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  O filme não me interessava. Cenas de romance e mais romance ao meu lado da cadeira, estava me deixando tão enjoado quanto triste. Na tela, um casal lentamente iam percebendo que estavam se apaixonando, e o Yoongi e o Taehyung que estavam sentandos perto de mim, estavam se agarrando horrores. Olhei para os cantos, procurando a porta de saída de emergência, ela estava ali, logo abaixo da ponta direita da tela do cinema. Deixei a pipoca no meu assento, e em silêncio me retirei da sala, mesmo tendo ouvido meu nome ser chamado rapidamente. Era ridículo como tudo estava me incomodando, até tinha brigado com a professora de biologia por causa de um frasco quebrado, meu braço havia batido e derrubado um, e ela veio brigar comigo. Eu devia ter ouvido calado, mas na hora a vontade de mostrá-la que era só um vidro foi maior. Fui o assunto da escola por essa semana inteira, com direito a sussurros quando me viam e olhares meio amedrontados. Sim, eu tinha gritado muito, mas não era motivo de medo de ninguém.
Para me distrair, Namjoon Hyung havia decidido que era um boa ideia me levar ao cinema, a ideia era ele e o Tae, mas a mãe dele o pediu para fazer alguma coisa inegável, ir ao casamento de alguém se não me engano e bem... Yoongi aceitou sem pestanejar essa ideia.
Andando pelo corredor da saída de emergência, o silêncio me fez ficar calmo, as paredes brancas que levavam a uma porta azul no fundo, me fariam sair logo na entrada do cinema. Caminhei sem pressa, respirando devagar como se fosse dormir, até chegar à porta e abri-la. Lá fora o vento gelado me atacou, primeiro me arrepiando a nuca depois o resto do corpo. Estremecendo, corri para o único táxi que estava à espera de um cliente. Entrei e um senhor simpático me perguntou para onde eu queria ir, eu quis muito dizer para que me levasse para o canto mais longe que pudesse ir, talvez até sair de Seul, mas mudei de ideia e disse o endereço de casa mesmo.
O motor roncou até a minha rua, não era um carro muito novo, talvez fosse um modelo de 2001, mas foi aconchegante ficar nele por quase vinte minutos, ouvindo a música baixa e agradável do rádio, junto ao cheiro das balinhas de menta. Quando paramos na minha prisão, melhor, casa, vi um corpinho olhando o carro da varanda. Jimin me olhava, estava de pijama, com os cabelos bagunçados e com o rosto magro. Ele não se mexeu de lá nem um pouco, me desconcertou. Paguei ao taxista e sai, enquanto o carro ia embora, meu olhar conectou com o dele lá em cima, e ele sorriu. Meu coração deu solavancos, respirei fundo e forcei a retribuir o sorriso dele.
-Eu quero conversar. -ele disse baixo lá de cima, mas eu pude ouvir, aliás não era tão alto. -Podemos?
-Claro. -respondi inconscientemente. Minhas pernas estavam duras como gelo, e foi tão difícil fazê-las andar até a porta quanto foi para sorrir para o Jimin.
Quando entrei em casa, ele ainda descia as escadas, ouvi seus passos leves, ao passar pelo hall. Assim que cheguei à sala, ele descia o último degrau, era de tarde ainda, a janela de guilhotina banhou suas costas de luz e por através do pijama claro. Suspirei audivelmente e ele voltou a sorrir.
-Estava te esperando.
-É? -perguntei nervoso. -Quero dizer... por que?
-Não quero insistir muito nisso, eu sei que eu deveria ficar quieto até... até que fizesse muito tempo e nós não pensássemos mais nisso. -disse andando até o sofá da sala e sentando com as pernas cruzadas. Fui até o sofá do lado oposto e me sentei, ficamos frente a frente. -Eu quero dizer, agora que as emoções já se acalmaram, que eu quero ser uma pessoa normal na sua vida, de novo.
-Você deve estar brincando comigo. -eu disse com um sorriso de irritação, me encostando no sofá e puxando os cabelos para trás.
-Por que eu estaria? Moramos na mesma casa, não podemos ficar ignorando um ao outro.
-Yaegi... -engoli a palavra e segurei a vontade de socar aquela mesinha de vidro entre nós. -Porra, não consigo nem conversar com você. Como eu posso voltar a ser alguém normal com você?
