecera.

— Senhor Harrington, quem é esse menino? — Perguntara em uma voz entrecortada, que parecera quase um choro involuntário. — Oh, céus, olhe o estado em que ele se encontra. Está coberto de machucados e seus cabelos estão repletos de piolhos.

— Ah, minha cara Gertrudes, é uma longa história. Somente posso dizer que este menino era um marginal de rua. — O Sr. Harrington explicara, não muito emotivo por sinal.

— Ele é... um ladrão, senhor?

— Não sei lhe dizer se ele ia roubar também, Gertrudes. Eu estava a caminhar pela porte, admirando a beleza da luz do luar, quando dois marginais mirins me abordaram, a fim de roubar-me. Poderia dar cabo nos dois em segundos, porém, este menino estava junto a eles, e foi corajoso o suficiente para voltar-se contra os comparsas. Acabara por quebrar o braço de um, e espantar o outro.

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