Capítulo 36

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Ah, mas eu saí macha daquele banheiro. Pedi todas a notas de todas as alunas matriculadas. Para não me cegar pela raiva, comecei a analisar as notas das alunas novatas. De cara notei discrepâncias enormes. Alunas que iam capengando no final do ano milagrosamente se recuperavam e algumas que iam maravilhosamente bem tiravam notas ridículas. 

Fui até a secretaria e pedi as provas da turma nova. Ainda bem que uma das novas diretrizes era armazenar as provas por até 5 anos. Com elas em mãos comprovei o que pensava ser impossível: as notas eram descaradamente trocadas.As devolvi ao arquivo e perguntei quem digitava as notas e descobri que um dos professores mais antigos e de maior patente do departamento fazia questão de fazê-lo, mesmo tendo muitos abaixo dele e capazes de fazê-lo.

Isso teria que acabar, mas apenas aquelas evidências, por mais fortes que fossem, eram frágeis demais para fazer cair alguém com a patente dele. Tinha que reunir mais provas e testemunhos, mas como? Eu tinha que dar um jeito. 

Voltava para minha sala pensando em como conseguir essas provas  quando escutei um choro abafado.  Apurei meus ouvidos e segui o som até um canto. Uma aluna se debulhava em lágrimas, o que é extremamente normal nessa fase do curso, mas aquela aluna em especial eu conhecia e sabia que ela só choraria por algo realmente sério. 

Ela não era uma aluna que se pudesse considerar como a mais inteligente da turma, nem tão pouco a mais fraca. Investiguei certa vez sua vida e ela veio de uma família desestruturada. O pai abandonou a mãe etílica com 3 crianças pequenas para viver com uma nova família e não dava sequer uma pensão e quando dava a mãe a gastava em bares. Desde cedo a menina assumiu os irmãos mais novos e até a mãe trabalhando com bordados, pequenas costuras e depois bolos e doces para fora. Passou no limite da idade e continua ajudando a família com seu soldo. A irmã do meio seguiu seus passos e com isso a situação poderia melhorar na casa, não fosse o irmão mais novo seguir o caminho da mãe que encontra-se visivelmente mal de saúde.

- Olá Eliza, tudo bem?

- Desculpe Tenente, tudo bem sim. - respondeu ela tentando me convencer e falhando miseravelmente. 

- Sua mãe está bem? 

- Sim senhora.

- Recruta Eliza, me acompanhe até minha sala, por favor. - tinha uma ideia. Se eu tivesse que buscar uma aliada essa seria ela. Saí em direção minha sala com ela ao meu encalço. Tranquei a porta e baixei todas as persianas pedindo à minha secretária para me deixar conversar com a recruta. Peguei suas notas que ainda não havia analisado já que ela estava no 2º ano e foi como imaginei, a nota dela estava a reprovando. Apesar de ser uma aluna mediana, ela sempre passava com uma folguinha e sua última nota havia despencado.  

- Me conte o motivo de seu choro. - já imaginando o motivo.

- Por favor Tenente, não foi nada. 

- Eliza, deixa te contar um pouco da minha história. 

Contei a ela um pouco das dificuldades que enfrentei aqui durante meu curso de formação, durante algumas operações e principalmente agora no corpo diretivo. 

- Você está vendo como não é fácil para alguns se manter fiel a si mesmo? Se não fossem os amigos que fiz e as pessoas que ainda acreditam na verdade certamente não resistiria. Eu acredito na verdade e sei que está tendo algum problema. Na verdade, acho que até já sei qual.

- Tenente, minha família depende de mim, não posso mexer com pessoas grandes.

- E essa pessoa grande seria o Professor Amadeu? - ela nem precisava responder. Os olhos arregalados e o choro diziam tudo. Depois que a acalmei contei que estava investigando e descobri que ele trocava a nota de algumas alunas para obter alguma vantagem, mas que precisava de muito mais do que uma desconfiança para levar adiante.

- Ta vendo? Se você não pode fazer nada imagina eu? 

- Calma, sozinha não posso mesmo não, mas juntas podemos. Se você pode me ajudar nenhuma menina terá que passar por isso nunca mais. 

- Mas como? - estava no papo. Agora sabia que teria a ajuda dela e mal sabia ela que seria a sua primeira missão infiltrada. 

- Primeiro me conte tudo que aconteceu com você, depois teremos um plano. Considere isso uma aula prática grátis.

À medida que ela me contava mais enojada eu ficava. Ela contou que no ano anterior o professor assediou uma aluna amiga dela e que a amiga tentou fugir de todo jeito e enrolá-lo e o fez bem até o começo do ano, mas quando ele se cansou de esperar a agarrou e só não abusou da aluna porque ela havia ido atrás da amiga e a ajudou se livrar dele. A amiga deixou o Exército depois disso, mas para Eliza essa não era uma opção e assim o professor prometeu se vingar e tentava sabotá-la de todo o jeito e hoje ele havia na sala de aula lhe jogado uma indireta dizendo que para sobreviver nos Exército, as mulheres deviam saber qual era seu real lugar. 

- Me lembro de uma recruta que do nada saiu. Lembro bem. Foi estranho, mas agora sei bem o porquê. Alguma vez ele mandou alguma mensagem ou e-mails para você ou sua amiga? 

- Sim, ele sempre mandava mensagens para ela,mas não sei se ela ainda tem e para mim ele mandou sim, uma única mensagem jurando fazer da minha vida um inferno por ter me metido nos seus assuntos. Temi por minha vida,mas não a apaguei sem antes guardar um print.

- Perfeito! Preciso que você entre e contato com sua amiga e marque com ela hoje a noite nessa confeitaria. Pode convidar qualquer menina que tenha passado por algo parecido e que você confie. Quanto mais depoimentos melhor.

- Não sei se ela vai querer ir, mas vou tentar.

- Você tem que conseguir. Considere missão dada e missão dada...

- É missão cumprida. - respondeu ela resoluta.

Ai que raiva! Passei um olho somente nas notas de todas as alunas e fiz uma lista de meninas que possivelmente desagradaram o professor Amadeu e tiveram suas notas reduzidas e outra lista com as que tiveram suas notas milagrosamente melhoradas.

Passei a lista das meninas que Eliza deveria abordar e precisava pensar em como obter o depoimento das meninas que cederam a ele. Certamente elas não se entregarão nem falarão a respeito, mas quem sabe apenas o depoimento das meninas já fosse o suficiente para suscitar a dúvida no Comandante. Se fosse o caso, já sabia como fazer justiça. 

Liguei para Ana e Léo avisando que hoje voltaria tarde para casa. Ana me tranquilizou e Léo prometeu colocar as crianças na cama. 

Não iria demorar, eu acho. 





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