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Foi fácil entrar na delegacia, olhar para todos aqueles rostos conhecidos e vê-los chocados com o novo acontecido. Eu tinha certeza que amanhã, ou depois, de algum jeito a notícia chegaria aos ouvidos de alguém e então sairiam em jornais e sites sobre o quase desastre numa cidadezinha de Busan.
Ao passar pela porta, imediatamente, olhares se voltaram para mim e meus amigos, muitos deles chocados. Atrás da mesinha de recepção, uma mulher -a mesma que tinha me atendido a dez anos atrás - derrubou o copo de café que trazia nas mãos e se apoiou na bancada se tremendo. Não vou mentir, achei bom essa reação dela. Todos ali deviam pagar pelo que tinham feito comigo. Fosse diretamente ou não, seus nomes seriam inclusos na minha lista de culpados.
Assim que chegamos, fomos divididos, cada um acompanhado de um policial. Fomos levados para salas de interrogatório. O policial que me levou até lá, abriu a porta e a segurou, com um gesto de cabeça, indicou que eu entrasse no cômodo. Ele também era conhecido, um pouco mais velho, mas eu lembrava dele.
Eu entrei na sala, me sentindo num episódio de Lei e Ordem. Contornei a mesinha e me sentei na cadeira, os únicos móveis ali. À minha esquerda, um janelão me refletia, mas como bem sabia, lá fora eles podiam me ver. O policial entrou no sala, com um suspiro, ele puxou uma cadeira lá de fora e a colocou de frente para mim. A porta deslizou sozinha e com um click se trancou.
Ele puxou uma pasta e a colocou sobre a mesa, provavelmente contendo meus dados. Pela sua expressão estava tão animado por estar ali quanto eu.
-Park Jimin. -ele disse. -Quem diria, dez anos.
Ergui o olhar para ele. Num broxe preso ao peito, indicava seu nome como "Luke". Pelo nome, e olhando agora com atenção, ele não parecia mesmo ser coreano, a começar pelos olhos azuis naturais. Me endireitei na cadeira.
-Não esperava me ver, suponho.
-Não. Pensei que tinha levado seus problemas para Seul. Mas acho que... tudo que é de Busan, volta para Busan, não é mesmo?
-Se pudermos ir logo ao ponto, estaria me fazendo um favor. Meu pai torturou meu namorado, e agora ele está no hospital, tenho que ir vê-lo.
Luke riu.
-Claro, claro. Vamos começar.
Ele abriu a pasta, a primeira folha revelava fotos da casa, o documento dela com o nome do proprietário. Mais um maço de papel se sucedia, creio que tinham muitas perguntas para mim.
Luke passou o dedo por cima da foto.
-A dez anos você saiu daqui, junto com o seu pai...
-Padrinho. -corrigi apressadamente. -Desculpe, não gosto que se refiram a ele assim.
Luke suspirou e fez que sim com a cabeça. Folheou os documentos e tirou três folhas dentre elas, com a minha foto na primeira.
-Continuando. Você foi embora com o seu padrinho. Por que?
-Não tenho como saber, eu tinha só sete anos.
-Na sua ficha, -ele se encostou na cadeira e olhou o papel de longe. -Consta que você já fez algumas denúncias, apenas uma delas foi atendida.
Balancei a cabeça.
-Sim. Você atendeu a todas. -cruzei os braços.
-Aqui não diz isso.
-Não importa, eu me lembro da sua voz.
-Só isso não adianta. -ele tinha uma expressão satisfeita no rosto.
Me inclinei sobre a mesa.
-Eu sei. Mas me faz bem saber que você sabe disso, e saber que um desastre quase aconteceu essa noite por sua causa, Luke. -cuspi o nome sem nenhum respeito, isso pareceu atacar o ego dele. -Se tivesse me ouvido, e o prendido naquela época... nada disso estaria acontecendo. Se tivesse me ouvido ao invés de tentar...
-Não ouse!
-Você tentou abusar de mim, sim!
-Isso é desrespeito à autoridade! -ele bateu as mãos na mesa e se levantou.
Me encostei na cadeira e dei de ombros.
-Não me importo. Vai ter que me ouvir, se não for aqui, vai ser com a polícia de Seul. O que prefere?
Ele tremia. Seus olhos piscavam repetidas vezes, ele olhou para o janelão, sem saber se tinha alguém lá fora nos ouvindo ou não. Eu ri. Não tinha pena dele, nem um pouquinho.
