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  -X-Jungkook-X-

Eu não consigo sair dessa cama hoje, que espanquem a porta, vão precisar de muita força de vontade para me tirarem daqui... ou talvez só uma palavra dele. Como se respira mesmo? Para dentro, para fora. Me sinto horrível hoje, não dormi mais que uma hora essa madrugada, e meu rosto ainda está inchado de choro. Sim, ele me fez chorar muito, e eu acho que ele fez o mesmo, por isso e outros não quero vê-lo. Já faz meia hora que tranquei a porta do quarto e minha mãe já veio aqui duas vezes perguntar se eu estava bem, e claro, eu respondi na minha maior falsidade que estava tudo na maior paz. Jimin não deve ir a escola hoje também, por causa do rosto machucado. Novamente, respira. Não tem maquiagem que esconda tantas marcas. Por que eu não desci ou o esperei lá embaixo? Eu poderia ter evitado que ele apanhasse, isso seria o mínimo, ou seria pior para ele, às vezes eu falo besteira.
  Me estico para pegar o celular e abro no chat do Taehyung, digito que estou doente, com febre, e Jimin consequentemente, sei oque ele vai pensar, que fizemos até ficarmos esgotados para qualquer coisa, queria eu.
  Largo o celular de lado e me viro na cama mais uma vez, e agora, volto a encarar a porta. Mais tarde eu vou sair, quando o Carcereiro for embora e não tenha perigo que eu o espanque até morrer. Afinal, tenho que ser racional, atacar o pai dele por causa dele pode lhe causar mais problemas e então ele terá razões palpáveis para me odiar.
Eu não sei como vai ser a partir de agora, se vamos nos falar quando nos virmos no corredor, se ao menos vou poder lhe pedir desculpas sem que ele me afaste. Eu quero que ele me perdoe, porque ele está certo, eu que insisti desde o início, quando o pedi que ficasse e cuidasse de mim quando fiquei doente. Fiz tudo isso confiando que o Carcereiro fosse apenas alguém que queria o filho como um robô de escola, não um agressor. Jimin diz que me odeia, mas ele não sabe nem um pouco oque é odiar se comparar ao que está fazendo comigo, me deixando de mãos atadas contra o pai dele. Eu poderia denunciá-lo, mas eu não vou fazer isso, porque eu ainda quero falar com o Jimin um dia, e se eu fizer isso, eu sei que ele vai ser prejudicado de algum jeito. É horrível não poder fazer nada.
Respiro fundo, finalmente sinto o sono que não tive a noite vir se aproximando de mim. Deito a cabeça no travesseiro e tento relaxar, meus olhos pesam, e acho que a porta abriu, mas eu estou cansado demais para acordar e ver quem é. Ouço uma vozinha baixa, provavelmente minha mãe perguntando se eu estou bem mais uma vez, não me importo, estou cansado.

-X-

  Três. Eu comecei a odiar esse número desde três dias atras quando eu e o Jimin terminamos. Agora, o relógio da sala de aula que está quebrado, parou os ponteiros justamente nesse número. Olhei em volta irritado, e até o som dos lápis estava me incomodando. Eu estava evitando ao máximo olhar lá para frente, pois a mesma cena que assisti a dias se repete, a cadeira vazia do Jimin. Desde aquele dia que eu chegava à escola a pé, evitando o Carcereiro assim como ele parecia me evitar, esperando que ao chegar na sala ele estivesse estudando, mas não, ele não está lá. Eu entendi no primeiro e segundo dia, o rosto ainda devia estar machucado, o coração também, mas hoje já é o terceiro dia que não o vejo, nem em casa, nem na escola. Ontem à noite encostei a orelha na porta dele e ouvi os seus passos lá dentro, só para me certificar, mas ele não sai nem para comer. Isso está me preocupando e me tirando o sério.
