Capítulo 5

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   Valentina acabava de entrar com o carro na ponte de aproximadamente dois quilômetros que ligava Cântico ao resto do mundo e passava por cima do gigantesco rio Canção, que desaguava também nas diversas pequenas cidades as voltas de Cântico. No rádio do carro tocava "Dois olhos Negros" de Lenine, Valentina amava música, não conseguia entrar em seu carro e não ligar no rádio ou no seu mp3, era sempre a primeira coisa que fazia.

Atílio olhava para o rio sentado no banco de passageiros, nem precisou ajudar Valentina na direção, ela gostava de dirigir, tinha dormido bem, estava descansada. Fazia-se algumas horas que a viagem era feita no total silêncio, cada um perdido em seus próprios pensamentos. Valentina teria meses intensos, precisava fazer e resolver diversas negociações, a colheita da próxima safra de café se aproximava, depois teria a Feira de Agronomia em Maringá. A cabeça fervilhava, mas por hora a preocupação seria encarar a mãe depois de chegar do velório do pai.

- Você não disse nada sobre meu pai até agora - Quebrou o silêncio chamando atenção de Atílio - Eram próximos, amigos, companheiros com certeza.

Atílio desviou o olhar da paisagem e virou a cabeça olhando Valentina.

- Tanto tempo sem vê-lo, tinha a impressão de ele já ter morrido há vinte anos.


Valentina concordou. Os cabelos totalmente brancos, porém cheios, de Atílio, balançavam com o vento que entrava pela janela do carro.

- Tenho essa mesma impressão, mas não deixou de ser estranho... de ser ruim, desde que soube da morte dele eu tenho me sentido culpada por nunca tê-lo procurado - Dizia olhando fixamente para a ponte a sua frente - Acabei não fazendo muito diferente dele.

- Não, é bem diferente sim, nada justifica não ter entrado em contato nem com as filhas - Atílio fez um carinho leve em seu braço que guiava o carro - Não fica remoendo isso, ninguém tem culpa de nada, tampouco você – Voltou a olhar a paisagem, a camisa que vestia tinha os primeiros botões abertos, por conta do calor.

Valentina arqueou as sobrancelhas e suspirou profundamente, sabia que não tinha culpa de nada, mas um estranho vazio ao pensar no pai não a abandonava. Quando terminou de atravessar a ponte, logo caiu no centro da cidade, tinha que atravessá-lo para pegar a estrada que dava a fábrica e sua casa. O centro era pequeno, porém naquela manhã de sábado estava bem movimentado. Valentina abriu totalmente os vidros do carro, todo mundo ali a conhecia e sua maratona de cumprimentos dava-se início. Era muito querida por todos, muito comunicativa, até pela exigência do cargo que exercia, passava confiança a todo mundo que a rodeava, era honesta, muito íntegra, estava sempre envolvida em diversos eventos da cidade, inclusive obras, festas, arrecadações, tudo que fosse de melhorias para Cântico e seus moradores. Atílio também cumprimentava as pessoas


conhecidas, era seu braço direito, como havia sido do pai, a ajudava com tudo, principalmente com a loja e com o pequeno bar que havia aberto há cerca de dez anos. Era também um bom amigo, às vezes até um conselheiro pessoal, muito embora Valentina não tivesse exatamente muitos motivos para conselhos pessoais em sua vida, tirando sua mãe, não tinha grandes problemas pessoais. O filho João Pedro estava com dezessete anos, era uma bom garoto, comportado, esforçado, tal qual o pai, Roberto. Seu namorado na adolescência, terminaram quando ela foi embora para São Paulo, a verdade é que muita coisa havia acontecido lá, porém ao voltar a Cântico com todos os problemas de seu pai acontecendo e tendo que assumir os negócios, Valentina não conseguia pensar particularmente em si. Quando Roberto a procurou novamente para uma reconciliação, ela não conseguiu imaginar nada melhor. Roberto era um ótimo companheiro, bom marido, excelente pai e trabalhava com ela como contador, a ajudou muito em toda a retomada dos negócios que o pai deixou e cuja mãe não tinha nem ideia de como dirigir.

Destino Insólito (Romance Lésbico)Onde histórias criam vida. Descubra agora