Eu não sabia a quanto tempo estava naquele carro infernal. Acho que ninguém saberia as horas dentro de um porta-malas escuro com algemas nos pulsos.
Eu deveria parecer em pânico? Sim. Concordo com você, eu deveria estar gritando, esmurrando a porta até que abrisse, então eu rolaria e cairia esplendorosamente na estrada. Com essa ideia só tinham duas opções; ou eu descobriria de última hora meus poderes de ninja, ou eu viraria farofa no chão. Optei por me manter quieto, me fingindo de desmaiado. Quando ele abrisse o porta-mala, eu ainda estaria dormindo como um anjo, e então eu chutaria o focinho dele.
Apenas um fato me deixava tranquilo; quando Jimin desmaiou no quarto, o Carcereiro me esmurrou no estômago até eu me dobrar como uma cadeira de praia, prendeu meus pulsos e me arrastou para fora da casa. Você deve está pensando, e por que você não fugiu? Seus pés estavam livres. Vamos deixar para conversar sobre isso quando você levar três socos cheios de ódio no estômago e seu almoço quiser dar um 'oi' para o mundo outra vez. Eu cambaleei até o carro dele, sendo arrastado pelos braços. Aparentemente ninguém viu aquela cena ridícula. Ou ninguém se ofereceu para ajudar um adolescente inocente.
Antes de me atirar no porta malas, ele fez questão de me acertar... bem, em lugares terríveis, que me fizeram contorcer de dor. Então ele fechou a porta e um segundo depois arrancou com o carro.
A questão é; Jimin estava em casa. Se alguém estava em risco era eu, e se o Jimin tentasse me encontrar, eu tinha plena certeza que ele não seria burro de vir sozinho.
O carro pulava o tempo inteiro. Parecia que ele estava fazendo de propósito, para sentir meu peso e ter certeza que eu continuava no porta-malas. Eu me sentia uma pipoca. Se bem que, pipocas não batiam o rosto no trinco da porta a cada cinco minutos quando o carro dava um tranco e meu corpo era impulsionado para frente. Todo aquele movimento, e os refluxos dos socos, me deixavam enjoado, e para completar esse pacote de viagem, o cheiro forte de gasolina e pneu queimado se infiltrava nos meus pulmões. Isso me lembrava o dia em que eu e Taehyung bebemos pela primeira vez, tinha exatamente o mesmo cheiro após termos roubado o Sonata do Namjoon Hyung. Rodamos pelas ruas, dando voltas e voltas nos quarteirões, já ao amanhecer o deixamos no estacionamento só com um quarto de gasolina no tanque e os pneus em condições precárias. Tivemos que pagar a ele os pneus depois.
Lembrar daquilo naquele instante era mais doloroso do que os hematomas no meu estômago. Talvez eu não voltasse a vê-los. Eu não conhecia o Carcereiro, e meu currículo de herói de filme era bem baixo, eu não tinha habilidades o suficiente para me desfazer de algemas e usá-las para estrangular ele. Minha única forma de sair dali era espernear e rezar para ele não ter uma arma, ou me abateria como um passarinho.
Os longos minutos se passaram, a escuridão e o cheiro rançoso da gasolina me deixaram fraco ao ponto de eu realmente quase dormir. Foi quando o tranco foi maior, e eu meti o rosto contra a porta, e o impacto me jogou para o outro lado do porta-mala, que não era assim tão grande, mas me fez bater a cabeça na parte de trás. Ótimo, agora eu teria um roxo no meio da testa e um na nuca.
O mundo se descortinou de frente aos meus olhos quando a tampa foi aberta. Fechei os olhos quando a luminosidade me atacou. Senti suas mãos segurarem as minhas e me puxarem com violência para que me sentasse. Como um boneco, minha cabeça pendeu para frente e depois para trás. Então abri os olhos. Já me adaptando, vi que aquele lugar não era nem de longe Seul. O cheiro era diferente, o lugar era diferente e familiar. Ele me deu um safanão e me puxou para fora do carro. Eu ainda estava meio bêbado da viagem, cambaleei dois passos e vi que estávamos em frente à uma casa enorme, bonita a primeira vista, mas pelos aspectos ninguém morava ali. Tinha uma janela do primeiro andar quebrada; as paredes a muito tempo não se encontravam com um galão de tinta, e o jardim estava tão cheio que um bicho poderia se esconder dentro; plantinhas cresciam entre os degraus de mármore que levava até à porta de entrada descascada e com o número desbotado.
