Sufocada. Atordoada, quase beirando a loucura. O olhar dela era como de um predadora sedenta para enterrar as garras e rasgar a carne de sua indefesa presa. Cada gesto da duquesa era executado com malícia. O jeito como rodeava a borda da xícara de porcelana sem tirar os olhos da sobrinha do marido, a língua saboreando o lábio inferior úmido de café, cada movimento seu era uma mímica sádica e lasciva entendida apenas por aquela que um dia conheceu seu verdadeiro lado.
A vontade em gritar doía em seu peito. Contar a verdade para o tio sobre todo o mal que Brígida lhe causou. Todavia, era incapaz de o fazer. Sentia medo.
Apressou os passos, andando até o claustro da mansão. Era um espaço enorme e arqueado, localizado no meio da mansão, com direito a céu aberto. Mileide amava ficar naquele lugar com o pai quando era criança. A grama era deveras verde e haviam bancos de concretos fora as várias roseiras deixando o lugar mais agradável de ver-se. Porém não tinha tempo para respirar e admirar o lugar. Estava sempre a correr e ser jogada de uma função a outra. Em um dos bancos, estava sentada a major. Seu semblante era de puro transtorno, fitando a flecha em suas mãos.
— Bom dia, major — a reverenciou.
— Mileide, já lhe disse que não precisas tratar-me com tanta cordialidade — Isidora levantou-se do banco, apanhando a túnica azul que estava jogada sobre o encosto de concreto.
Mileide analisava minuciosamente a haste da flecha na mãos da major. Estava com sangue seco, o sangue de Lorenzo. Permanecera silenciosa, com os olhos fixos na flecha.
— Foi isso que machucou o príncipe? — Mileide apontou para a flecha na mão de Isidora.
— Sim — Isidora solevou a flecha, fitando-a como se houvesse uma víbora entre seus dedos.
Ao ter posse daquilo em mãos, a major somente conseguia pensar na morte de seu pai adotivo. Seu pai morrera com uma flecha envenenada cravada no peito. Gerânio morrera defendendo a realeza, e agora seria a vez de Isidora. Alguém desejava ver o príncipe morto.
— No que está pensando, Isidora?
— Em caçar esse desgraçado que fez isto ao príncipe, e trancafiá-lo em uma masmorra.
Suas entranhas queimavam de ódio somente por imaginar o príncipe ferido gravemente a gritar de dor, com a perna ensanguentada. Fora um erro seu. Ficara confiante demais com o clima pacífico da cidade. Ah, se tal flecha atravessasse o coração do herdeiro do trono, Isidora não sabia o que faria.
— O príncipe é o meu melhor amigo — Isidora completou docemente. — Mantê-lo seguro é a minha responsabilidade. Afinal sou a major DiFerrazo, a única mulher a comandar uma tropa de homens. Minha missão é protegê-lo, mesmo que custe a minha vida.
De repente, o orgulho retornou e Mileide a olhava com um grande deslumbramento. Era forte, corajosa, sem contar que era extremamente bonita. Queria ser como ela, andar de cabeça erguida e impor respeito. Desejar saber manejar uma espada e lutar contra seus pesadelos.
— Preciso sair, Mileide — Isidora pôs a túnica com o símbolo do Pégaso sobre os ombros. — Vou reunir meus homens para fazerem uma patrulha pela cidade.
— Vais para onde? — Mileide juntou as mãos frente ao tórax.
— Irei investigar e caçar o verme que feriu o príncipe, nem que para isso, eu atravesse os nove círculos do inferno.
— És tão corajosa... — Mileide sussurrou não mais contendo sua admiração. — Queria ter esta coragem. Mas tudo que sei fazer é sentir medo.
Isidora sorriu e apanhou uma rosa vermelha.
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BRAVURA
Historical Fiction"- Quero que seja um Assassino. O coração do pequeno menino parecia não caber no peito mediante a tamanha aflição, diante do questionamento do misterioso senhor. - Como disse, senhor? O garoto escutara perfeitamente o que o vecchio dissera...