Capítulo 24

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Na primeira hora do dia, Vincent jazia acordado no fétido estábulo, sob um autêntico disfarce de atalaia. Acordara cedo, sendo instruído por outro sentinela do duque, durante a antemanhã, para tomar posse de sua função. Pouco ouviu, devido a fala rápida e fanha do sentinela, e somente atentara-se ao olhar de desdém que o subordinado lhe lançara. Permanecia a ouvir as histórias intrigantes de Dracone, sentado sobre o monte de feno, sufocado pelo calor do uniforme. Meteu dois dedos na gravata cândida em seu pescoço, a tentar desapertá-la. O casaco era de um tecido pesado, inapropriado para vestir-se no clima quente e agoniante de Florença.

— Pensei que a vida de um atalaia fosse mais agitada. Estou a morrer de tédio. — brincava com o graveto, escrevendo no chão de terra do estábulo.

— Estou feliz por ti. Trabalharás mais perto do duque Amadeo. — dissera Dracone enquanto escovava a crina do cavalo. A franja caindo sobre o olho de vidro. — Sinto tanta inveja de ti, Sr. Ryder. Estou aqui há tanto tempo e nunca tive reconhecimento.

Vincent resolvera não responder o esquisito rapaz de cabelos brancos e face suja, pois não tratava-se de uma conversa, e sim, um desesperado desabafo.

— Sabes, Sr. Ryder, achei que você reclamaria do cheiro do estábulo ou pelo fato dos cavalos fazerem tanto barulho. — o cavalariço emendou. — Pela tua aparência, se parece mais com um nobre do que um pária como eu.

— A vida já me ofereceu péssimas esmolas, acredite. — os olhos rubros examinavam Dracone. Triste cavalariço, pensou.

— Bom — tossiu, — ao que tudo indica, o príncipe romano chegará hoje e em breve se casará com a bela senhorita Tarsila. — continuou a escovar a crina do cavalo, com ares de apaixonado.

Tolo, Vincent tratou de julgar-lhe. A desejar uma mulher fora de seus padrões e longe de seu alcance.

Deu meia-volta, apanhou Arcanjo e dirigiu-se para os fundos do estábulo onde havia um barril cheio de água. Colocou a mão por dentro do uniforme, onde puxou o cordão que jazia o pingente de asa, fiel companheiro, e o apertou com certo pesar.

Eles merecem pagar! A mente conturbada tratou de rememorar seu infame plano. Era simples; infiltre-se, ganhe a confiança deles, e os mate de dentro para fora como um tumor.

Mergulhou as mãos na água em forma de concha, e lançou sobre o rosto, lavando-o do suor. Jogou água sobre a nuca abrasada. Afastou as mangas da camisa e fitou a arroxeada marca circular em sua pele. Seus dedos roçarem o baixo relevo formado por duas fileiras de dentes, que mais parecia uma arcada dentária infantil. Circulou o dedo indicador sobre a ferida. Aquela garota maluca tinha uma força monstruosa na mandíbula. Quase arrancara sua carne. Se fosse fraco, teria gritado quando ela lhe mordeu. E olhar dela em Vincent... parecia matá-lo em sua mente. O rapaz retorceu os lábios, deixando-os em uma linha desviada de rancor. Que ela ficasse fora de seu caminho, acaso não quisesse sentir o peso de sua ira.

— Esqueça a pequena tola — dissera baixinho. — Seu foco é outro.

Tratou de resguardar Arcanjo em seu flanco, pois colocá-la em seu dorso daria a impressão de que era um guerreiro andarilho.

Caminhou sobre o chão escorregadio coberto de feno, a fim de sair do estábulo, e notou Dracone a conversar e a rir com a flor selvagem que o mordera. Assim que Vincent aproximou-se dos dois, ambos cessaram o falar e Dracone retornou ao que antes fazia, escovar a crina dos cavalos.

Mileide pigarreou, desconfortável. As mãos unidas em frente ao avental do vestido de criada em verde-escuro, e o olhar baixo, fitando o chão do estábulo. Tinha certa relutância em erguer a cabeça e fitar os olhos de rubi daquele homem. Vincent não ousou perguntar nada para aquela garota. Pela sua expressão facial, estava claramente enraivecida.

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