Capítulo 18

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      O filho pródigo voltara ao lar.

Lar. Que palavra difícil de ser digerida. Não havia um lar à espera de um nômade de passado perturbador. Nunca houve um lar para Vincent e jamais haveria.

Sua companheira de viagem era sua espada Arcanjo, cujo peso que fazia-se em seus lombos sequer comparava-se ao peso em seu coração.

Depois de dias vagando pelo porto de Livorno e dormindo em pocilgas e tendo como carona carroças repletas de pulgas, Vincent enfim, chegara em sua terra natal.

A lua havia se erguido soberana sobre a Praça da Catedral de Florença, tendo como companhia os submissos pontos brilhantes, que adiante foram cobertos por nuvens densas e enegrecidas. Em um passado longínquo, Vincent sentava-se nas escadarias da Igreja, mendigando para qualquer um que ali transitava. Recebia em troca apenas chutes e cuspidas.

Uma pontada de aborrecimento preenchia completamente seu peito. Seria impossível andar por aquelas vielas e tentar impedir as lembranças dolorosas de lhe inundarem. Impossível não lembrar das noites que dormira ao relento, ou quando comia restos do lixo ou das vezes em que apanhara dos guardas.

Parou um pouco de caminhar, encostando-se na parede de um casarão, respirando e aspirando profundamente. As lembranças eram tão amargas que o estraçalhavam por completo.

Apertou a alça do bisaco entrelaçado ao corpo, suspirando como se dependesse de cada suspiro para a sua sobrevivência.

Tinha todo um percurso gravado em sua mente.

Sentiria falta das canções dos piratas e do cheiro da maresia. Mas como Obawole lhe dissera, seria de bom grado se ele retornasse para sua terra natal.

— Vá pela sombra e guie-se na luz. — Foi isso que Obawole lhe dissera antes do último adeus. Sim, sentiria muita falta das prosas com aquele homem de caráter tão íntegro e ficara saudoso por todas as piadas infames que era obrigado à ouvir.

O rapaz encapuzado seguira, cabisbaixo, o seu ominoso rumo. E sozinho, continuaria a sua vida.

Não estava em condições para estabelecer-se em uma pousada. Estava com pouquíssimas moedas, e além disso, suas vestes rafadas por conta do sol e do sal do mar, davam a impressão de que era um mero pedinte.

Passou a mão no rosto contornado por pelos crespos que lhe deixavam com uma aparência mais velha.

Uma gota de chuva esparramou-se em seu capuz e ao dar-se conta, fora surpreendido por mais gotas.

Ótimo! Dormir na rua e debaixo de chuva. Não havia um lugar seguro o suficiente para o abrigar somente por uma noite?

O casarão do falecido mentor, claro.

Uma rajada de vento frio o fez tremer-se.

O caminho para aquela casa ainda era fácil de recordar-se. Apenas teria que calcorrear muito. Muito.

Encontrara o casarão de Harrington, e por pouco, quase não o reconhecera. Não por estar de noite e as luzes das lamparinas dos postes estarem por fio, mas sim, porque o casarão estava completamente arruinado.

Aquela casa já vivera seus dias de glória.

O jardim fora engolido pela erva daninha, os portões foram danificados pela ferrugem e as paredes externas do casarão, por Deus, a qualquer momento iriam ao chão. Vincent ficou imaginando se por dentro o casarão estava a mesma coisa e por quê daquele imóvel estar em ruínas. Se Harrington estivesse vivo, ficaria uma fera com os criados tão desleixados.

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