Capítulo 15

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— Bom dia! — Sophia estava á mesa do café comendo com vontade quando o irmão apareceu com a cara amarrotada. — Sábado, maninho, não tem porque estar com essa cara. 

— Não entendo porque está animada as nove da manhã. — Bufou se servindo de café preto. — Quais os planos de hoje? Vai alugar minha namorada também aos fins de semana? 

— Não, vou a casa da Gabi fazer o trabalho de literatura. Você e a Mel terão a casa só pra vocês. 

— Como se fizesse alguma diferença. — Bufou e Sophia soltou uma risadinha, se lembrando de que a amiga era virgem e não tinha pretensão nenhuma de se perder. — Mel anda cada dia mais osso duro de roer. 

— Você é um exemplo de paciência. 

— Claro que sou, se ela não está pronta, não vou forçar nada. — Deu de ombros. — Isso não significa que eu não esteja louco já nesse um ano sem nada. 

— Quando acontecer, será especial. — Sorriram um para o outro. — Eu vou indo. 

— Tudo bem, me liga se for demorar muito. — Sophia ergueu o polegar pra ele e pegou a mochila, indo correndo para fora. 

Sophia se deu conta de que a casa de Micael e Gabriela não era longe da sua, nada mais do que vinte minutos andando, então pra preservar o endereço, ela se pois a caminhar. Não queria que o seu motorista soubesse onde ficava aquela casa. 

Estava tão animada que praticamente saltitava pela rua, cantarolando um jingle de algum comercial que nem se lembrava qual era. Ligou pra Gabi pra avisar que já estava chegando e finalmente lá estava ela, tocando a campainha da casa. 

Sorriu ao passar pela porta e dar um beijo na amiga. Olhou a fachada da casa e se lembrou da única vez que esteve ali e de como sentia saudades. Gabi entrelaçou o braço no dela e então caminharam pra dentro. 

— Já tomou café?  

— Já sim. — Contou animada ao olhar o livro, estojo, folhas de papel e marca texto no chão da sala. — Já começou?

— Desde ontem lendo esse livro sem parar. — Se sentou no chão e encontrou no sofá. — Sim, eu dormi, antes que você  me pergunte se virei a noite. A questão é que eu precisava terminar pra que pudessemos fazer nosso trabalho. Confesso que pulei algumas páginas, mas a sua sabedoria vai compensar. 

— Não achou interessante? 

— Não. — Fez uma careta. — É horrível. 

— Ah, para. A amizade deles é incrível, eles vivem tantas aventuras naquele ambiente hostil e de pobreza. Não é possível que você não se interessou. 

— Surpresa seria se ela tivesse se interessado. — Micael apareceu com as mãos no bolso da bermuda que usava, tinha uma camisa bege no corpo e um sorriso que cativava ainda mais Sophia. — Essa garota é um caso perdido. 

— Também não é assim! — Se defendeu, mas nenhum dos dois prestava atenção nela. Se encaravam sorrindo um pro outro, sem nada dizer, até que Micael quebrou o silêncio. 

— Você gostou? Esse é um dos meus livros favoritos. Jorge Amado realmente capturou a essência da vida das crianças de rua em Salvador.

— É incrível como ele conseguiu dar voz a essas crianças. Pedro Bala é um personagem tão complexo. Você consegue sentir a liderança dele, mesmo sendo tão jovem. 

Sophia completou e ele sorriu ainda mais, feliz por ela realmente parecer interessada no assunto. 

— Sim, Pedro Bala é fascinante! E Dora, então? Ela traz uma suavidade e ao mesmo tempo uma força incrível ao grupo. A forma como ela se torna uma figura quase materna para os meninos é tocante. 

Micael completou e naquela altura Gabriela virou os olhos de tédio ao ouvir os dois realmente debatendo sobre aquele livro que tinha julgado tão insuportável. 

— Exatamente. E a chegada dela muda a dinâmica do grupo. Ela traz uma nova esperança e uma sensação de família. Jorge Amado foi brilhante ao criar personagens tão multifacetados.

— Multifacetados? Sophia, você passou a noite lendo um dicionário pra impressionar ele? — Gabriela ficou de pé e encarou a amiga que ficou envergonhada. — Deu a vida. 

— E o Professor? Adoro como ele é apaixonado por livros e conhecimento, apesar de viver naquelas condições. É uma lembrança de que a educação e a cultura são essenciais, mesmo nas piores circunstâncias. 

Os dois ignoraram Gabi que jogou aos braços pro ar e saiu de perto, indo até a cozinha buscar algo para comer. 

— O Professor é uma inspiração. E não podemos esquecer do Sem-Pernas. A história dele é uma das mais tristes, mas também uma das mais humanas. Ele representa tantas crianças que são marginalizadas e mal compreendidas. 

— Verdade. Cada personagem tem sua própria história e sofrimento, mas juntos eles formam uma espécie de família, uma unidade de resistência. É uma crítica poderosa às desigualdades sociais. — Micael completou, amando aquele papo e feliz que ela tivesse gostado tanto assim do livro. 

— Sem dúvida. E o final, com a dispersão dos Capitães da Areia, é agridoce. Mostra que, apesar de todas as adversidades, há sempre uma esperança de mudança, mesmo que pequena.

— Capitães da Areia é uma obra que fica com você. É impossível não se sentir tocado pelas histórias daqueles meninos. Jorge Amado realmente deixou um legado incrível com este livro. — Micael finalizou a resenha empolgado. — Fico muito feliz que você tenha gostado do livro. 

— É, foi uma surpresa pra mim gostar. — Sorriu ainda mais. — Depois de todo esse papo eu ainda preciso escrever três páginas de resumo crítico? — A loira apontou para os papéis jogados no chão e Micael deu risada. 

— Sim, preciso documentado. — Coçou a cabeça. — Tenho certeza que vou amar ler o que você vai escrever. 

— Não cria muita expectativa, minha dupla é sua irmã. 

— Faz sozinha que vai estar melhor acompanhada. — Brincou e Gabi vinha caminhando com um copo de suco nas mãos. 

— Tá bem casal, chega desse papo chato, eu e Sophia temos um trabalho mais chato ainda pra fazer, será que você pode não atrapalhar? 

— Tudo bem. — Ergueu as mãos. — Vou ao mercado, querem algo? 

— Traz algo gostoso pra gente lanchar. — Gabi piscou e Micael saiu balançando a cabeça. 

Transtornado com a breve conversa que teve com Sophia. Doido pra tirar ela dali e levar até seu quarto onde poderia refazer tudo o que tinha feito naquela manhã maravilhosa que passaram juntos. 

Dentro do carro, ele bateu a cabeça no volante mais de uma vez, indignado com sua escolha, mesmo sabendo que estava correto em manter distância. 

Último Ano do ColegialOnde histórias criam vida. Descubra agora