No final das contas, eu não assisti um pedaço do filme que eu tinha votado para assistir. A conversa com Yoongi tinha sido chocante, e não saia da minha cabeça a expressão dele ao dizer sobre uma clínica psiquiátrica. Porém, mais que isso, não saia da minha minha cabeça os motivos que o meu padrinho teria para me mandar até lá, e ainda me dá o nome de um paciente. Essas questões martelaram minha cabeça enquanto os meninos riam do Adam Sandler em Gente Grande.
Quando o filme acabou, Jungkook parecia exausto e me puxou para o quarto novamente. Assim que chegamos lá, ele me beijou e desabou na cama. Às onze, já estavam todos na cama, ou era oque eu imaginava. O trio não parecia ter hora de dormir, tinham até escolhido outro quarto longe do nosso, talvez porque suas noites fossem muito animadas (como? Deixo para sua imaginação). Jungkook com a perna enfaixada não deitava de frente para mim, então eu o abraçava por trás todas as noites desde a volta do hospital.
As horas foram passando, a madrugada chegou e eu ainda estava de olhos abertos no escuro, sem saber oque tanto me incomodava. O quarto parecia um forno apesar do ar-condicionado. Minha garganta ressecava a cada dez minutos após eu tomar água e o sono não chegava nunca. Eu não tinha discutido com o Jungkook, nem me sentia intrigado sobre as questões do hospital, já que eu só descobriria as respostas se fosse lá. Vasculhei na minha mente oque poderia ser, até que eu fui levado pelas memórias ao dia da volta para casa, e de lá para o hospital e as noites sem dormir por estar preocupado. E então caiu a ficha. O sentimento ruim era tristeza, o choro que eu tinha reprimido todos esses dias por sempre estar com muita gente ao redor. A algum tempo, eu não me importaria, mas ultimamente eu tinha que ser a voz e os atos do Jungkook, já que ele estava se sentindo fraco. Eu que resolvia seus problemas. Eu estava cansado, sufocado, e entrando em pânico. Apertei os olhos e enfiei o rosto nas costas dele. Respirei fundo tentando me acalmar, ou explodiria em emoções bem ali, de um jeito que eu não queria que ele visse. Jungkook estava contando comigo, não podia decepciona-lo.
Com um movimento rápido, tirei os lençóis sobre mim e me levantei, calcei as pantufas - já que o clima deixava tudo como pedras de gelo - e corri para a varanda. Lá fora estava frio, e estaria mais caso eu não estivesse de moletom como pijama. Mesmo assim, me apoiei no gradil e fechei os olhos. Em outro momento, seria fácil como respirar para que as lágrimas se libertassem, mas agora, depois de um tempo tentando sempre ser forte, parecia que eu não tinha recebido permissão para isso. Me concentrei e lá estavam elas. Poucos minutos depois e eu estava desabando em lágrimas. Não sei ao certo quantos minutos fiquei ali, soluçando, com as lágrimas secando no vento gelado. Elas desciam pelo rosto e pelo pescoço, eu soluçava como a tempos não fazia, aquela falta de ar difícil de voltar a respirar bem de novo.
Eu já me acalmava depois de alguns instantes, puxando o ar para os pulmões, oque certamente me faria pegar uma gripe depois. Eu sentia meus olhos inchados e o peito com uma sensação gratificante de liberdade. Mal ouvi, por estar focado em respirar, mas o trinco da porta estalou e a porta abriu de novo. Me virei, enxugando o rosto com os punhos do casaco. Jungkook estava de pé à porta, e tinha em mãos um cobertor amarelo enorme, o meu cobertor. Sorri para ele, que não parecia surpreso com o meu choro, até sorria de leve.
-Já colocou todas as lágrimas fora? -ele perguntou se aproximando e colocando o cobertor ao meu redor. Ele o passou pelos meus ombros e me apertou ao juntar com força as extremidades do cobertor. -Ou tenho que ajudar ainda?
-Coloquei elas para fora. -eu disse num suspiro, como se houvesse corrido uma maratona. -Sabia que eu ia fazer isso?
-Sabia. Você foi muito forte essas semanas, yaegiya. Uma hora você estaria cansado. -ele ergueu a mão e passou os dedos sob os meus olhos. -Volte para o quarto, está frio.
Entramos no quarto e ele fechou a porta. Lá dentro, mesmo na escuridão, estava agradável e morno, ele devia ter ligado o aquecedor. Me sentei na cama e cruzei as pernas, ele sentou na minha frente, mas com a perna enfaixada esticada na cama e a outra dobrada.
-Quer conversar? -ele perguntou meio descontraído. -Acho que você tem muita coisa para me dizer ainda.
Balancei a cabeça dizendo que sim.
Era uma coisa comum de casal ter uma conversa séria vez ou outra. Mas no meu caso era uma conversa muito séria. Sob o cobertor, minhas mãos chegavam a tremer.