Sem que me empurrassem nem nada, caminhei para aquela casa, algo nela me chamava a atenção. Talvez ela fosse parecida com todas as outras.
-Gostou da casa, rapaz? -disse a voz nojenta do Carcereiro. -Não tente nada brusco, ou vai viver nela para sempre.
Me segurei para não virar e ataca-lo. Com as mãos livres eu teria uma boa chance contra ele, mas de mãos atadas, ele me derrubaria.
Então eu ri, sem ver graça alguma. Logo depois ouvi uma risada da parte dele e um click. Algo gélido tocou minha nuca, e eu não precisei me virar para saber oque era. Eu estava na mira de uma arma. Engoli em seco. Ele continuava rindo baixinho.
-Vamos, ande. Eu vou abrir as portas para você. -ele pressionou o cano da arma, e sem prolongar aquilo, eu andei devagar. Galguei os degraus ate a porta. Ele deu a volta em mim, e esticou o braço com uma chave para o trinco, a arma agora, apontava para minha garganta.
A porta abriu. E ele sorriu, mostrando uma fileira de dentes brancos que meu punho adoraria estragar. Talvez, em outra circunstância eu me ousaria a isso, mas não era só por mim que eu estava tentando sobreviver. O Jimin precisava de mim.
Entrei na casa velha antes dele. Com a pressão da arma ainda nas minhas costas mesmo que não me tocasse. Por dentro a casa era poeirenta e velha, assim como o exterior dela. Entramos diretamente numa sala, com pouca mobília, mas o assoalho de madeira indicava onde antes tinham móveis mais pesados, pois nesses pontos a madeira tinha outro tom. Uma escada única subia do outro lado da sala, grudada a parede, estreita demais. Ele me indicou aquele caminho. Sem desvios, fui para a escada. Ao longo da parede, enquanto subíamos, haviam porta retratos poeirentos. Em um momento enquanto estávamos no meio da escada, ele agarrou as costas da minha camisa e me segurou. Sua mão livre pegou um dos porta retratos e o trouxe para perto dos meus olhos.
-Sua família já foi feliz assim, Jeon? -perguntou o Carcereiro, o hálito tocando o meu pescoço. Eu quis me retrair, dar uma ombrada para trás e o atirar da escada, mas me contive. Olhei a fotografia de uma família feliz, um casal com uma criancinha e mais um casal ao lado deles.
-Minha família sempre foi suficiente para mim. -respondi com firmeza. -A sua pelo visto não foi.
Ele cerrou os dentes e atirou a fotografia da escada. Ouvi quando o vidro de espatifou no chão.
-A minha era suficiente.
Virei-me para ele.
-Então porque você está fazendo isso? -perguntei o encarando.
-Porque ele acabou com a minha família.
-Como pode dizer que uma criança acabou com a sua família?
Ele agarrou a gola da minha camisa e pressionou a arma no meu peito. Não ousei me mexer.
-Você não sabe oque ele fez. Ele acabou com o amor da minha vida, ele matou meus amigos, ele destruiu a minha vida! -gritou ChungHo.
Fiquei olhando-o perplexo. Aquela explicação não fazia sentido nenhum. Ele me soltou, desequilibrei um pouco e firmei os pés no chão.
-Suba. -ordenou.
Não contestei, a arma era dele afinal. Subi até o primeiro andar, e ao chegar lá, ele pressionou o revólver nas minhas costas por um corredor, até chegarmos num quarto. Assim que entrei, pude identificar de quem era o quarto e sorri sem querer. A cama pequenininha estava coberta de poeira, porém milhares de pelúcias continuavam sobre a colcha e tinha uma cômoda branca com lápis de cor em cima. Uma janela basculante tinha na vidraça fosca um desenho colado com fita adesiva de um coração de guache azul. As paredes estavam cheias de mofo, mas deixavam ver que um dia tiveram o papel de parede de pequenos sóis.
-Ande! -gritou ChungHo, me empurrando para o meio do quarto.
Cheguei perto da cama. Ele passou na minha frente e arrastou uma cadeira de perto da parede até à frente da janela. Apontou de mim para a cadeira com a arma em punho, sendo isso um sinal que tinha significado único, me sentei na cadeira.