  Quando o sinal toca, ouço um suspiro aliviado de toda a turma, era a última aula de um dia cansativo, principalmente para aqueles que haviam prestado atenção. Aos poucos eles se levantam e vão juntando o material, enquanto eu, que nem tirei o livro da bolsa, espero a coragem vir para levantar. Na minha frente Taehyung levantou da cadeira com um sorriso largo, mas eu não o retribui, ele ainda não sabia oque estava acontecendo, nenhum deles, mesmo assim ele segurou meu rosto e deu saltos repetindo 'J-Hope' várias vezes.
  -Ok, Ok. -digo afastando suas mãos, mas ele não se importou e continuou a cantar.
  -Que cara é essa Jungkook? -da porta, Jin Hyung perguntou vindo acompanhado do namorado e do Yoongi Hyung. A sala já estava ficando vazia, várias cadeiras vazias como as do Jimin. Soltei um suspiro cansado, parecia agora que eu realmente estava em abstinência dele, onde tudo me lembrava ele. Quando já estavam ali perto, Yoongi contornou a cadeira na minha frente e foi em direção ao Tae. Já estava na hora deles saberem oque aconteceu, a mentira do Jimin doente já estava indo longe.
-O seu namoradinho ainda está doente? -perguntou Yoongi Hyung agarrando a cintura do Tae.
-Não, ele não está doente. -digo me levantando. -Terminamos.
Os sorrisos foram murchando como um balão, e o Tae parou sua mantra de 'J-Hope' com a boca aberta. Mesmo o Yoongi Hyung parecia chocado. Enquanto eles processavam a informação, eu me abaixei para pegar a minha mochila apoiada na cadeira e a colocar nas costas.
-Você disse que ele estava doente. -disse Tae. -O que você fez?! -perguntou levemente alterado, querendo me segurar pela camisa, mas o Yoongi o puxou de volta. Taehyung estava certo em pensar que eu fiz alguma coisa, provavelmente a primeira coisa na sua cabeça era que eu havia o traído, eu queria que fosse simples assim. Seria muito mais fácil dizer que terminamos porque eu ou ele encontrou alguém diferente, não que o motivo foi o pai dele ser um idiota que o batia.
-Espera. Jungkook, explica direito. -Jin Hyung se colocou entre nós dois.
-Eu não fiz nada com ele. Nem sei porque ele não está vindo. -suspirei todo o ar que eu tinha para controlar o bolo na minha garganta. -Ele não sai do quarto, e... eu não sei. Ele só não fala comigo.
-Por que vocês terminaram? -perguntou Namjoon Hyung puxando o Jin Hyung pelo braço para que me desse espaço.
-Eu não sei. -joguei os ombros. -Saímos do Terraço, fomos para casa, eu subi e quando o encontrei de novo ele estava... machucado e dizendo que seria melhor que terminássemos.
-Machucado?
Meus olhos arderam, como se eu olhasse para o sol, era doloroso dessa forma encarar a verdade de que, querendo ou não, indiretamente as mãos que o machucaram foram as minhas. Naquele instante, eu já sabia que eu não aguentaria suportar guardar a verdade deles. As lágrimas já estavam querendo escapar dos meus olhos e não demorariam a sair do meu controle.
-O pai dele. -eu disse e abaixei o rosto, fixando os olhos no piso da sala, mas as lágrimas já haviam quebrado a represa e caiam quentes. -Ele fez alguma coisa, ele estava machucado no rosto, e ele deve ter dito alguma coisa que fez ele querer terminar. É tudo confuso.
  -E onde você estava? -perguntou Tae tentando vir para cima de mim novamente, mas ainda estava preso. -Me solta.
  -Tae, não foi culpa dele. -reclamou baixinho Yoongi Hyung.