-É, precisamos conversar. -falei. -Sobre... uma coisinha que aconteceu, faz um tempo já.
Jungkook franziu a testa para mim.
-Pensei que fosse falar do hospital.
-No momento isso é só uma consequência. Porque oque eu estou sentindo é muito mais profundo que isso, e já faz muito tempo. Então eu tenho que falar.
Ele apenas assentiu. No escuro eu não conseguia ver os seus olhos, nem ele os meus eu esperava. Assim era mais fácil, como enviar uma mensagem de texto.
-Ainda é sobre o dia do cano.
Ele pareceu surpreso.
-Parece que foi a anos.
-Parece. -me apertei mais nos lençóis. -Naquele dia eu te disse que nunca te deixaria e você chorou muito quando eu te abracei, antes disso também. Eu nunca tinha feito ninguém chorar daquela forma.
Jungkook balançou a cabeça me incentivando a continuar.
-Claro, eu mantenho minha promessa que eu nunca vou te deixar.
-Mas...
-Mas nada. Não vou. É que, você já deve saber que eu menti para você naquele dia.
Ergui a cabeça. Ele concordava, como se nada o surpreendesse mais uma vez.
-Por isso que eu chorei ainda mais, Yaegiya. -ele disse. -Eu te olhava e sabia que estava mentindo.
Meus olhos começaram a lacrimejar novamente, tentei ser forte, mas naquele momento estava difícil demais. Não sei porque eu tinha decidido aquele momento para contar, talvez se ele tivesse continuado a dormir eu teria desistido.
-Aquele era o dia que eu planejava ir embora. -tentei dizer com mais suavidade possível. -E um dia antes eu tinha te dado a estrelinha.
Ele agora me olhava confuso.
-Aquela estrelinha. Tem uma carta dentro dela. Perto do zíper. Nela eu estou me despedindo de você, dizendo coisas... horríveis, que eu não quero que você leia nunca.
Ficamos em silêncio. Eu sabia que ele poderia estar de duas formas: Decepcionado ou com raiva. Quando ele falou, suas palavras acertarem meu rosto com dois tapas fortes.
-Você ia me deixar mesmo.
Foi simples, só uma frase. Com o peso de uma bigorna no meu peito.
Olhei para ele. Jungkook estava chocado. Olhos cheios de água, testa franzida, e sua boca tremia no canto.
-Você ia desistir da gente, me refiro a todos.
-Yaegiya, eu tentei pegar a carta de volta, mas nunca tive oportunidade.
-Jimin, não entendeu que eu não ligo para porcaria de carta nenhuma? -ele soou ríspido, então tratou de se aproximar, enfiou os braços sob o cobertor e pegou minhas mãos. -Pode achar que eu não te conheço, Jimin, mas eu conheço muito bem, por ler cada entrelinha do que você fala. -uma lágrima escorreu. -Você, ia entrar naquela banheira e ia ficar lá para sempre. -Nesse momento, imaginei se ele ouvia meu coração quebrando ou... só chorando. -E eu nunca, iria aceitar que você foi embora sem se despedir de mim. Eu nunca ia me perdoar por não ter te ajudado.
-Mas isso não era sobre você, eu sei que é difícil de entender, mas eu estava me pondo em jogo. -meu choro voltava a fazer um bolo na garganta. -Eu queria fazer aquilo, mas de último momento eu pensei em você.
Ele me encarou. Escuro no escuro. Tínhamos apenas a luz externa, e nos víamos minimamente e, ali, onde as palavras eram as que mais importavam, meu coração se enchia delas.
Jungkook fungou e deu de ombros.
-Eu estava no show, e antes de entrar em casa eu parei para conversar com o Hoseok Hyung. Saí de lá diretamente para casa. Vamos dizer que eu não tenha chegado a tempo. Que naquele dia eu tenha saído com os meninos para comer. -ele abaixou a cabeça, vi ele limpando as lágrimas que eu não conseguia ver. Ele fez uma pausa e levantou o rosto. -Onde você estaria agora, Jimin?
Minhas palavras sumiram, porque eu não queria dizer aquela específica, a que o responderia de verdade. Então eu voltei a chorar, me tremendo, sentindo os músculos do braço retesarem na vontade de me arrancar os cabelos e surtar de vez. Ele passou os braços à minha volta e me apertou. O abracei como se ele fosse a única forma de me fazer respirar, passei os braços pelos seus ombros e agarrei com a mão o tecido nas suas costas. Eu me tremia por completo, mesmo que as lágrimas já não caíssem mais. Eu arfava e tentava me concentrar para não ficar louco.
-Yaegiya, calma. -ele sussurrou. -Me perdoa, eu não devia ter perguntado isso.
Só balancei a cabeça, ainda não era capaz de responder. O tempo passou e a tremedeira foi sumindo, aos poucos eu me sentia bem o suficiente para ficar sentado longe dele, não em cima como eu estava. Voltei a ficar de frente, mas ainda não o olhava.
