Réquiem. Capítulo 9

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  Passou na casa de Enrica, a conversa toda não foi fácil, mas a irmã entendeu, entendeu sem aceitar, mas entendeu. Passou na fábrica, olhou para o cafezal, o fim da tarde dando lugar para a noite, o sol ao fundo, os pés de café crescendo, toda aquela paisagem que ela tinha decorada em sua cabeça. Nasceu, cresceu e virou mulher sobre ela, sobre aquela paisagem, do café sendo plantado, crescendo, virando os frutos e tudo aquilo que um dia seu avô almejou. Olhou para tudo o que ela ajudou a construir, só para ter certeza e se despedir. Não, nada mais daquilo fazia parte dela, nada, não sentia mais a si mesma em nada do que dizia respeito ao Café José Almeida, dedicou toda a sua vida aquilo e agora se sentia tão distante... não estava triste e nem arrependida, apenas não se identificava mais. Foi para o píer da capela, andou por ele, olhou, teve diversas lembranças, sorriu algumas vezes e se foi, era uma despedida definitiva de tudo o que conhecia em Cântico. Até uma carta para Denise, Valentina postou.

Chegou na propriedade de sua mãe e foi encontrar o filho na antiga casa, conversou com ele. João Pedro parecia já estar acostumado a concordar com a mãe em tudo, aceitá-la em suas decisões, mesmo quando isso não o deixava feliz, mesmo quando ele queria que ela fizesse algo totalmente diferente.

Entrou na antiga casa já era noite. Cântico, definitivamente não era mais seu lar, não era mais sua cidade, não conseguiria dar rumo a sua vida ali, não conseguiria recomeçar. Estava sentindo falta da praia, do mar, de pescar no meio do oceano em silêncio, de deitar em sua cama de colchão de palha e admirar o céu estrelado pela janela do seu quarto. Sentia falta de Sarah, de Francisca. Queria voltar para casa, ficou tempo suficiente em Cântico.

Ligou para Joana, conversou brevemente com ela e falou com Antônia, pediu que a garota fosse até lá.

Quando Antônia entrou na grande casa, encontrou tudo às escuras e Valentina sentada no meio das escadas. Só a luz da lua entrando pelas janelas iluminava a casa. Antônia não deu certeza que iria vê-la, mas acabou cedendo, passou o dia tentando refletir sobre o que queria de sua vida. Com Rafaela nem falava mais, no restaurante onde trabalhava apenas ligou pedindo demissão. Estava novamente sem rumo na vida, sem nem saber se ficar em Cântico era, de fato, a melhor decisão. Recomeçaria mais uma vez e de novo e de novo. Havia passado a manhã em Maringá com os amigos, Armando estava morando lá com Juca, Rose e Leandra ainda estavam em Cântico, mas passavam boa parte do tempo na cidade canção. Foi ótimo revê- los, desabafar, ouvi-los, saber que todos eles estavam direcionados na vida era bom. Mesmo Leandra, depois que o bar José Almeida fechou ela foi trabalhar em Maringá. As coisas entre ela e Rose estavam bem e era isso o que interessava a Antônia. A felicidade de seus amigos.

Era quase noite quando falou com Valentina por telefone, ela foi, poderia ser a última vez que a veria, não sabia. Não sabia de nada.

Subiu as escadas daquela casa vazia, um pouco assustadora até. Imensamente triste, definitivamente aquela casa era triste. Não estava arrependida pelas coisas que falou para Valentina, mas talvez pudesse ter dito de outra forma, em outro momento. Quando?

Como no dia anterior, sentou ao lado dela. Imediatamente Valentina deitou em seu peito, buscando refúgio, carinho. Antônia acariciou seus ombros, seus cabelos, aspirou seu cheiro. Sentiu seus ombros tensos por sobre a camiseta gasta que ela usava. Estavam as duas exaustas.

-Eu amo você – Valentina suspirou ao dizer – Amo muito, me perdoa por tudo?

Antônia sorriu, já com lágrimas nos olhos, continuava os carinhos em seus cabelos.-

-Eu também te amo... tanto. Também preciso ser perdoada por algumas coisas que eu te disse ontem ...

-Não – Valentina a interrompeu, sentia profundamente os carinhos que ela fazia em sua cabeça, os dedos enroscando em seu cabelo. O cheiro da pele dela, tudo era tão bom. Tranquilizador e como era gostoso se sentir tranquila. Ficar assim com Antônia, nos braços dela, queria isso para sempre, mesmo que não tivesse direito, que fosse assombrada pelo resto da vida pelos fantasmas que existiam em sua cabeça – Eu precisava ouvir tudo aquilo. Agora só preciso de você, aqui comigo.

Destino Insólito (Romance Lésbico)Onde histórias criam vida. Descubra agora