-Você e o Tae são amigos. -disse, mas algo na sua boa vontade já tinha murchado, ele não sorria mais como quem realmente queria aquilo, era um sorriso segurado. -Pessoas podem voltar a ser apenas simples pessoas.
-Ah, e esquecer tudo. É essa sua proposta, voltarmos a sermos irmãozinhos. -eu ri, meus braços tremiam de força que eu fazia, talvez ele estivesse mesmo me tirando do sério. Eu nunca bateria nele, nunca, mas eu podia quebrar a tv. -Eu nunca vou ser só seu amigo, entendeu?
-Ok. -ele suspirou e pegou um travesseiro, colocou sobre as pernas e o abraçou. -Então, me desculpa. Só... não precisa falar comigo de novo, é só me dizer que não está com raiva de mim.
-Mas eu estou. -me levantei e ele se encolheu, como se... se eu fosse bater nele. Voltei a me sentar. -Eu não posso não ter raiva, Jiminie, -o apelido foi de propósito e ele sorriu ao ouvir. -Você está se matando devagar por causa disso e não está me deixando te parar. Entendeu?
-Eu não estou fazendo isso! -disse surpreso, com os olhos arregalados e erguendo os braços para me mostrar. -Não estou.
-Como se pudesse se matar só com cortes. -me encostei novamente e suspirei. -Você está magro como um palito. Eu não te vi nos poucos almoços e jantares que eu fiquei aqui.
-Comi no quarto. -disse simplista.
-Não comeu não! -gritei sem querer e ele arregalou os olhos. Eu já estava chorando, não tinha como voltar. -Só tinham três pratos na pia, eu olhei Jimin! Você não está comendo e está estudando todas as tardes, eu sei disso! -me levantei de uma vez e contornei o sofá, respirando forte. -Você está tentando fazer oque com isso? -perguntei baixando a voz. -Pode ficar longe de mim, pode gritar que me odeia, mas você não vai ficar morrendo por causa de birra e greve de fome, entendeu?
-Não estou fazendo greve de fome. -me respondeu com a voz em um fio.
-Minha mãe veio falar comigo um dia depois de termos nos separado. Ela já estava preocupada desde esse dia quando você não apareceu para comer. -ele estava abraçado ao travesseiro no sofá, deitado de lado e se não me engano o ouvi fungar. -Jimin, eu não quero você doente.
-Eu não estou doente. -murmurou com a voz baixa. -Não grita comigo.
-Estou tentando ver se gritando pelo menos você consegue entender que é para parar com isso. -fiquei atrás do sofá, com as mãos apoiadas no encosto. Ele me olhou de canto e se abraçou mais a almofada, como se pudesse sumir das dobras do sofá.
-Eu só não senti muita fome desde aquele dia, só isso. Não é greve de fome nem birra, é só falta de ânimo. -disse se sentando e respirando fundo. -Você também mudou, sai tanto de casa quanto antes.
-Não fantasie demais sobre isso. -eu voltei a contornar o sofá, mas dessa vez eu me sentei ao lado dele e ele ficou tenso. -Não namoramos mais, não somos mais nada. -suspirei. -Não somos irmãos. Mas eu não me importo, e enquanto você não voltar a ficar normal, eu vou me arriscar perto de você, nem adianta ficar com 'frescurite'.
-Você vai nos machucar de novo se fizer isso. -ele riu e enxugou uma lágrima. -Vou ter que gritar que te odeio de novo para que você não se arrisque?
-Então não vire um saco de ossos, nem desista tão fácil. -Me levantei e seus dedinhos que estavam magros, seguraram meu pulso com firmeza.
-Essa é uma das poucas chances que temos de conversar, sem ninguém em casa.
-Sim. -disse o estimulando a continuar.
-Me faz um favor? -pediu com a voz embargada. -Mesmo se... nunca mais nos falarmos?
-Faço. -me virei preocupado e ele ficou em pé no sofá, estendeu os braços e me abraçou. Com força, como se dependesse disso. Claro que eu retribuí, sentindo todo o seu corpo frágil contra o meu, o cheiro dele, ouvi ele chorando no meu ombro, o peito subindo e descendo rápido. -Yaegiya, eu vou está esperando. -sussurrei e ele soluçou.
-E-E-Eu não te odeio. -ele disse puxando o ar e voltando a desabar em mim. -Me d-desculpa, Jungkookie.
