Capítulo 17

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       As pálpebras do Assassino eram pesadas, fatigadas, relutando para serem abertas, por vez revelando os orbes vermelhos e escondendo-os, em piscadas lentas.

Tivera um sonho tenebroso. Viu muralhas em chamas, cadáveres sem rostos e uma garota morta.

Estava adormecido em uma cadeira. E estava com torcicolo por ter dormido em um lugar tão atípico. 

Olhou para a palma de ambas as mãos. Estavam calejadas por tanto puxar a adriça. Rodeou a língua no lábio inferior e sentiu o gosto de sal do mar e de sangue. Estranha mistura.

Inclinou o corpo para a frente e as costas arquejaram em um estalo. O semblante de Vincent apático e impassível, tal como a feição de um velho homem que vivera uma vida de fardos e misérias. Contudo, Vincent tinha apenas dezoito anos.

A mão direcionou-se devagar para o peito, em direção ao precioso pingente. Somente ao tocar o utensílio em formato de asa, cujo metal gelou a ponta dos dedos, Vincent sentiu a realidade recair como uma pedra sobre a sua cabeça.

Passou os olhos pelo incomum lugar que se encontrava. O quarto era pequeno, e o cheiro do bendito vinho inebriava suas narinas. Não que ele houvesse bebido, pois detestava beber bebidas fortes.

Haviam vários vasos de plantas nos cantos do quarto, um imenso tapete de pele tigre esticado por todo o chão, e por mais estranho que parecesse, uma hiena dormia sobre esse mesmo tapete.

Após alguns minutos, despertando de seu estado de sonolência, notou a meretriz esparramada na cama, com os cabelos sobre o rosto e o vestido vermelho que lhe cobria o corpo.

E, então, lembrou-se da noite anterior. Os homens do navio o incentivaram a deitar-se com alguém. Era uma bela tentação.

Sou o que tu quiseres esta noite, dissera a prostituta para ele. 

Mas nada acontecera entre eles. A meretriz apenas passou metade da noite a queixar-se dos problemas de sua vida, e mergulhara em um mar de embriaguez com o vinho forte, acabando por adormecer, e quanto a Vincent, dormira na cadeira.

Vincent apertou o pingente prateado de asa em sua mão, e o posicionou a mão fechada sobre o peito. Respirava dificultosamente e logo após acalmou-se, inspirando e expirando o mais devagar possível.

Era um truque que sempre usava, quando pensava sobre o trágico passado.

Espiou os raios de sol escapando pelas persianas semiabertas da janela, e incomodou-se quando a hiena soltou um chiado histérico.

Vincent abandonara Jerusalém. Um ano antes, a guilda tornou-se ruínas, sua dignidade fora levada pelos Illuminatos e Esmeralda, a doce e serena Esmeralda, morrera de forma trágica.

Naquela noite em que ficou como vigilante das muralhas, toda a vida de Vincent mudou. E lembrar-se dos acontecimentos que sucederam após a queda da guilda lhe traziam dor.

Tanta dor.

A dor era real, como calor cruciante do deserto.

Lembrou o quão difícil foi, andar para longe de todo aquele inferno. Seus membros doíam, como se tivessem sido arrancados e recolocados de forma errada.

Sua pele queimava debaixo daquele sol, e sentia que derretia até mesmo os ossos.

Andava como um morto-vivo sobre as dunas de areia.

A guilda dos Assassinos era ruínas e cinzas. Sua mente atordoada, girava. Assim que a mente clareou completamente, Vincent vislumbrou as ruínas que tornou-se a guilda, lembrou-se da tragédia anterior.

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