  Eu me sentia injustiçado por ter que aguentar um policial tão parcial. Podiam ter me mandado ser interrogado com alguém novo ali, alguém mais competente.
  Luke voltou a olhar para mim, mais recomposto. Respirou fundo e voltou a se sentar.
  -De novo, você me tira a paciência. Então você lembra daquilo.
  -Como poderia esquecer? Você é o pior policial que eu já vi. -eu ri e puxei a pasta para mim. Olhei a minha ficha. -Estou limpo com a polícia, sempre estive. Por que me sinto tão sujo? Será que foram as suas mãos que me infectaram?
  Ouvi ele puxar a respiração com força. Olhei sobre os papéis e o vi fechando as mãos em punhos.
  -Ande logo com esse interrogatório, policial Luke. -joguei a ficha na mesa, que caiu com um estralo. -Eu sai daqui com o meu padrinho, por um motivo que eu não conheço. Apenas suspeito que tinha sido por ter tido uma briga com o vizinho, o qual ele tinha um caso. Fomos para lá, ele começou a vida como advogado enquanto eu estudava, e nas horas vagas... -engoli em seco. -Era abusado por ele, psicologicamente e fisicamente. É suficiente?
  -Desde quando ele demonstra ódio pelo seu namorado?
  Ele disse a última palavra com a repulsa de quem nega tomar água de esgoto.
  -Desde que percebeu que tínhamos interesses um no outro.
  -Pelo que diz aqui, o menino é filho da atual esposa do seu padrinho.
  Luke parecia finalmente estar interessado no caso.
  -É verdade.
  -Namorava com o próprio irmão, Jimin-ssi. -Luke lançou um olhar malicioso para mim. -Você é mais interessante que pensei.
  -Você me dá nojo.
  Ele riu.
  -Vejamos... Ah! -ele parou o dedo sobre uma informação. -Seus pais...
-Você já sabe oque aconteceu, não vamos falar sobre isso.
O policial deu um suspiro cansado e balançou a cabeça.
-Só me conte tudo que sabe.
Comecei a falar. O início, de quando comecei a viver com ele, a mudança, e até o comportamento dele em casa. Falei sobre como ele era contra eu me relacionar com qualquer outra pessoa. Até que parei. Eu estava contando tudo para alguém que havia se aliado ao meu pai no passado.
  O fitei sobre a mesa. Ele ergueu os olhos para mim e franziu a testa.
  -Por que estou lhe contando isso? Você era amigo dele. -eu falei. -Posso ter outro policial?
  Ele balançou a cabeça.
  -Pode. Quero que saiba que não fui ou sou amigo dele. -ele se pôs de pé e foi até a porta. A abriu e enfiou a cabeça para o lado de fora. -Sun! Por favor, venha aqui.
  Um momento depois, uma policial entrou na sala. Essa parecia mais simpática, com as roupas de policial espremidas no corpo, não parecia muito confortável. O cabelo castanho preso, imaculado, atrás da cabeça. O rosto rechonchudo, a respiração arfante. Ela bateu continência e Luke gesticulou com a cabeça para que ela fosse até mim, mas antes de ir embora, ele se virou para mim. Os olhos azuis ferventes. Ele apontou para a pasta no meio da mesa e disse:
  -Perdoe o mal entendido, Park. Nunca foi a minha intenção. Me avisaram que você era de inventar mentiras, por isso só o atendemos uma vez. -ele ignorou a porta aberta e a policial que tomava fôlego sentada a minha frente. Deu dois passos na minha direção e parou. -Não estou pedindo perdão por mim. Só não quero que tente fazer justiça por algo que não vale a pena.
  Olhei seu rosto por um instante, que pareceu se contorcer de raiva para medo em um minuto. Acho que naquele instante ele considerou a minha ameaça como um meio de perder o emprego.
  Meu primeiro pensamento foi: Bem feito.
  O segundo pensamento foi: Jungkook está me esperando.
  O terceiro foi: Engano uma merda.
  Sorri para Luke, que não retribuiu, mas permaneceu parado no meio da sala de interrogatório.
  -Sim, entendo que foi um mal entendido. -eu disse, o cinismo vazando pelos meus poros. Apoiei os cotovelos na mesa e pousei o rosto nas mãos. -Só peço que reflita nos seus enganos. E se foi realmente inteligente comete-los. Não sou vingativo, nem tenho força para tanto, Policial Luke. Mas uma vez que se da um peteleco numa peça de dominó... -fiz o gesto de peteleco no ar. -'Toooodas' caem juntas.

The Cure - JikookOnde histórias criam vida. Descubra agora