— Está tudo bem — Mileide continuava a correr de mãos dadas à Naomi. — Não deixarei que a machuquem.
Os gritos de batalha dos Assassinos contra os Illuminatos aos poucos cessavam, envolvendo todo o ambiente em um silêncio cruento e desestabilizador. Decerto os servos da luz recuaram perante o poder e destemor dos adversários.
Um som sufocado escapou da garganta de Mileide quando sentiu uma grossa mão agarrar-lhe o pescoço, apertando com uma força descomunal. Levou as unhas afiadas para o rosto disforme do homem, arranhando-o, indômita, tentando salvar-se daquele aperto infernal.
Os olhos semicerrados fitavam a garota silenciosa que contorcia-se na outra mão do gigante de aparência disforme. Mileide observou com grandessíssimo espanto quando uma lâmina prateada embebeu-se do sangue do titânico transpassando-o desde o dorso até aparecer em seu tórax. Gemeu, agonizado. Foi morto pela espada do Assassino loiro. Soltou as garotas, que caíram das mãos do gigante a fitá-lo derrubado.
De repente, Naomi correra para os braços do Assassino, apegando-se à ele. Jervaise abraçava Naomi, agarrando-se à ela como se fosse sua ponte de salvação.
— Noemi? — indagou, repousando a mão no rosto delicado da garota.
Negou.
— Naomi...
Assentiu com os olhos marejados.
Jervaise apertou-a, outra vez, contra o peito. Era bom sentir o calor dela outra vez. Os dedos da garota de túnica tatearam a faixa que cobria o olho do Assassino. Arqueou a sobrancelha, muito confusa.
— É uma longa história — explicara o loiro.
Jervaise dirigiu sua atenção à Mileide.
— Ei, garota, como te chamas?
— Mileide — respondeu, ofegante a massagear o pescoço. — Da casa dos Amadeo.
Reparou nas vestimentas daquela pobre criatura e muito apiedou-se. Trajava um espartilho e uma saia longa em farrapos. Mas o olhar daquela menina muito lhe chamou a atenção. Era sisuda como se dentro dela, dentro da casca de garota frágil, houvesse uma lutadora.
— Sabes lutar, Mileide?
Mileide assentiu muito seriamente.
— Pegue isto — retirou do Illuminato morto sua aljava e arco. — Vais precisar! — jogou para ela.
Mileide tinha a intenção de avisá-lo que pouco ou nada sabia sobre arco e flecha. Mas Jervaise estava longe, de mãos dadas, à garota silenciosa.
Determinada, Mileide passou a aljava ao redor do magérrimo corpo. Agarrou a saia longa, de tecido gasto e sujo e rasgou a barra, encurtando-a assim facilitando quando fosse correr. Aventurou-se pelos corredores com paredes de pedra escura e úmida da fortaleza e em seu pensamento concretizava-se uma pequena flama de esperança de que talvez Vincent Blackheart estivesse vivo.
— Aprenderei a ser forte — sussurrara, subindo as estafantes escadarias de pedra. — E agora por ti, serei valente.
✦
O olhar cruel do seu algoz o fitava, como se adentrasse a mais profunda masmorra de sua alma. Vincent levantou-se devagar. Não dar-se-ia por vencido. Analisou a face de feições delicadas do rapaz vestido de Grande Mestre à sua frente. Os olhos castanhos, da cor da terra molhada, a boca desenhada em uma curva de deboche mostrando seus dentes brancos e perfeitos, os cabelos lisos em tom da neve que caíam sobre os ombros... Seria tudo uma ilusão por conta do ópio nas veias de Vincent? Ou seria tudo aquilo real?
VOCÊ ESTÁ LENDO
BRAVURA
Historical Fiction"- Quero que seja um Assassino. O coração do pequeno menino parecia não caber no peito mediante a tamanha aflição, diante do questionamento do misterioso senhor. - Como disse, senhor? O garoto escutara perfeitamente o que o vecchio dissera...