No céu azul e límpido, uma águia planava.
Vincent Blackheart olhava para a tal ave que exibia-se nos céus.
Um voo rasante e poderoso. Um sorriso condescendente surgira em seu rosto contornado pela barba por fazer. Pôs a mão direita sobre o braço esquerdo coberto pela capa. Andou por chão feito de ladrilhos pertinentes e adentrou a edificação de janelas acinzentadas. Orfanato Santa Marcelina. Suspirou, o coração martelando frenético quase a sacar do peito. Uma freira o recepcionara, muito simpática de feições gentis, conduzindo-o para o escritório.
Os pensamentos de Vincent jaziam longe. Na fortaleza ainda restavam os sinais de desavença. O cheiro da morte e da violência aos poucos dissipavam-se dos corredores, passadiços e calabouços. Os Assassinos, aos poucos, restauravam sua dignidade. Sua honra.
— Ainda não é o fim — Jervaise dissera. — Sob a cinza da destruição, há sempre a esperança do renascer. Perdi um olho, meu lar, meu amigo... mas tenho fé de que coisas boas virão.
Saíra de seus pensamentos distantes, contemplando a mulher de face enrugada à sua frente.
— Chamo-me Irmã Beatrice — dissera a freira.
— Vincent Blackheart — Apresentou-se também, muito educado, sob o aceno de cabeça da Irmã.
— Sente-se, por favor — indicara com a mão. — És muito jovem para adotar uma criança, não?!
— Ah, não estou aqui para adotar criança, Irmã Beatrice — dissera, gentilmente.
— Então, em que posso ajudá-lo?
— Vim a pedido de um amigo — sentou-se. — A filha dele chama-se Lívia. Gostaria de saber se a menina ainda se encontra no orfanato ou se fora adotada.
— Oh, falas da pequena Lívia — o sorriso da Irmã Beatrice desapareceu. — É uma garotinha especial, mas muito rancorosa. Os próprios avós resolveram deixá-la aqui, depois que a mãe de Lívia faleceu. Disseram que era uma bastarda, cujo pai era um bandido perigoso.
— Isso é mentira! — Vincent levantara a voz, logo recompondo-se. — Conheci o pai da garota. Era um homem exemplar.
— Tens notícias dele?
— Ícaro Rutilo faleceu.
— Quando ocorreu isto?
— Há alguns meses — explicou-se, tristemente.
— Oh, que infortúnio — Irmã Beatrice olhou para a janela. — Lívia será adotada amanhã. Há tempos, existe um casal com a intenção de adotá-la.
— Gostaria de vê-la. Eu posso?
— Pretende adotá-la, senhor?
— Apenas cumprir a promessa do meu amigo.
Irmã Beatrice levou-o para os fundos do orfanato, onde jaziam algumas crianças brincando sobre o gramado, correndo alegremente. Ali também havia um grande carvalho e nele um balanço. No balanço, havia uma menina de cabelos pretos amarrados em duas trancinhas e de vestido verde, com avental e laço vermelho no pescoço, o uniforme do orfanato.
— Oh, ali está ela — Irmã Beatrice apontou para o velho carvalho. — Ali, naquele balanço, encontra-se a menina Lívia.
— Posso falar com ela?
— Sim, pode falar com a menina — a Irmã lhe sorriu.
Vincent andou cauteloso até a menina. Lívia erguera a cabeça, deparando-se com os olhos rubros do rapaz. Vincent ofegou um pouco. Ela tinha os mesmos olhos de safira de Ícaro.
VOCÊ ESTÁ LENDO
BRAVURA
Historical Fiction"- Quero que seja um Assassino. O coração do pequeno menino parecia não caber no peito mediante a tamanha aflição, diante do questionamento do misterioso senhor. - Como disse, senhor? O garoto escutara perfeitamente o que o vecchio dissera...