Eu Precisava me Deixar

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        Jão e Pedro finalmente voltaram para casa juntos, depois de uma luta tão intensa pela vida de Pedro. Os primeiros dias foram como um sonho para Jão; ele estava mais atencioso do que nunca, dedicando-se a fazer de cada dia uma nova oportunidade para celebrar o amor que compartilhavam. Jão fazia surpresas diárias para Pedro, chocolates, flores frescas, café preparado com o carinho de alguém que ama profundamente. Cada gesto era uma tentativa de trazer alegria para a vida de Pedro, de mostrar que, apesar de tudo, eles ainda tinham um ao outro.

       Pedro, por sua vez, fazia o possível para corresponder ao carinho de Jão. Ele sorria, agradecia, e até demonstrava sinais de melhora física. Conseguia levantar o braço, algo que antes parecia impossível. Para todos ao redor, parecia que as coisas estavam melhorando; Pedro estava estável, e Jão estava sempre ao seu lado, garantindo que cada dia fosse especial.

        No entanto, dentro de Pedro, a escuridão era insuportável. Enquanto ele apresentava um semblante tranquilo, seu coração estava afundado em uma tristeza profunda e incessante. Ele sentia que não era mais a pessoa que Jão conhecera e amara. Cada movimento, cada gesto de carinho de Jão era uma lembrança do que ele tinha sido e do que nunca mais seria.

        Pedro sabia que Jão estava fazendo o seu melhor, mas no fundo, ele sentia que era um peso. Não queria mais continuar vivendo uma vida em que cada passo parecia um esforço monumental, em que a cada sorriso, ele precisava esconder o vazio imenso que sentia. Ele não queria mais ser a causa do sofrimento de Jão, mesmo sabendo que seu amor era incondicional.

          Numa noite fria, enquanto Jão saiu para resolver algumas coisas na cidade, Pedro estava sozinho no apartamento. Ele se olhou no espelho, observando o reflexo do homem que ele não reconhecia mais. As lágrimas começaram a rolar, uma a uma, até que ele estava chorando incontrolavelmente. O desespero tomou conta, e Pedro percebeu que não podia mais continuar assim. Não podia mais suportar o peso de existir.

        Foi então que tomou a decisão que mudaria tudo. com auxilio da cadeira de rodas, ele foi determinado, e foi até o banheiro. Lá, começou a cobrir seu corpo com álcool e acetona, o cheiro forte invadindo suas narinas e aumentando sua sensação de desespero. Cada gota que caía em sua pele era uma decisão final, um passo mais perto do fim que ele tanto desejava.

        Pedro pegou um isqueiro que estava no bolso e, sem hesitar, ateou fogo ao próprio corpo. As chamas se espalharam rapidamente, e a dor foi imediata e avassaladora. Mas, para Pedro, aquela dor física era nada comparada ao tormento emocional que ele havia suportado por tanto tempo. Ele gritou, mas não por socorro, era um grito de liberação, de alívio por finalmente estar terminando com o sofrimento que o consumia.

        Enquanto o fogo devorava tudo ao redor, Pedro caiu ao chão, seus gritos sendo abafados pelas chamas. Foi uma morte lenta, agonizante, mas para Pedro, era o único caminho para encontrar a paz.

        Jão estava voltando para casa quando viu o prédio em chamas. Seu coração parou por um momento, o desespero crescendo dentro dele. - Não, não pode ser.... - ele murmurou, acelerando o passo em direção ao prédio. Quando ele chegou mais perto, viu os bombeiros tentando controlar o fogo, e o resgate removendo um corpo coberto por um lençol branco.

            - Não! Pedro!!! - Jão gritou, sua voz rouca e desesperada, tentando empurrar os bombeiros para poder entrar no prédio. Mas eles o seguraram, dizendo que não havia nada que ele pudesse fazer.

        - Por favor, me deixem passar! - Jão implorou, mas foi em vão.

        Seu corpo tremia enquanto ele observava o apartamento, agora em ruínas, queimando intensamente. Jão não queria acreditar no que estava acontecendo. Como Pedro poderia ter feito isso? Por que ele faria isso?

