Era uma noite de tempestade, quando a marquesa sentira suas primeiras dores de parto. Os raios caíam rasgando os céus, e os trovões ressoavam, poderosos. A marquesa Mariella fazia força, empurrando o bebê para que viesse à luz. As costelas pareciam quebrar como vidro, dentro do corpo torturado pela dor em demasia, e o sangue empapava todo o tecido de seda do leito. Seus gritos eram insuportáveis de escutar-se, afligindo até a mais calma das almas.
Os cabelos cacheados colavam no rosto suado, e a pele morena, quase vermelha, por fazer extrema força para empurrar o bebê.
— Força, marquesa Mariella! — pedia a parteira. — Força! O bebê está quase saindo!
A marquesa apenas gritava, apertava os olhos deixando as pálpebras pregueadas, e as lágrimas quentes de seu desespero, desciam pela lateral do rosto. Agarrava os dedos com firmeza nos lençóis de algodão, inclinando a cabeça para trás, implorando para que Deus tivesse piedade por ela e de sua criança, que estava a nascer antes do tempo.
Uma das criadas, observando o sofrimento de sua senhora, correu até o marquês Amadeo, apressada, quase perdendo as sapatilhas pelo caminho. Correra pelas alas da mansão, sendo surpreendida pelos relâmpagos.
Nero Amadeo jazia a conversar com os subordinados e regentes quando olhou para a garota de pele clara e olhos cor de mel, muito assustada e ofegante. Seu rebento estava para chegar ao mundo.
— Marquês Amadeo! A marquesa está sentindo muita dor! — A criada esboçara tensa.
— Estou indo até ela! — O marquês deixou os subordinados e regentes, para auxiliar a esposa.
Nero Amadeo seguiu a criada, arrastando as pernas, muito bambas por conta da novidade. Sua esposa estava em trabalho de parto. Acontecera cedo demais. Estava somente com sete meses de gestação, e o bebê resolvera chegar antecipado. Logo seriam uma família completa. Estaria para sempre ao lado da esposa que tanto amava, e o bebê que sempre quis.
E, eis, que ao chegar nos aposentos do casal, Mariella estava de olhos fechados, e os cabelos ao redor de sua cabeça, pareciam flores negras a adorná-la. A parteira ninava o bebê envolto de um pano cor creme com gotas de sangue.
— És uma bambina, marquês Amadeo! — a parteira anunciou, alegremente. — Uma menina.
O marquês dava passadas lentas até Mariella, que ainda dormia. Ela deveria acordar, para alimentar a bebê com seu leite. Porém, parecia tão sossegada a descansar. Deslizou os dedos sobre a pele morena da esposa. Estava demasiado fria.
— E a minha esposa? Por que ela não acorda? — Nero segurava na mão gelada da esposa.
A parteira meneou a cabeça, tristemente. A marquesa não acordaria nunca mais.
Gentilmente, a parteira entregou a criança ao pai, e Nero pegou a filha nos braços a chorar copiosamente. Não estava tudo acabado. Sua esposa se fora para sempre, mas a sua filha nascera com vida. Prematura, porém saudável. Ali, em seus braços, estava a última lembrança de sua esposa.
Contemplou a criatura mais angelical que jamais vira. Dormia serenamente, respirando com tranquilidade. Algumas mechas negras acabavam por cobrir a cabeça da bebê dando-lhe uma aparência de boneca. Tinha a pele clara como a sua, e as maçãs do rostinho pequeno e redondo eram róseas. A bebê abriu os olhos revelando uma cor escura e profunda, como uma noite sem estrelas. Não herdara os olhos azuis do pai, uma herança da linhagem Amadeo. Puxara os olhos da mãe. Nero sorriu para a neném em seus braços. Havia uma parte de Mariella, vivendo nela.
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BRAVURA
Historical Fiction"- Quero que seja um Assassino. O coração do pequeno menino parecia não caber no peito mediante a tamanha aflição, diante do questionamento do misterioso senhor. - Como disse, senhor? O garoto escutara perfeitamente o que o vecchio dissera...