-Foi tudo minha culpa, Hyung. -eu disse, e minha voz saiu tremida e frágil, da forma que eu não queria que eles me vissem. -Eu deixei ele sozinho. -meus ombros tremeram violentamente, e então eu já estava em prantos, com o rosto afundado nas mãos, sentindo todo o meu corpo reagir a falta dele. Minhas mãos tremiam de raiva, meu coração estava acelerado por lembrar do rosto machucado dele e eu chorava de culpa. -Eu disse que não ia deixar que ele se machucasse -eu disse entre um soluço. -E quando ele precisou que eu estivesse lá, eu subi para o meu quarto invés de ficar com ele.
Senti uma mão apertar meu ombro. Eles continuavam ali me apoiando, não disseram nada sobre eu estar chorando por causa do Jimin, então por que eu me sentia tão envergonhado? Pessoas se sentem fracas por motivos diferentes, eu me sentia em demonstrar que eu estava me sentindo mal. Então eu me perguntei se esse era o motivo do Jimin ter chorado tanto, não era de dor, ele estava se sentindo fraco, eu o deixava fraco?
  -Eu preciso falar com ele. -eu disse fungando e afastando com as mãos as lágrimas no meu rosto. Eu ergui a cabeça e eles me olharam com preocupação, esperando oque eu faria em seguida. -Eu já dei a ele tempo demais.
  -Te deixamos em casa. -Namjoon Hyung sugeriu, a mão no meu ombro era dele, e enquanto Jin Hyung me apoiava com o corpo de um lado, ele me segurava de outro. Era dessa família que o Jimin precisava, não daquela em que ele está confinado.
  -Hyung, acha que... conseguiríamos esconder o Jimin? -o perguntei e ele arregalou os olhos surpreso. A minha esquerda Jin Hyung também emitiu uma exclamação.
  -O que quer dizer? -perguntou Namjoon Hyung. -Sequestrar ele?
  -Não seria um sequestro se ele quisesse fugir. -expliquei. Suplicando em mente que ele aceitasse.
  -O que está sugerindo?
  -Que eu fale com ele enquanto vocês esperam no carro, eu me acerto com ele e... fugimos. -parecia mais simples na minha cabeça, mas ao dizer, eu percebi que não era tão fácil. Eu teria que conversar com ele, e ele não queria falar comigo. -Ou... eu tento falar com ele hoje e amanhã tentamos fugir.
  -Sabe a responsabilidade que vai estar tomando se fizer isso? -se manifestou Yoongi Hyung, que independente de tudo continuava com os braços bem seguros a cintura de Taehyung, que também parecia ter chorado, ou estava prestes. -Você e ele são menores de idade, fugir assim não vai dar certo.
  -Eu não posso denunciar o pai dele a polícia. Ele daria um jeito de machucar o Jimin mesmo de longe, eu sei disso. -esbravejei batendo a mão na superfície de uma das mesas tentando aliviar o sentimento de impotência que me engolia. -Hyung, se eu não tirar ele de lá...
  -O que? -ele me interrompeu. -O que vai acontecer se você não tirar ele de lá? Jungkook, tirar ele às pressas vai ser pior do que esperar até que a poeira abaixe.
  -Três dias. -insisti, mas ele ainda não parecia concordar. -Não é suficiente?
  -Não. -respondeu seco.
  Eu não queria brigar com ele, então me aquietei e me sentei numa das mesas. Deixei um suspiro se esvair pelos meus lábios, e esperei que algo a mais fosse dito.
  -Vamos. Eu vou te levar para casa. -Namjoon Hyung disse me dando um tapinha nas costas.
  Eu me levantei para ir embora e quando fui passar entre as duas fileiras de cadeiras, Yoongi Hyung me segurou pelo braço.
  -Não me entenda mal. -disse com suavidade, como não faria em outras circunstâncias. -Só estou dizendo que ser discreto é a melhor forma de agir.
  -Eu sei. -o respondi e senti seus dedos irem se soltando.
