RENASCENÇA ITALIANA.
O olhar repleto de inocência do pequeno menino seguia o voo da águia, sob as nuvens plúmbeas e densas que cobriam a cidade. A ave era livre. Seu voo rasante era belo. Admirável. O menino prosseguiu seus vagarosos passos. Sentou-se no chão de granito, não aguentando mais em continuar com tal caminhada. Seus pés descalços doíam, e muitas vezes o solado chegava até mesmo a sangrar. Além do mais, era difícil de andar quando sua barriga insistia em fazer barulhos desagradáveis. Abriu o saco de estopa esfarrapado que levava consigo, e logo concluiu que estava tão vazio quanto o seu estômago. Comera todos os biscoitos que a bondosa senhora lhe entregou. Respirou profundamente, entristecido. Passaria fome outra vez.
A tarde encontrava-se cinzenta e fria. Logo, a chuva desabara, a fazer damas correrem exasperadas pelas ruas a fim de esconder-se da chuva, para que a água não desfizesse seus penteados ou estragasse seus sapatos de saltos. Os cavalheiros com suas imensas capas, se dirigiram à suas carruagens, apressados em seus compromissos pessoais.
Ninguém reparava no menino sujo e maltrapilho sentado no chão. O estômago do pequenino roncou alto, chegando a queimá-lo por dentro. Tão faminto... O menino estendia a mão pequenina, a cada adulto ingrato que passava, e o que recebia em troca, eram olhares de desprezo, susto, nojo. Algumas pessoas sentiam medo dos olhos do garotinho e em resposta reviravam o rosto, a fingir que não havia garoto algum sentado no chão a pedir esmola.
Seria impossível não notá-lo e não impressionar-se com seus olhos. Sua íris era avermelhada, como o sangue. Uma cor um tanto fabulosa e temível. Nem ele mesmo entendia por que fora "amaldiçoado" a carregar aquela cor assustadora em seu olhar.
O menino era solitário, como a águia que avistara no céu pardacento. Não queria morar nas ruas para sempre. Era uma penitência difícil de suportar. Um destino demasiado pesado para ele.
Queria estar morto. Como a sua família.
Morrer jovem parecia tão tentador para ele. Bastava arrumar uma briga com outros garotos de rua e ter sua vida ceifada. Ninguém sentiria falta de um menino de rua. Apartou os pensamentos fúnebres de sua juvenil mente. Levantou-se devagarinho do chão, sem pressa alguma.
Precisava ir atrás de comida. Revirar o lixo de alguma casa. Geralmente dava sorte quando revistava os fundos de uma taverna. Os melhores dias eram as quintas-feiras, pois era nesses dias que a taverna servia bife e sempre que sobrava dos pratos dos fregueses, jogavam fora, aos fundos da taverna, junto a um monte de tralha. Não tinham cuidado algum. Descartavam frutas podres com comida ainda boa para comer. A rua da taverna era longe. Necessitava de forças para chegar até lá.
Cada passo era um tormento. Tinha que aguentar a chuva e os olhares de julgamento das pessoas que passavam por ele. O menino perdera a noção de quanto tempo estava nas ruas, naquela vida de mendigo. Apenas sabia sua idade. Tinha nove anos. Ele também tinha nome. Diabos! Ainda era um ser humano! Mas seu verdadeiro nome fora substituído por "imundo", "sujo", "nojento", "mendigo", no entanto, ele ainda tinha um nome.
Em sua mente conturbada rolavam a todo instante fragmentos de lembranças de sua infância. Contudo, existia um dia em que lembrava-se com perfeição. Bastava passar a mão na cicatriz em seu lado esquerdo do peito. Ali deveria estar o seu coração. Porém devido a um infame erro da natureza, seu coração batia do lado direito. Graças a isso, ele permanecia com vida, condenando a esse destino. A vida não lhe poupara ao lhe lançar tantas desgraças sobre seus ombros.
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BRAVURA
Historical Fiction"- Quero que seja um Assassino. O coração do pequeno menino parecia não caber no peito mediante a tamanha aflição, diante do questionamento do misterioso senhor. - Como disse, senhor? O garoto escutara perfeitamente o que o vecchio dissera...