          Então, algo chamou sua atenção. No meio do caos, ele viu um pedaço de papel sobre a mesa de centro, parcialmente queimado, mas ainda legível. Era uma carta, a última carta de Pedro. Com lágrimas nos olhos, ele a pegou, lendo as palavras com o coração despedaçado.

"Desculpa, eu não consigo me amar do jeito que você me ama, e agora eu não posso mais voltar. Eu precisava me deixar, pra descobrir onde eu estava, mas não é que eu me sinta mal, eu só não sinto nada..."

            Cada palavra foi como uma faca cravada no coração de Jão. Ele se ajoelhou no chão, segurando a carta com força, as lágrimas caindo sobre o papel. O amor de sua vida, a pessoa que ele havia tentado salvar de todas as maneiras possíveis, havia partido, e ele não conseguiu impedir.

          Os bombeiros finalmente conseguiram controlar o fogo, mas o estrago já estava feito. O apartamento que eles chamavam de lar estava destruído, assim como a alma de Jão. Ele ficou ali, em meio às cinzas, incapaz de se mover, incapaz de pensar. Tudo o que ele conseguia fazer era sentir a dor esmagadora que agora tomava conta de cada parte de seu ser.

         O vazio que Pedro havia sentido por tanto tempo agora era o vazio que Jão carregaria pelo resto de sua vida. Ele havia perdido Pedro, e junto com ele, perdeu a vontade de seguir em frente. O futuro que ele havia sonhado, as promessas que haviam feito um ao outro, tudo estava em ruínas.

       Jão sabia que nunca mais seria o mesmo. As palavras de Pedro ecoavam em sua mente, e ele não conseguia se livrar da sensação de que, de alguma forma, ele também havia falhado. Ele havia dado tudo de si para salvar Pedro, mas no fim, não foi o suficiente. E agora, ele estava sozinho, com apenas as cinzas de um amor que havia sido consumido pelas chamas.

         As semanas seguintes foram um borrão para Jão. Ele não conseguia comer, dormir, ou sequer pensar direito. O mundo ao seu redor continuava a girar, mas para ele, tudo parecia ter parado. As memórias de Pedro estavam em todo lugar — em cada canto do apartamento, em cada música que ele ouvia. Mas Pedro não estava mais lá.

        O funeral foi pequeno e íntimo, apenas para amigos e familiares próximos. Jão mal conseguia se manter em pé durante a cerimônia. As palavras do padre soavam distantes, quase irreais. Nada fazia sentido para ele. Como poderia Pedro ter ido embora dessa maneira? Como ele poderia ter suportado tanto sofrimento sem que Jão percebesse o quanto ele estava ferido?

         Depois do funeral, Jão voltou para o apartamento destruído, sentindo como se estivesse entrando em um campo de batalha. Cada canto daquele lugar trazia lembranças de Pedro, lembranças do que eles tinham sido e do que nunca mais seriam. Ele se sentou no chão da sala, onde antes ficava o sofá que eles compartilhavam. As paredes queimadas, o cheiro de fumaça ainda impregnado no ar. Era um ambiente desolador, uma representação física do estado emocional de Jão.

          Ele pegou o violão, o único objeto que restava inteiro, e começou a tocar, mas as notas soavam vazias. Ele tentou cantar, mas a voz falhou. Tudo parecia inútil sem Pedro ao seu lado. A música, que antes era sua forma de escapar e expressar, agora era apenas um lembrete doloroso do que ele havia perdido.

         Jão sabia que precisava seguir em frente, que era o que Pedro queria para ele. Mas como? Como seguir em frente quando seu coração estava despedaçado, quando o amor da sua vida se foi de maneira tão trágica? Ele estava preso em um ciclo de dor e arrependimento, e cada dia que passava, a saudade de Pedro só aumentava.

           Os dias se transformaram em semanas, e as semanas em meses. Jão começou a tentar reconstruir sua vida, mas o vazio continuava presente. Ele voltou a compor, mas suas músicas eram agora melancólicas, carregadas de dor e perda. Ele evitava falar sobre Pedro, guardando o sofrimento para si mesmo.

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