Capítulo 2

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Malas prontas, mãe com os olhos cheios de lágrimas e pai com o peito estufado de orgulho. Os dois fazem questão de me levar até a porta do Centro de Treinamento. Serão 2 anos de curso de treinamento, o primeiro geral e no segundo específico para a área que nos for designada com poucas oportunidades para vir para casa. Não tenho preferência nem exigências, o que vier está bom, não tenho mais sonhos, não crio expectativas.

Já no primeiro dia somos testadas e obrigadas a nos apresentarmos em fila com a mala e tudo no pátio sob um sol que fica cada vez mais quente. Eu estou com meus tênis confortáveis, calça jeans, camiseta e o cabelo em um rabo de cavalo com minha mochila nas costas e não me incomodo com o calor na primeira hora, diferente de algumas que vieram de salto alto e maquiadas como se fossem para uma festa.

Na segunda hora a perna começa a doer, a boca ficar seca e as que antes estavam em agonia agora começam a pensar em desistir. Eu não tenho para o que voltar, vou comer o pão que o diabo amassou rindo com o rabo, mas vou ficar.

Somos 150 mulheres das mais diversas áreas de formação e teremos que nos aturar. Como sempre, me destaco no grupo. Não bastasse ser grande, sou uma das poucas negras. Depois de 3 horas ali no sol aparece um oficial, sua postura e patentes denunciam.

- Tenham um bom dia senhoritas. Aquelas que se prepararam para uma colônia de férias lamento dizer que vieram ao inferno. Não pensem que o fato de ser mulher lhes garante vantagem, aqui são todos militares. Espero que estejam preparadas, pois apenas os realmente preparados conseguem finalizar o treinamento. Aqui não tem papai nem mamãe, aqui não tem empregados e se quiserem suas camas feitas, armários arrumados e banheiros limpos deverão trabalhar para isso. Espera-se das senhoras que se apresentem sempre com seus uniformes limpos e passados todos os dias às 07 da manhã ou antes se o oficial do dia assim decidir. Nenhuma desculpa será aceita e, a menos que tenha morrido, toda desobediência será castigada. Fui claro?

- Sim Senhor! - respondeu o pelotão.

Depois dessa introdução nada intimidadora fomos todas encaminhadas para a expedição aonde buscamos nossos uniformes. Nada demais, apenas dois uniformes de ginástica, dois comuns e um de gala. Meu pai, desde que me inacrevi na prova me deu dicas e mais dicas, por isso já sabia que não ia usar muita roupa. Estou focada e pretendo me destacar positivamente.

Quando estava entrando no alojamento fui empurrada e cai sobre outra nenina que estava na minha frente. 

- Não enxerga por onde anda não? - disse a menina em cima de quem cai.

- Desculpe mas fui empurrada. - quando me viro para saber o que aconteceu vejo uma menina de óculos, toda atolada com a mala, bolsa, uniforme e livro, provável causa da minha queda. Não fosse o apuro em que ela estava e a série de impropérios que a outra atingida falava eu riria da situação.

-De ..de ..desculpe! - Diz uma menina visivelmente constrangida da porta.

- Pronto!Além de cega é gaga. Troca esse fundo de garrafa minha filha. Quase quebrei meu celular por sua causa. - reclama a patricinha.

- Calma, ela se desculpou. Coitada!  - digo para a patricinha.

- Coitada nada! Não é a toa que não me misturo com qualquer pessoa.-diz a patricinha se dirigindo para outro alojamento. Assim que ela sai bufando não consigo me segurar e acho graça do mal humor dela.

- Muito prazer, me chamo Alessa e você?  - digo

- Taiane. Prazer. Desculpe. - diz ela ainda envergonhada.

- Relaxa, pelo menos você me fez um favor, me livrou daquela. Já pensou ter que aturar aquela 24 horas por dia? Fica a vontade.

Entramos no alojamento e escolhemos camas próximas. - Obrigada por me defender. Não é sempre que isso acontece. Na verdade nunca aconteceu. - diz Taiane.

- Sei como é. Estou acostumada com pessoas desse tipo. Uma vez me deixei humilhar, mas hoje não deixo mais. Nem ela, nem ninguém.

- Queria ser forte como você.

- Será. Se quiser posso te ajudar.

- Claro que quero. - assim dito, começamos a arrumar nossas roupas nos armários. Não temos muito tempo pois já começará nossa primeira aula teórica. Pegamos nosso material e fomos embora.

A primeira aula não foi melhor do que a recepção. Se você acha que professor do Ensino Médio é rui tem que ver os daqui. Simpatia ninguém sabe o que é. Pena de aluno? Nenhuma. Saímos da sala com uma lista de duas páginas de livros para ler durante o mês. Sorte que gosto de ler e estou acostumada com uma batida mais puxada.

Sabe aquela competição boba de ensino médio de quem tira nota maior, quem é mais isso ou aquilo. Aqui não existe isso, estamos todas lascadas. Pelo visto Taiane é do tipo nerd, como eu. Apesar de ser grande, tanto em altura como em largura, tenho uma preparação física razoável e consegui passar nas provas físicas. Não sei como é com a Taiane, mas se for o caso podemos nos preparar juntas.

Almoçamos, voltamos para a aula e a noite fomos juntas para a biblioteca. Não vou deixar para acumular matéria e ficar desesperada. Do jeito que o povo é, é capaz de ter prova surpresa. Se não fosse para estudar ou malhar o que faria também? Maior parte das meninas estão vendo novela ou conversando. Poucas estão conosco aqui na biblioteca e no final da noite já estamos estudando juntas. Pelo visto somos as quatro deslocadas, mas isso não me incomoda. Não é diferente da escola.

No primeiro mês estabelecemos nossa rotina de estudo e exercícios. Acordamos cedo todos os dias para corrermos antes do café da manhã, café da manhã, preparação física, almoço, aula teórica, academia, jantar e biblioteca. Aos finas de semana, como não temos aula, nesse tempo livre falamos com a família e amigos e treinamos. Tenho ajudado as outras 4 com luta, Nádia nos ajuda com armas, Taiane é fera em computador e não tem coisa que ela não faça, quando o negocio é leis corremos para a Daniele.

Nenhuma de nós fala muito sobre si e estamos todas focadas em finalizar com êxito nosso curso de formação. De certa forma, podemos nos considerar amigas. Após um feriado em que muitas foram para casa, o professor surpreende à turma:

- Boa tarde senhoritas. Estamos retornando de uma feriado prolongado e as senhoras tiveram bastante tempo livre, por isso puderam colocar em dia seus estudos correto?  - o silêncio era sepulcral na sala e algumas estavam de olhos arregalados. - Assim sendo, faremos agora nossa primeira avaliação. Apenas lápis e caneta sobre a mesa, lembrando que qualquer tentativa de cola será punida com expulsão assim como qualquer desempenho abaixo do mínimo.

Foi assim que nosso grupo reduziu de 150 para 100 em uma tarde.


Do meu tamanhoOnde histórias criam vida. Descubra agora