Antônia olhava pela janela do ônibus quando o veículo subiu a ponte que atravessava o rio Canção. Não via aquela paisagem há nove anos e pouca coisa parecia ter mudado desde então. O dia estava ensolarado, o rio bastante cinzento, era sempre assim que se lembrava dele: cinza. Joana sentada ao seu lado, ainda cochilava, Antônia não pregou o olho nas mais de oito horas de viagem, a ansiedade a consumia. Se passaram quinze dias desde que Lavínia voltou a Londres e ela e Joana tiveram que correr atrás de ajeitar as coisas antes de voltar, conseguiu vender quase tudo que tinha em casa, é bem verdade que doeu o coração se desfazer das coisas que sua mãe e seu padrasto haviam comprado com tanto sacrifício. Mas aquele pouco dinheiro iria ajudá-la em Cântico. Com Joana fora e ela sem saber com o que, como e quando arrumaria um trabalho, daria para ajudar o pai nos primeiros dias, ele vivia apenas com a aposentadoria de pescador e a ajuda de Joana. Sua cabeça não parava de pensar, teve uma pequena festa de despedida com os amigos, dos quais também sentiria falta. Será que arrumaria novos amigos em Cântico? Sabia que era uma moça de carisma, mas Antônia só se aproximava de alguém intimamente gostando muito. A não ser suas paqueras, cujo o único objetivo era mesmo a diversão, mas amigo é outra coisa...
E ainda tinha o pai, quando esteve em Cântico aos 15 anos, o pai bem tentou ser receptivo, mas no auge do alcoolismo a presença de Antônia só parecia piorar tudo, incentivá-lo a beber ainda mais. Foi um transtorno. Desde então eles se falaram algumas poucas vezes por telefone, sempre intermediado por Joana, mas a verdade é que não
conhecia o pai de fato, não tinha intimidade, era um desconhecido conhecido. E ficaria meses sozinha com ele, não deixava transparecer sua preocupação com Joana, pois ela precisava viajar tranquila, mas ficava tensa com essa expectativa. E que outra alternativa tinha? Não conseguiria se manter sozinha em Campo Grande e tão pouco queria a ajuda de quem quer que seja, odiava dever favor, mesmo que não fosse cobrada, não gostava de ter contas a pagar com ninguém. E em Campo Grande com os empregos que arranjava seria difícil demais se manter sozinha. Ao menos em Cântico tinha o que poderia chamar de resquícios de família, teria Lavínia de vez em quando, tinha Valentina que pareceu tão solicita dias atrás no velório de Domingos.
Além de Joana, Antônia também carregava as cinzas de sua mãe e Domingos em uma das malas, iria falar com Valentina novamente e deixá-los logo no rio Canção, para poderem usufruir da eternidade sob uma vista linda. O rio Canção era lindo, mesmo quando agitado em correntezas fortes, e ambos sempre falavam das saudades que sentiam da paisagem, dos banhos, de tudo o que o rio havia proporcionado em anos de Cântico.
O ônibus agora atravessava o centro da cidade, Joana despertou, ali Antônia viu diferença, a cidade parecia maior, mais movimentada, com mais lojas, o comércio parecia ter crescido.
Joana observava o olhar curioso da irmã
- Tá um pouco diferente de quando você esteve aqui da última vez, né?
Antônia concordou meneando a cabeça, ainda olhando pela janela.
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Destino Insólito (Romance Lésbico)
RomanceValentina é uma mulher de 44 anos que administra uma produção de café na pequena cidade de Cântico no interior do Paraná. Leva uma vida tranquila ao lado do marido Roberto e do filho adolescente João Pedro. Mas para ter essa vida tranquila, abriu mã...