Aos poucos, Vincent sentia que conseguia decifrar a mente de Dimitri. A cada virada de página, descobria um fragmento do passado daquele que tinha por pai.
"A vida é vazia. Quando tiramos uma vida, perdermos um pedaço de nossa alma, mas logo lembro-me que Assassinos não tem alma. Matamos para proteger aqueles que mais amamos. Não há poesia ou glórias na arte de matar."
— Por que estou vivo, pai? — Vincent esfregou a mão no rosto. — Deverias saber que um Assassino está designado à solidão.
O jovem fadado encontrava-se, outra vez, na taberna de madame Frieda. O local era barulhento e o odor de vinho, quase insuportável. Porém se ficasse mais um minuto no casarão abandonado de Harrington, temia ensandecer com as vozes e as visões de símbolos estranhos que não o deixavam em paz.
Continuou a ler o documento de anos atrás.
"Estou a treinar um garoto que perdeu seus entes queridos, no incêndio que ocorreu em sua casa. O fogo matou seus pais. O fogo foi causado por mim. Os pais do garotinho eram membros dos Illuminatos. Não relés membros. Pertencem à uma das famílias principais, tal como pertencem os Quatro Cavaleiros. Eles são..."
Havia uma mancha preta de tinta, cobrindo o nome do que deveria ser a família. Vincent praguejou por tal sobrenome relevante, agora encontrar-se perdido.
Virou a página. Era perda de tempo tentar desvendar o que ali havia.
"Treino este garotinho, com a esperança de que ele conheça-nos melhor. Seu semblante é sempre triste, o que faz lembrar-me de mim quando era criança e fugir da guerra, da minha terra natal, com a minha mãe. Há raiva e rancor nos olhos dele. Espero que isso um dia mude. Eu odeio o que fiz isso! Matei as únicas pessoas que ele amava, e escondo isso dele! Para este garotinho, sou o seu herói. Rezo para que a verdade jamais ressurja. Penso na minha família todos os dias. Será se terei paz? Será se esta teia de mentiras, que criei, vai se romper?"
Sua vida sempre fora uma teia de segredos e mentiras.
De fato, Vincent nunca conhecera o pai, mas ao ler o diário de Dimitri, desvendava cada linha de sua aflição. Ser um Assassino o enlouquecia, o matava lentamente por dentro. Era um fardo extremamente pesado, que o enterraria de vez.
E tal fardo agora pertencia à Vincent.
— Voltastes à taberna — a voz mansa chegou ao coração de Vincent. — Fico contente.
Era a copeira de cabelos curtos e negros a falar consigo. Deus, nunca perguntara o nome daquela moça! Tomaria aquela moça por simpática, para não haver o embaraço de lhe perguntar o nome. Ao visto, a mocinha reconhecera-o somente pelo manto preto e por portar o caderno. Percebeu que os lábios da copeira tremularam, ao notar a espada em seu dorso.
— Não te preocupes. Ela não morde. — referiu-se à espada.
Vincent puxou um pouco o capuz, sombreando a face.
— Então, irás querer alguma coisa? — uniu as mãos frente à saia do vestido. — Prometo não ser insistente!
Vincent elevou um dos cantos de seus lábios, admirado com a graciosidade daquela moça a sua frente. A valer, a copeira de semblante gentil e tez pálida era deveras educada e dócil para ter nascido ou se criado pelas vielas sujas de Florença.
— Por enquanto, hei de querer apenas água. — Vincent replicou.
A copeira distribuiu mais um sorriso doce e acolhedor. Como era graciosa, o rapaz tratou logo de pensar.
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BRAVURA
Historical Fiction"- Quero que seja um Assassino. O coração do pequeno menino parecia não caber no peito mediante a tamanha aflição, diante do questionamento do misterioso senhor. - Como disse, senhor? O garoto escutara perfeitamente o que o vecchio dissera...