Na noite anterior, Mileide observou como as aias desfaziam a trança de Tarsila com fios prateados e penteava o longo cabelo negro, ao mesmo tempo que desfaziam os cadarços do espartilho para tirá-lo de seu corpo para fazê-la vestir uma camisola leve. Tarsila estava animada na noite anterior, enquanto sua imagem no espelho refletia uma jovem de beleza arrebatadora. Seus lábios mexiam-se demasiado rápido ao falar do noivo e as bochechas coravam ao citar cada parte dele que admirava.
— Ah, o príncipe é um homem tão romântico. O levei para o claustro da mansão, para ver as rosas, e ele apenas segurou minha mão, nem se atreveu a beijar-me — Tarsila mergulhou a pequenina toalha na bacia de porcelana com água e esfregou-a no rosto. — Disse-me no jantar que deseja casar na estação das flores.
Mileide apenas assentia naquele instante. Um aglomerado de sentimentos conflitantes fazia sentir-se feliz pela prima, porém simultaneamente estava triste, como se estivesse sendo sugada por um redemoinho de infortúnios.
— Formam um belo casal. — elogiou, cabisbaixa.
— Ah, obrigada, prima — Tarsila recebia com agrado o elogio. Era exatamente aquilo que gostaria de ouvir. — Nos acompanhará amanhã no desfile do príncipe por Florença, Mileide?
— Desfile? Amanhã?
— Ideia de papai. Meu noivo até relutou, mas ninguém consegue vencer a teimosia do duque de Florença.
— E-eu não sei, minha prima... — Mileide baixou a vista. — Devo ficar na mansão e cuidar de meus afazeres. — queria dizer o quanto almejava ficar longe da duquesa, mas preferiu não.
— Vives a trabalhar, Mileide. E és tão jovem. — Tarsila virou-se para a prima, segurando-se no encosto da cadeira. — Eu te imploro para que venhas conosco. Ponha aquele vestido que lhe dei, e arrume um tempo para ti. Estais necessitando de um descanso.
Apanhou as mãos de Mileide, colocando-as frente ao rosto.
— Quero que seja a minha dama de companhia.
Levou algum tempo para Mileide consentir com a ideia, mas no fim a empolgação de Tarsila venceu e ela concordou.
Lembrando daquilo que conversara com a prima enquanto descascava batatas no modo automático, Mileide sentia um bolo ácido preso na garganta. Tarsila não seria gentil quando descobrisse o que ela sentia em relação ao príncipe, ou sobre seu passado sujo. Tinha medo de perder aquela amizade. Perder Tarsila, a única pessoa que considerava como uma amiga. Uma irmã.
Uma empregada carrancuda e enrugada como uma ameixa seca invadiu a cozinha, com as aias agarrada em seus calcanhares, direcionando-se à Mileide.
— Menina, vá cuidar de tuas tarefas. — olhou-lhe atravessado. — A duquesa exiges que vá limpar o piso do salão de festas.
— Mas... fiz isso ontem.
— Pouco me importa!
Mileide parou de descascar as batatas, descansou a faca no banquinho, e passou pela empregada furiosa, rumo à porta dos fundos da cozinha. Por vezes uma raiva aguda a queimava de dentro para fora, exigindo que a sua voz saísse, a articular palavras grosseiras contra aquelas criadas de língua grande, cegas em obedecer sua senhora. Aquelas mulheres a desprezavam olhavam para seu cabelo curto e no fundo de seus olhos escuros e mesmo as palavras não saindo de seus lábios, Mileide sabia que aquelas mulheres teriam ódio eterno dela. Um ódio artificial criado quando a duquesa iniciou os boatos sobre a conduta de Mileide. Por mais magoada e enraivecida que estivesse, a garota nunca replicava, por sentir medo. E de cabeça baixa, obedeceu o que lhe fora posto.
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BRAVURA
Historical Fiction"- Quero que seja um Assassino. O coração do pequeno menino parecia não caber no peito mediante a tamanha aflição, diante do questionamento do misterioso senhor. - Como disse, senhor? O garoto escutara perfeitamente o que o vecchio dissera...