Parou a antiga Ford azul escura sobre a ponte. Era inicio de tarde, o tempo estava nublado apesar de muito abafado. O carro realmente aguentou, e muito bem, o tranco da viagem que durou quase quatro dias. Pegou sol, chuva, neblina, acidentes, mas ali estava. Parava em hotéis pequenos, e baratos de beira de estrada, quando se sentia muito cansada e precisava dormir. Chegou, dois anos depois, em cima da ponte do rio Canção. O rio continuava cinza, profundo, seguindo a correnteza lenta. Estava fora do carro naquele momento, em pé, olhando exatamente para o local de onde o carro de sua mãe caiu com Lavínia e Antônia dentro. Se ela não se lembrasse a altura em que ocorreu o acidente, as marcas do remendo que foi necessário fazer na proteção lateral, a lembraria exatamente onde era. Não sabia porquê havia parado ali e porque não tirava os olhos daquela marca, a marca não significava nada, mas ao mesmo tempo significava tudo. Estava de volta em Cântico, não conseguia ainda acreditar nisso. Tirou os olhos das marcas remendadas, só ela estava parada em cima da ponte olhando para elas, todo mundo que ali passava nem devia nota-las. Mirou novamente o rio, o seu horizonte, não conseguia ver o fim. Ele apenas continuava seguindo o seu curso, como sempre.
Já sabia quem iria procurar quando chegasse a Cântico. Entrou novamente no carro, deu partida e terminou de atravessar a ponte. Sabia o que encontraria após atravessá-la. O centro de Cântico não parecia tão diferente, olhando bem não parecia nada diferente, talvez por ser um sábado, a cidade estivesse menos movimentada, provavelmente a maioria das pessoas estavam na prainha. Ela dirigia com os vidros baixados devido ao calor e o carro não ter ar condicionado. Percebeu que uma ou outra pessoa olhava para o carro com certa curiosidade. Viu isso de rabo de olho, ignorou qualquer olhar e continuou guiando o carro. Como se lembrava bem e não esqueceria nem que uma eternidade houvesse passado, o centro da pequena cidade rapidamente acabou, ela seguiu então pela estrada que embora fosse asfaltada, levantava dela o típico pó vermelho da beirada. Acelerou um pouco mais. Se sentia mais nervosa na estrada e em Solitude, do que estava sentindo agora, em que enfim havia chegado. Valentina, sinceramente, não pensava nas reações de ninguém, nem de sua mãe, não tentava prever nada. E foi com esse pensamento que ela entrou no estacionamento da loja do Café José Almeida. Na fachada pouca coisa foi alterada, ela percebeu e o estacionamento estava razoavelmente cheio, como era bem típico em um sábado a tarde. Antes de descer do carro, uma lembrança que ela não queria evocar, lhe veio a mente. Quantas vezes parou exatamente naquele lugar, sabendo que quando entrasse na loja veria Antônia? E antes de descer do carro já estava sorrindo, porque mataria a saudades daquela que foi sua maior alegria e maior tragédia.
Depois de alguns segundos pensando, finalmente desceu e ainda assim não estava ansiosa. Atravessou o estacionamento e antes de chegar na porta de entrada, viu na lateral do prédio o caminho que dava para a fábrica, como era estranho, ver tudo aquilo. Uma sensação tão diferente de tudo o que já havia sentido e não sabia explicar o que era. Ainda não.
Quando entrou na loja, uma sorridente moça se aproximou, era Marcela, ela mesma ainda havia contratado aquela garota, quando Antônia saiu, saiu em meio a toda uma tempestade causada por ela mesma. Valentina tentou afastar as lembranças. Quando Marcela ficou bem próxima a ela, o sorriso morreu totalmente e ela empalideceu.
- Ohh meu Deus ... – Mais gemeu incrédula, do que falou, colocou as mãos na boca.
- O Atílio está? – Valentina não queria perder tempo com aquelas coisas, não com Marcela, deixaria para se importar com as reações de quem ela conhecesse de fato.
Marcela respondeu trêmula, confusa, a mulher que via a sua frente, ela tinha certeza quem era, mas estava tão, mas tão diferente, que ficou com medo de ter se enganado. Agora estava confusa.
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Destino Insólito (Romance Lésbico)
RomanceValentina é uma mulher de 44 anos que administra uma produção de café na pequena cidade de Cântico no interior do Paraná. Leva uma vida tranquila ao lado do marido Roberto e do filho adolescente João Pedro. Mas para ter essa vida tranquila, abriu mã...