  Eu segui Namjoon Hyung para fora da sala, e pelo corredor vazio da escola, com os seus solitários armários azuis, abarrotados de papéis pelo tempo de prova que se aproximava.  Ele ia a minha frente, eu suspeitava que ele estivesse medindo as palavras que iria me dizer dentro do carro, e bem que eu estava precisando dele no momento, há muito tempo que eu e ele não conversávamos com um objetivo. Desde que ele veio me contar que estava apaixonado pelo Jin Hyung que no tempo era seu melhor amigo. Eu o ajudei como pude, o ouvindo e guardando esse segredo para ele, mas desde então, por sorte, não havíamos tido mais problemas para ter que conversar seriamente.
Saímos da escola e atravessamos o gramado à frente da escola, o carro estava estacionando do outro lado da rua debaixo de uma árvore cheia de folhas amareladas. O carro do Hyung era azul, e havia sido seu pai quem o dera, desde que o conheço que o vejo rodando nesse carro, foi nele que ele me levou no meu primeiro encontro, e também no hospital quando machuquei a perna tentando andar de skate. Tínhamos histórias naquele carro.
Quando chegamos do outro lado da rua, após atravessar o asfalto que exalava o calor acumulado do sol, onde a alguns metros podíamos ver o chão tremulando da quentura. Namjoon Hyung parou na porta do motorista e apoiou os braços sobre o teto do carro, não muito mais baixo que ele. Novamente suas sobrancelhas entortaram ao pensar, e eu o esperei pacientemente do outro lado, também me apoiando no teto do carro com os braços cruzados.
-Quando você chegou aqui, no dia depois que dormimos na sua casa, você me disse que tinha brigado com o seu padrasto. Lembra disso? -ele virou o rosto para mim, não parecia querer brigar comigo, mas eu me senti intimidado com a calmaria com que falava, então só assenti. -Lembra que estava com um murro no rosto? Você me disse que não foi nada demais e saiu correndo atrás do Jimin. O que está acontecendo?
  -Eu não sei. -repeti, como se essa frase já não houvesse saído da minha boca tantas vezes naquele dia. -Hyung, eu gosto muito dele, e naquele dia eu tentei o proteger. O pai dele estava com raiva só porque fomos em um café na frente do museu. Só saímos um pouquinho, e ele estava esbravejando na rua quando voltamos, eu tentei proteger o Jimin e ele me deu um soco. -o contei e a cada mínima pausa Namjoon Hyung parecia mais impressionado.
  -Ele te bateu outra vez?
  -Não. Infelizmente, Jimin... -suspirei e apoiei o queixo nas mãos. -Ele já bateu no Jimin outras vezes, e eu tenho medo que ele já tenha feito pior.
  -Acha que ele abusa dele? -perguntou levantando ainda mais as sobrancelhas, como se o objetivo fosse mistura-las aos seus cabelos. -Jungkook isso é horrível.
  -Eu não sei oque ele fez com o meu... com o Jimin. Espero que não tenha sido oque eu pensei, mas se foi eu mato ele.
  -Você tem que conversar com o Jimin. -ele se afastou do carro e procurou o chaveiro do carro nos bolsos. -E você vai fazer isso dando o seu jeito. Eu sei que a ideia de fugir com ele é louca e eu concordo com o Yoongi. -ele tirou o controle pequenino do bolso e apertou oque parecia ser um quadradinho de chocolate, mas era só uma capinha para o controle. -Mas se for isso, você vai me ligar. E vamos escondê-lo nem que seja no Terraço.
  Eu respirei aliviado naquele instante e agradeci por ter conhecido o Namjoon Hyung, não que os outros sejam ruins comigo, mas eu sabia que quem entenderia tanto quanto eu seria ele, aliás ele também já havia tido casos de violência em casa. Felizmente isso havia passado, e infelizmente esse não seria o último a acontecer no mundo. Jiminie ainda precisa de mim.

The Cure - JikookOnde histórias criam vida. Descubra agora