Como borboletas presas em potes de vidros a colecionar dores e desamores, assim sentiu-se Lorenzo quando vislumbrou o cadáver de sua jovem noiva acomodada dentro de um caixão sendo encaminhado para sete palmos abaixo do chão. O frágil mundo de cristal do príncipe se estilhaçara.
Lembrava-se com pesar do velório daquela que seria a sua rainha. Recordava dos olhares desconhecidos e intrigantes o fitavam. Podia ouvir os sussurros daquelas pessoas vestidas de preto. Não conseguia ouvi-los e nem vê-los. Eram como estátuas sem rosto. Estava preso em uma soturnidade profunda que o sugava para um buraco escuro e claustrofóbico.
— Sentimos muito pela perda de sua noiva tão jovem, meu príncipe — uma mulher de grande chapéu preto com renda o reverenciou. Os olhos eram dois pontos pretos no rosto em formato de prato.
Lorenzo nada dissera, apenas anuíra para a estranha mulher.
Horas antes, localizado no meio do salão — que deveria ser propício a festas —, um caixão pendentes por suportes de ferro, comportava uma jovem. Na cabeceira do caixão, uma enorme coroa de flores formada por lírios. Haviam velas por todas as partes, deixando o clima ainda mais fúnebre e difícil de suportar. No caixão jazia Tarsila Amadeo, as pálpebras violáceas fechadas cerrando para sempre seus olhos azuis como o oceano. As mãos posicionadas obedientes sobre o peito, os cachos negros a rodear a face pálida. Trajava vestes branca de defunta.
Ela tirou a própria vida. Lorenzo não podia sentir-se mais infeliz quando escutava tais comentários.
O príncipe sentiu-se mergulhando em recordações passadas que eram conhecidas por ele. Regredira à infância. Quando soubera da notícia que o rei Olavo e a rainha Eleanor — vossos pais — haviam morrido, por um ano inteiro, o rapaz chorou.
Abriu mão da própria vida para não casar-se. Uma lacuna surgia em seu coração. No velório de Tarsila apenas uma pessoa resolvera trazer à tona a sua loucura escondida. A duquesa Amadeo escandalizava-se. Puxava os cabelos e estava por pouco a rasgar o vestido preto que usava.
— Minha filha não está morta! — Brígida chorava com desespero perante os convidados do velório. — Minha filha não está morta! Ela só estar a dormir! Não vês?
Apoiava-se sobre o caixão a agarrar o rosto gélido e inerte de Tarsila.
— Sois cegos? — Brígida arregalava os olhos com a esclerótica vermelha formada por pequeninas veias. — Tarsila só estar a dormir! Acorde, minha filha! Hoje é o dia do teu casório.
A negação pela perda de sua preciosa herdeira, acabara por enlouquecer Brígida. Precisou ser contida por seus amigos da nobreza, ou a duquesa acabaria por derrubar o caixão da filha.
— Acalme-se, duquesa — dissera um dos ali presentes. — Não se flagele ainda mais. Apenas aceite que a Srta. Tarsila se foi.
— Minha filha não está morta!
Lorenzo afastou-se, desconfortável, do tumulto. Brígida estava transformando um momento delicado de perda em um ridículo espetáculo cuja atenção era dada somente para ela. No meio de marionetes sem rosto que participavam do funeral da filha do duque, entre sussurros lúgubres e falsos pêsames e choros, Lorenzo não conseguiu identificar um pranto que fosse verdadeiro.
Ao retornar para a mansão do duque, isolou-se de todos. Que a solidão o abraçasse. Sentado na beira da cama, fitava a aliança graciosa banhada em ouro branco, com uma fileira de safiras cravadas no mesmo. Aquele anel fora feito especialmente para o dedo de Tarsila. Quantas vezes imaginara recebendo-a no altar, o rosto coberto pelo véu, enquanto as mãos seguravam o buquê, marchando até ele. A receberia, faria seus votos e a beijaria com amor.
VOCÊ ESTÁ LENDO
BRAVURA
Historical Fiction"- Quero que seja um Assassino. O coração do pequeno menino parecia não caber no peito mediante a tamanha aflição, diante do questionamento do misterioso senhor. - Como disse, senhor? O garoto escutara perfeitamente o que o vecchio dissera...