-Não. Não precisa. -o puxei de cima do sofá para o chão e ele se instalou no meu peito como sempre fez. Era ali o seu lugar, pertinho de mim, ele mesmo devia reconhecer isso. -Você queria um abraço? -perguntei acariciando seus cabelos e o agarrando com o outro braço, já os seus estavam fortemente presos a minha cintura.
-Eu quero. -disse em desespero, eu pude sentir na voz dele, ele estava quebrado, completamente destroçado. Ele gritava em silêncio, durante todo aquele tempo ele ficou sozinho. Era a primeira vez que estávamos juntos, primeira vez em duas semanas que ele tinha alguém para confortar ele, para o abraçar pelo menos. Ele estava agarrado a mim como se não pudesse nem me soltar um pouquinho, e chorava tanto que eu duvidava que ele conseguiria ficar me pé após isso. -Eu não queria ficar longe.
-Muito menos eu.
-Ele quer te machucar, eu não posso deixar isso acontecer. -ele disse entre um soluço. -Eu tenho que te proteger, você é meu.
-Ei. -levantei seu rosto, porque afasta-lo era muito fatal. -Eu vou estar sempre no quarto ao lado, quando você precisar de mim, passa um papel debaixo da porta, bate, joga um livro na parede. Qualquer coisa. -ele assentiu, os olhos inchados de tanto chorar. -Você não está sozinho, okay?
-Eu estou com saudade do Tae. -disse com um bico trêmulo. -Ah, eu estou com saudade de jogar Candy Crush com o Jin Hyung. -ele voltou a chorar no meu peito.
Eu o peguei no colo, como se ele fosse um bebê, coloquei seus braços nos meus ombros e o puxei pelas pernas. Subimos assim, até o quarto dele, o deitei na cama e me sentei de lado.
-Você disse que eu sou seu e você tem que me proteger. -eu disse passando as mãos no rosto dele. -Mas você é o meu Mochi, eu tenho que te proteger também.
-Mas ele quer te machucar.
-Mas ele te machucou. -insisti e ele se calou. -Pensar que ele te tocou me deixa com raiva, porque você estava roxo naquele dia.
-Eu estou com saudade. -sussurrou tocando a cicatriz na minha bochecha.
-Vou pedir para o Tae vir te visitar.
-Não. -ele riu. -De você. Eu acordo de noite e sinto falta. -seus olhos marejaram de novo. -De sentir você me abraçando como um ursinho.
Ele estava sonolento e isso era resultado da fome, eu tenho quase certeza, ele estava fraco para qualquer atividade e chorar havia sido seu máximo. Me inclinei e o dei um selinho.
-Eu quero mais disso. -sussurrou apontando um dedinho para minha boca. Eu ri e puxei a coberta até o seu queixo. -Toma. -ele ergueu um braço e pegou a estrelinha. -Quero que fique com ela. -disse com um sorriso fraco. -Ela chora de noite, pedindo você de volta. Ou esse sou eu?
-Não faça isso comigo. -murmurei. -Eu vou te roubar um dia. -desci os olhos para os seus lábios, ele fez bico. -E vou fazer você engordar até virar uma baleinha.
-Não, Jungkookie. -resmungou. -Baleia não.
-Até ter as curvinhas que eu gosto. Não acredito que você está deixando de tratar bem esse corpo lindo. Eu amo ele.
-Por você. -ele assentiu. -Eu vou comer e vou "tratar bem" o meu corpo. -ele riu e se sentou, logo voltando a deitar. -Fiquei tonto.
  -É oque estou dizendo. Eu vou fazer alguma coisa para você comer. -ameacei me levantar e ele voltou a me segurar.
  -E se ele chegar? -perguntou apreensivo.
  -Aí eu digo que é para mim. -sorri e ele deu um sorrisinho triste.
  -Não quero me apegar muito de novo. -ele disse se virando de lado na cama e acariciando as sobrancelhas da estrelinha. -Certo? Eu não quero te magoar mais ainda.
  -Eu também não quero isso, mas você está fraco. -sussurrei, ele se sentou e fechou os olhos com força, provavelmente tonto mais uma vez. -Fique deitado, eu vou na cozinha.
  -Leva ela. -pediu mais uma vez e me entregou a estrelinha. -Vou me sentir melhor se você estiver com ela.
  A peguei pela insistência dele e sorri, ela era relativamente grande, o suficiente para abraçá-la. Estiquei a mão e toquei os cabelos dele.
  -Obrigado. -murmurei. -Deite.
