Capítulo 39

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— Estou honrado por ver-te aqui, Vincent Ryder — Alesso recebeu-o com um forte aperto de mão.

— Digo o mesmo, Sr. Alesso.

Uma hospitaleira empregada aprontou-se em pendurar no cabideiro o cachecol e capa de Vincent. Insistiu para continuar trajando seu casaco, inventando uma desculpa qualquer. A real razão era porque no bolso interno de seu casaco havia um pequenino frasco com uma poção em cor violeta, trouxera consigo uma dose certeira e mortal de flor-da-noite. Não havia trago Arcanjo consigo, e dependia apenas de um punhal escondido na bota e daquela poção pífia. Caso falhasse naquela missão, deveria matar Alesso com as próprias mãos. O rapaz muito ocupou-se em observar a mansão de Alesso, enquanto Alesso explicava a enfadonha história de origem da enorme casa. Haviam muitas janelas. Muitas rotas de fuga, pensou.

— Papai, papai! — Zeno correu ao pai, com um cavalo de madeiras em mãos. — Veja. Quebrou! — dissera, triste.

— Oh, meu filho — Alesso bagunçara os cabelos de Zeno, acalentando-o. — Prometo lhe comprar outro cavalo de brinquedo. Mas agora estou deveras ocupado com nosso visitante.

Algo remexeu-se no peito de Vincent, ao contemplar a relação de Alesso e Zeno. Pai e filho tão unidos. Tentou resgatar alguma lembrança fragmentada em sua mente conturbada, a imagem de Dimitri, se além de Assassino exemplar, havia sido um bom pai. Mas logo o cenho fechou-se em desagrado.

Não, Dimitri Blackheart não havia sido um bom progenitor. Lhe entregara um passado misterioso, além de comprometê-lo com intrigas sangrentas. Deixara para ele, a maldita herança dos olhos vermelhos e a visão de símbolos estranhos, e um caderno com anotações perturbadoras. Sequer Dimitri lhe concedera o direito de ter um sobrenome. Por anos, Vincent pensou ser um mero bastardo a vagar pelas ruas. No fundo de seu coração, admitia, que uma mágoa por Dimitri enraizou-se em sua alma, odiando-o por tudo. A admiração pelo Assassino de olhos cor de sangue, aos poucos, apagava-se como a chama de uma vela.

Zeno levantou a cabeça, olhando com desconfiança para aquele jovem de olhos vermelhos.

— Eu lembro de ti — dissera o pequeno menino. — Onde está a moça bonita?

O pirralho chorão referia-se à Mileide.

— Em casa. — respondera Vincent, de forma sutil.

— Tenho medo dos seus olhos — Zeno falara, com toda inocência de criança.

Alesso, muito agilmente, pôs a mão sobre a boca do filho, para que não falasse mais desfeitas para o convidado.

— Filho, já conversamos sobre isso — Alesso repreendeu-o carinhosamente. — Não pode ir falando tudo o que pensa para as pessoas. É muito errado.

— Mas os olhos dele me dão muito medo — Zeno insistia.

Ouvir aquilo, sobre o quão aterradores eram seus olhos, transportava Vincent para uma época difícil, a época em que seu corpo contorcia-se em dor, por ser agredido constantemente pelos mercadores de Florença somente por pedir um pouco de comida para saciá-lo. Odiava lembrar disso, pois quando tais recordações vinham a mente, sentia-se um garotinho fraco outra vez.

— Quem está com fome? — Alesso contornou o último comentário do filho. — Estou com tanta fome que poderia comer minhas meias. Vamos para a sala de jantar, caro Ryder?

Vincent anuiu e seguiu o anfitrião.

O jantar prosseguiu um tanto artificial. A família de Alesso tinha movimentos mecânicos demais para pessoas humanas. Aparentava haver uma nuvem densa e enegrecida que pairava sobre a mesa. Vincent espetava o garfo na rúcula. A mão esquerda no bolso do casaco, apertando o vidro com a poção envenenada.

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