-Eu sou um idiota. -ouvi ele murmurar ao passar os dedos nos meus cabelos. -Desculpa. Eu fui muito...
-Sincero. -completei. A voz finalmente tomando forma. -Você foi sincero comigo sobre isso. Diferente de mim.
Passei as mãos no rosto e ri sem graça para ele.
-Mas uma coisa que eu percebi nisso, foi o seu ódio.
Ele franziu a testa e piscou.
-Ódio?
-Você está falando sobre me conhecer, mas eu também conheço o meu namorado. E eu sei quando você está com raiva.
Ele ficou sem expressão. Por um instante me vi com medo da reação dele. Jungkook olhou para o lado de fora e riu, o tipo de risada de um pensamento ruim, mas óbvio.
-Acha que te perder não é o suficiente para me deixar com raiva?
-Mas você não me perdeu. Você me trouxe de volta, então qual o problema?
Ele estava inquieto.
-Não tem problema.
-Tem. -me aproximei e o segurei pela gola da camisa, ele arregalou os olhos. -Não estou pedindo para me contar todos os seus segredos e memórias, estou pedindo para me dizer porque gritou comigo.
Jungkook tinha um personalidade fofa e forte. Era teimoso e adorável. No momento eu via que ele fazia força para não me contar algo, sua teimosia era irritante. Mas quando seus ombros relaxaram e ele cedeu a mim, parecia novamente apenas um adolescente bonito e sozinho.
-Não gritei com você, em primeiro lugar. Em segundo, eu amo ter você aqui, ter você comprometido comigo é ótimo, mesmo com todas as burrices que já passaram pela sua cabeça de melão.
Baixei o olhar e ele me trouxe de volta.
-Mas a minha vida, Jimin, não começou quando seu pai se casou com a minha mãe.
Franzi a testa para ele. Pelo visto todos tínhamos segredos.
-O que quer dizer? -perguntei.
-Quero dizer que não pode pensar em mim como um pessoa sem passado. Estudamos juntos desde sempre, nos vimos quase todos os dias. -ele sorriu fraco. -Eu não percebi quando chorei enquanto esmurrava a porta do quarto. Não consegui aguentar quando prometeu ficar comigo. E quando ele ameaçou te levar, eu me entreguei por não suportar te imaginar em perigo. Muitas coisas já aconteceram comigo, e eu não pude parar elas, então eu decidi que seria diferente.
-Nós protegemos quem amamos.
-Mesmo se formos orgulhosos?
De novo, suas palavras não faziam sentido para mim, mas ele estava tentando me contar alguma coisa.
-Eu passei grande parte da minha vida, sendo duro comigo mesmo. Nem sempre eu fui atencioso com as pessoas como fui com você. Eu não ligava para os outros, contando que eu estivesse bem, e que eu saísse na frente dos outros. -ele suspirou. -Então um dia eu chego da escola. Isso, um dia depois de ter tido a pior briga com os meus pais, por ter sido grosso com a minha avó. E na porta eu ouço um barulho de água.
Ele se calou quando a voz quebrou. Vi o brilho nos seus olhos quando desviou o olhar. Me aproximei. Jungkook estava prestes a chorar mais uma vez e isso parecia ser difícil para ele.
-Eu cheguei no corredor e ele estava inundado.
-Se não conseguir dizer, está tudo bem.
-Eu vou dizer. -ele balançou a cabeça com veemência e passou as mãos no rosto. -Eu encontrei meu pai. -seus lábios tremeram, e logo meus olhos também estavam molhados. -Tinham papeis de dívidas em todos os cantos do banheiro. Pílulas, e ele estava dentro da banheira. Como se tivesse adormecido lá.
Minhas mãos tremularam e eu me ergui para abraçá-lo, aquelas palavras tinham custado a sair, ele devia estar cansado. Ouvi o suspiro de alívio sair da sua boca quando seus braços agarraram a minha cintura.
-Você ia fazer a mesma coisa. -ele disse. -Mas eu te parei. Eu cheguei na hora certa. Pelo menos uma vez.
-Eu... não consigo te dizer nada.
-Não diga.
Ficamos em silêncio, abraçados, ressentidos. Eu estava chocado e ele parecia ter aliviado um peso das costas. Era verdade oque ele tinha dito; "A minha vida, Jimin, não começou quando seu pai se casou com a minha mãe". Eu nunca tinha pensado nisso, mas era verdade, assim como eu, ele tinha muita coisa guardada. Talvez eu tenha sido o egoista da vez.

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The Cure - Jikook
Fanfiction"Devíamos amar quem quiséssemos, não é? Pessoas são pessoas." Jimin vivia sob ordens de um pai rigoroso. Jungkook era seu meio irmão, livre para fazer suas escolhas e forçado a aceitar aquele segundo casamento da sua mãe.