  Ele deitou a contragosto e eu me levantei, com a estrelinha nos meus braços ainda, sai do quarto dando uma última olhada nele antes de ir. Jimin estava pequenininho na cama, só enganando o peso por causa do cobertor que o deixava mais cheinho. Peguei a maçaneta e a puxei, respirando bem fundo quando a porta fechou. Idiota. Com rapidez abri a minha porta e joguei a estrelinha na minha cama, depois corri para a cozinha.

-X-

Fiquei o observando comer, sentado na cadeira enquanto ele estava na cama. A princípio ele me olhou de cara feia, mas comeu tudo e deu um longo suspiro quando terminou. Sorri para ele quando me estendeu a bandeja que eu havia deixado nas suas pernas.
  -Yae... -ele começou e abaixou o rosto. -Desculpa. Jungkookie, você vai para o show com o Tae?
  -Talvez. Por que? -perguntei ao me virar para deixar a bandeja na escrivaninha, quando me voltei ele já havia deslizado para debaixo dos lençóis e me encarava só com os olhinhos para fora. -Não quer que eu vá?
  -Eu não posso exigir nada de você. -ele sorriu, me fitando entre as duas linhas dos seus olhos. -Você não é meu namorado.
  -Aish, essa palavra dói. -brinquei pondo a mão no peito, oque na verdade não era brincadeira. Realmente doía. -Você vai dormir agora?
  -Acho que... -ele bocejou e estremeceu. -Sim.
  Seus olhos já estavam inchados de sono, o corpo todo contraído debaixo do cobertor. Me peguei o olhando apaixonadamente e ele devolvia o olhar só que de um jeito mais tímido. Como se não tivéssemos passado por muita coisa. Jimin se sentou e afastou o cobertor amarelo de cima dele, jogou as pernas para fora da cama e se levantou vindo para cima de mim. Eu estava ainda paralisado com ele, seus movimentos haviam sido muito rápidos para que eu os processasse, e logo ele estava sentado no meu colo. Com os braços nos meus ombros e uma perna de cada lado, automaticamente minhas mãos foram para sua cintura.
  -Essa é a terceira vez que ele não fecha a porta quando vai sair. -sussurrou se referindo ao pai dele. -Acho que aos poucos ele vai me deixando mais livre de novo. Não quero abusar disso. -ele deitou a cabeça no meu ombro, com os lábios tocando meu pescoço parcialmente. -Eu só preciso de um pouquinho de você.
  -Eu não quero te causar problemas, porque eu te amo muito. -entre meus braços, senti ele estremecer. -Você não me deixou bater nele, eu não bati. Você me impediu de fazer muitas coisas, Mochi. Mas se tiver uma próxima vez você não vai me impedir. Ouviu?
  -Ouvi. -murmurou e se aproximou mais, beijando meu pescoço de leve. -Amanhã eu vou tomar café na mesa com vocês, -disse puxando a pele da curva do meu ombro com os dentes. Eu arrepiei e deslizei as mãos até as suas pernas, não podíamos levar aquilo para muito longe, mas um pouquinho não fazia mal. -E então... amanhã já não seremos mais nada. -senti a tristeza na sua voz. -Seremos simples pessoas?
  -É oque é para ser, não é? Não foi por isso que terminamos? -usei a palavra para o dar impacto e funcionou, ele se ergueu de cara feia, mas sem sair de cima. -O que? Não foi isso que você fez?
  -Não joga na minha cara que eu acabei com a gente. -murmurou. -E aliás, você não disse que nunca seria só meu amigo?
  -Quem disse que eu vou ser seu amigo amanhã? -perguntei e tive que aguentar a vontade de beija-lo quando um bico surgiu nos seus lábios. -Eu te amo, de verdade, mas eu não posso ser seu amigo. Então amanhã eu sou o seu Romeu, okay?
  -Como? -ele franziu a testa e riu.
  -Romeu. Somos de famílias que se odeiam, com um amor proibido. -eu ri e ele me acompanhou. -Certo?
  -Certo. Então está me chamando de Julieta?
  -'Julieto'. -corrigi. -Meu Julieto.
  Ele riu e voltou a deitar a cabeça no meu ombro.
  -Eu também te amo, Kookie. -disse baixinho no meu ouvido. -Antes de você ir, me faz outro favor?
  -Claro.
  -Me beija.

The Cure - JikookOnde histórias criam vida. Descubra agora