Cada passo dado, pelo pequeno menino, parecia um passo ao inferno. Vincent corria entre arfadas, fugindo da casa em chamas, obedecendo a última ordem da mãe quando lhe dissera para fugir, com lágrimas nos olhos. Fugia da lembrança cruel ao ver a avó e a mãe mortas. Corria como um louco bosque adentro, ferindo as solas dos pés, afastando-se o máximo que podia dos capangas que por alguma razão, queriam matar à ele e a sua irmã. Seu peito doía. Fora atingido por um projétil, que embebia sua camisa tingindo-a de vermelho.
Não queria morrer. Não iria morrer.
Ajeitou o peso da irmã, de chambre ensanguentado, que levava em suas costas como uma carga.
— Natasha, vamos para a cidade — Vincent pulava sobre as pedras de um córrego. — Chegando lá, procuraremos por ajuda.
— Vince... — Natasha sussurrava, — estou com tanto sono...
— Não durma, está bem? Tenta ficar acordada. — o fôlego lhe faltava. — Prometo que vai dar tudo certo.
— A vovó e a mamãe morreram... — Natasha fungava, os braços amolecendo ao redor do pescoço do irmão.
As lágrimas que escapavam dos olhos de Vincent, rasgavam o lugar mais profundo de seu coração. Não haveria funeral para Enna e Nina. A beleza de sua mãe, mulher amável e respeitável, e a sabedoria de sua avó foram consumidas pelo incêndio. Não existiriam mais beijos de "boa noite" ou carinhos. Nada! Somente dor e cinzas.
Tropeçou e caiu em cheio sobre a relva, derrubando a irmã. Arranhou as palmas das mãos e feriu os joelhos, que imediatamente sangraram. Rastejou-se para o lado de Natasha, que lutava para respirar. A situação da menina era grave. Haviam inúmeros buracos com sangramento saindo de seu dorso. Não podia tocá-los, e Vincent não sabia como tratá-los. Os projéteis dos mosquetes a atingiram no momento em que Vincent iniciara a fuga.
— Estou com medo... — apertou a mão de Vincent. A força já não existia. — Eu não quero morrer...
— Não vai morrer. Vai ficar tudo bem — a voz tornou-se embargada e as lágrimas pingavam na relva. — Eu te prometo.
Os olhos aos poucos paravam de piscar, e as íris de sangue perdiam o brilho. Vincent debruçou-se sobre o corpo da gêmea, perguntando-se por que a Morte foi impiedosa consigo e o deixou viver apenas para vislumbrar as pessoas que amava, padecerem de forma terrível. Não era justo! Apenas continuava vivo, porque seu coração estava do lado errado no peito.
O cadáver de Natasha transformou-se em pó e escorria pelos dedos finos de Vincent. O bosque foi varrido e tornou-se uma infinita névoa.
Despertou.
Era somente a sombra de uma lembrança que o perseguiria para sempre. A cicatriz em seu peito desconfortavelmente iniciou uma pontada de dor.
— Natasha... — Vincent abriu os olhos lentamente, sentindo uma dormência nos braços.
Passou os olhos pelo lugar que encontravam-se. Os muros eram de pedras nuas e suadas repletas de limo. Uma réstia de luz fúnebre banhava-o, vindo do basculante cerrado por grades. Tudo que conseguia pensar era que o tal lugar era uma prisão. E no quão repugnante era o fedor de urina que havia naquele lugar.
Mesmo sem olhar para baixo, Vincent sentia a ausência de seu colete, casaco, capa e botas. Mas principalmente, sentiu falta de Arcanjo. Pelo menos, tiveram um pouco de bondade em deixá-lo de calça e camisa e não lhe arrancaram seu estimado colar.
Diabos! Como seus braços estavam dormentes... E não era por menos! Estava acorrentado com os braços para cima, como um porco abatido exposto no açougue.
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BRAVURA
Historical Fiction"- Quero que seja um Assassino. O coração do pequeno menino parecia não caber no peito mediante a tamanha aflição, diante do questionamento do misterioso senhor. - Como disse, senhor? O garoto escutara perfeitamente o que o vecchio dissera...