Depois da reunião acredito que não sou o único que está varado de fome. Ainda mais nós que estamos no propósito de jejuar todo domingo de manhã pela vida espiritual.
Mas não posso esquecer de participar da roda dos jovens!
— Recadinho, aqui, galera — grita a obreira Bia. — Essa semana vamos começar a ensaiar a peça de teatro pro Cultura Day, quinta-feira às cinco da tarde em diante, certo?
Há uns vinte jovens na roda, dos quais metade dá atenção para a obreira. Três saem com seus pais embora e os jovens mais firmes só olham de lado enquanto a obreira continua com os recados.
— Hoje a tarde vamos atrás dos afastados, às três horas, certo? E, é claro, Terapia! Todo mundo aqui quinta-feira, hein?
Tudo bem, tchau, pessoal. Foi uma ótima reunião. Voltarei para casa pensando no que o pastor falou. Será que minha vontade morreu mesmo? Mas também não vou me cobrar tanto, pois se eu for deixar minha vontade totalmente morta, como fica a minha vontade de ser salvo? Então não verei como ter de deixar minha vontade morrer por completo, e sim as vontades que fazem mal.
Já é bastante coisa para se pensar. Coloco meu pé para fora da porta de vidro que dá para a avenida. Uma voz me chama e me sinto obrigado a parar para atender. Afinal, como parte do projeto, devo explicações à líder do grupo. Só vou ouvir o que ela tem a dizer. Não estou a fim de conversar com ela. Com nenhuma menina.
— Por que você não pegou o convite pra quinta?
Fico quieto e solto um sorrisinho.
— Pega aí, rapaz! Pára de dar mole.
— Não tô dando mole, obreira. É que, não sei, terapia...
— Meck, não desiste não. Você não tem o sonho de casar?
Outro sorrisinho de minha parte. Nenhuma palavra.
— Vem sim, Meck. Deus vai te honrar, pode ter certeza. Não fica assim não só porque você tá sem namorada. Vem que você vai se preparar pra quando Deus te enviar a abençoada!
Essa coisa que não desce na minha garganta. Uns dizem que Deus vai me enviar a abençoada na hora certa, e outros dizem que não existe hora certa e Deus não é agente de namoro pra enviar alguém. Até por isso não quero mais vir na Terapia, pois cada pastor fala algo diferente.
— Toma! — A obreira pega minha mão, e tento não sentir a seda que é sua pele suave quando ela abre meus dedos e coloca o convite da Terapia à força. — Você vai vir sim! E se puder, vem hoje evangelizar, certo?
Ela ergue o polegar e sorri para mim, e aceno com a cabeça. Ela volta para falar com uma jovem nova e eu vou para casa só. O cuidado dela me faz esquecer a pregação do pastor. E para esquecer o toque começo a pensar em qualquer coisa: desenhos, filmes, músicas, roupas... Até finalmente lembrar a palavra quando chego na rua de casa.
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Quantas dúvidas
General FictionOs primos Felipe e Bruno tentam vencer os próprios defeitos ao lado de Bia, a obreira perfeita que abre mão da própria felicidade para ajudar os outros, apontando seus defeitos. Seus velhos amigos Meck e Valéria pensam estar bem, mas com as dificuld...