Sentado, de mãos atadas, de costas para a janela que iluminava os flocos de poeira espiralando ao meu redor, com um homem insano segurando uma arma na minha frente... decidi naquele momento não me perguntar se tinha como ficar pior. O destino aparentemente me odiava.
Tentei manter a postura mais digna possível, ele tinha que ficar ali, comigo, longe do Jimin.
ChungHo usava um terno de lã preto, e sapatos bem engraxados. Aparentaria um homem normal, com os cabelos puxados para trás com gel, mas seus olhos ferviam um rancor e ódio que pareciam não caber nele.
Suas mãos tremiam incontrolavelmente. Estava quase espumando de raiva.
-Você é inocente, Jeon. -disse com a voz firme, diferente do seu corpo que parecia recebe descargas elétricas. -Você não merecia morrer desse jeito, mas pense bem, foi tudo culpa dele.
-Você é um homem insano, apontando uma arma para alguém que não tem a mínima ideia do que você está falando. -eu falei. -ChungHo, qual o seu problema?
Ele tremeu as mãos ainda mais. Fechou os olhos e respirou fundo, imaginei que estivesse procurando equilíbrio. Eu estava procurando o mesmo. Sempre fui bom em mentir, minha mãe odiava esse dom, mas eu sempre soube que um dia serviria para algo. No momento, eu mentia que estava calmo, mentia para o meu corpo, mentia para ChungHo.
-Os Park. -ele disse quase num sussurro, como se as palavras custassem a sair dos seus lábios. Ele fitava o chão, mas a arma estava apontada para mim, trêmula, mas se ele apertasse o gatilho, seria fatal. -Os Park, viviam na casa ao lado. -ele disse indicando com a cabeça a janela. -Eles eram adoráveis. Park MinJi, era encantadora, estudávamos o ensino médio juntos, ela sempre foi minha amiga. Já ele... não tínhamos lá uma amizade. Eu o suportava, ele era marido da minha melhor amiga. -ChungHo deu de ombros. -E tinha ele. A pessoa mais importante da casa, o nosso vínculo eterno. Park Jimin.
Antes de todo aquele papo começar, eu já estava achando estranho como ele se referia. Minha cabeça rodou com tanta informação, e uma vozinha no fundo da minha mente, a voz do Jimin, sussurrou; aquele que se diz meu pai.
De repente, oque ele dizia fazia sentido. E eu estava inclinado a fazê-lo me contar tudo. Eu devia ter suspeitado antes, nenhum pai trataria os filhos assim, e... Park era um sobrenome tão comum, Park ChungHo talvez fosse uma coincidência.
Falando suas mãos já não tremiam tanto, oque me deixava com medo, com as mãos firmes ele conseguia acertar melhor, ele continuou:
-Quando o menino nasceu, houve uma festa. Uma benção logo depois do casamento! -ele deu uma risada de desdém. -E tiveram uma ideia magnífica. "Vamos convidar nossos melhores amigos para serem padrinhos do bebê".
Eu ouvia meu coração nos ouvidos, a cada instante a história ficava pior, e pior. Tentei forçar as mãos nas algemas um pouco, mas tudo que aconteceu foi o ferro gelado ferindo meus pulsos. Aliviei a pressão que eu fazia contra as pulseiras de aço e voltei a atenção para o meu sequestrador.
-Eu fui para todas as festas que fizeram durante a gestação. Fui nomeado padrinho do bebê. E quando ele nasceu, eu o visitei, levei presente. -ele olhou ao redor e seus ombros pareceram murchar. -Então minha melhor amiga, ficou viúva, da noite para o dia, literalmente. Durante uma viagem na madrugada que o marido fazia sozinho. Perdeu o controle da direção. Jimin só tinha dois anos.
Eu quis cuspir nele quando ouvi o nome do meu namorado sair dos lábios nojentos daquele homem, mas voltei a me controlar.
-MinJi me pediu encarecidamente, depois de dois meses, que eu firmasse um compromisso falso com ela. Para não parecer que estava sozinha. Fiz pelo bem da nossa amizade, por todos os meus segredos que ela guardou. -ele suspirou. -E os Park passaram a perna em mim, mais uma vez. Minha melhor amiga, me deixou pouco tempo depois. Vítima da depressão. -vi um brilho nos olhos dele, mas me neguei a acreditar que fossem lágrimas. -E uma carta! -ele riu e me encarou. Sim, haviam lágrimas ali, seus olhos estavam injetados de sangue como quem segura as lágrimas. -Ela me deixou a obrigação de ser tutor do filho dela de apenas três anos. Eu cuidei, aqui, nesse quarto. -ele apontou para o chão. -Eu dei tudo que ele precisava. Mas ele não me deixava ter oque eu queria! -ele gritou e se aproximou dois passos. -Eles queriam que eu me casasse, desse uma mãe ao menino que estava crescendo solitário! Agora eu tinha um filho, a sociedade me pedia uma esposa!
Encarei seus olhos de touro bem de perto. E então eu entendi seu ódio. Eu entendi porque ele ficou tão irritado com o pedido da amiga.
-Você, -eu comecei. -Não queria uma esposa não é? -ele continuou me encarando, esperando que eu respondesse por ele. -Queria... um marido?
Ele se afastou bruscamente. O revólver ainda balançando perigosamente nas suas mãos.
ChungHo riu.
-Você pensa rápido.
-Você exaltou muito a palavra "esposa". Então sua raiva do Jimin, toda essa palhaçada, é porque você não pode ter um relacionamento?
-Não era culpa dele. Jimin não movia a sociedade, mas... depois de um tempo, ele começou a cometer erros.
Me retesei na cadeira.
-Eu tinha um caso com um vizinho próximo. E um dia, o filho dele nos viu juntos, ameaçou contar para a mãe. -ele alisou o cano do revólver, como se pudesse imaginar o garoto bem ali. -E um dia... ele beijou o Jimin.
Com um choque, mais um pedaço da história se encaixou na minha cabeça.
-Você quer dizer que...?
-Eu bati no garoto com a desculpa que ele tinha abusado do Jimin na varanda. Os pais dele entenderam a desculpa muito bem, afinal, qual pai ficaria parado com uma coisa dessas?
-Você é doente.
-Faria o mesmo se estivesse na minha situação, Jeon.
-Agora, pode me contar por que maltratou o Jimin todos esses anos?
Ele pigarreou.
-Porque ele tinha tudo que eu não tinha.
Franzi a testa para ele.
-Jimin, era desejado por muitas pessoas, mas ele era inocente demais para entender as cantadas que recebia. Homens, mulheres, todos gostavam dele. Então, eu tive que puxar as rédeas. Ele entendeu quem mandava.
Apertei as mãos em punhos, com tanta força que minhas juntas esbranquiçaram, assim como ao redor dos meus pulsos quando as algemas apertaram. Ele relanceou o movimento e riu.
-Eu bati nele, porque ele pode ter qualquer pessoa em mãos, mas ele não precisa saber que pode fazer isso.
-Você roubou metade da vida dele, por que ele era feliz? -gritei. -Não se enxerga? Não entendeu ainda porque você, não tinha tudo isso? Não vê o monstro que você é?
Ele avançou em mim, voltando a tremer. Com o cano no meu peito, senti a pressão novamente, o medo tremendo meus ossos.
-Você devia me agradecer, Jungkook. -ele disse, rindo como um lunático. -Voce e sua mãe estariam morando debaixo da ponte se não fosse por mim. Eu paguei seus aluguéis, suas contas. Eu tenho uma esposa, e dois filhos agora. Entendeu?
-Já imaginava que fosse isso. -respondi, pressionando meu peito contra a arma dele. Era perigoso, mas ficar um pouco distante daria o mesmo resultado caso ele apertasse o gatilho. -Ninguém seria capaz de se apaixonar por alguém como você.
Ele se afastou um momento, senti um alívio no peito, ou a felicidade depois que uma enxaqueca passa. Ainda assim, quando o encarei ele parecia fora do controle. E então...
Um disparo.

VOCÊ ESTÁ LENDO
The Cure - Jikook
Fanfiction"Devíamos amar quem quiséssemos, não é? Pessoas são pessoas." Jimin vivia sob ordens de um pai rigoroso. Jungkook era seu meio irmão, livre para fazer suas escolhas e forçado a aceitar aquele segundo casamento da sua mãe.