82 - Bruno

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Credo! Estou parecendo o Meck nesses últimos dias! Só faltam os óculos e as unhas grandes.

Não, eu não aceito essa situação. Até quando serei tratado como inferior nessa escola por causa da minha fé? Faltam apenas algumas semanas de aula, mas será que posso suportar ficando assim, no meu cantinho?

— Bruninho, para de ser orgulhoso.

Dani senta do meu lado na cantina. Nem o Gabriel veio lanchar hoje, o que me deixa só com ela. Mas o que pode acontecer de mais?

— Não liga pro que o professor tá fazendo. Ele quer que você mude o que pensa, mas não precisa. Cada um pensa de um jeito. Eu também não concordo com o que ele faz. Nossa, temos tanto em comum!

— O principal não temos: a fé — respondo brutalmente.

Ela não se incomoda. Apenas vem mais perto, praticamente encostando em mim, o que atrapalharia meu lanche se eu estivesse realmente com fome. Esse é o pior sinal de que estou mal: sem fome!

— Eu também não tomei — ela diz com os olhos em mim.

— Sei, vi na sua mesa aquele dia. Parabéns.

— Vamos denunciar o professor? Só nós?

— Não adianta.

Tento continuar o lanche sem falar, mas ela não me deixa quieto. Pelo menos tem mais uma pessoa que se importa comigo. Mesmo tendo um interesse que não me interessa. É como antes, quando eu não trazia a fé à escola, ficava à vontade com todos, e até ria das piadas. Era ótimo para mim, mas não para minha salvação. É difícil manter uma linha de pensamentos com a Dani falando sem parar. Que menina chata; pior que minha irmã!

As amigas dela chegam e começam a rir como patricinhas. Riem de nós: eu e Dani. Ao percebê-lo, deixo o prato e me levanto. Uma mão pousa no meu ombro.

— Parabéns, Bruno — diz o professor. — Curta seu momento, depois se veja com o castigo do seu deus.

— Ah, meu, fica quieto, professor. Cala a boca!

Só de revolta eu ignoro todas as vozes e continuo o que ia fazer. Dani não acredita no que está acontecendo e desmaia para cima de mim. Enquanto a seguro, Igor bate palmas e as meninas arfam preocupadas.

— Ainda vou pra igreja desse cara! Ele pega todo mundo lá e agora aqui na escola também! — diz Weslei do outro lado da cantina, com Caio e seu grupinho.

Apesar dos aplausos e gritos eufóricos de meus colegas que veem a cena de longe, meu coração fica quebrado. Não por medo do castigo de Deus, pois sei que ele não vai me castigar, ele é meu pai. Corro para o banheiro.

— Olha lá, não aguentou a menina em cima dele e vai bater uma pra aliviar — Caio grita para que todos caiam na gargalhada.

Entro e tranco a porta. Só eu e Deus. Mal me ajoelho e a água da privada já forma pequenas ondas pelas lágrimas que derramo.

Meu Deus e meu pai amado, socorro! Não sei como agir. Nem sei como orar, meu pai. Ô, meu pai, me tira dessa. Só quero terminar logo essa escola para poder ir à faculdade e me tornar ator para poder te servir, meu pai, seja nos teatros ou onde o senhor quiser, meu Deus. Ô, pai amado, me ajuda! Perdoa, eu não quis te desrespeitar com aquela menina. Eu errei, pequei, Senhor. Me limpa, me perdoa, meu pai. Não quero cair nessa de novo. Pai, me salva.

*

Dani se recuperou logo, e eu já estava longe. Sigo direto para a igreja, para o altar, pois preciso falar mais com meu Deus antes de qualquer coisa.

— Bruninho, tudo bem?

— Oi obreira, a senhora tá de folga hoje?

— Na verdade tenho algumas coisas a resolver, e passei aqui para pedir uma orientação. E você? Como está na escola?

Abaixo a cabeça, mas ela me diz para não fazer isso.

— Obreira, eu... eu errei de novo. Aquela menina que fica pra cima de mim, hoje eu deixei. A sala toda viu, e até aquele professor chato me falou que errei com Deus.

— Sabe o que é isso? Fraqueza. Só pense: faz quanto tempo que você não evangeliza? Evangelizar é a melhor coisa que você pode fazer para se fortalecer. É a maior oferta que você pode dar. Aquele que ganha almas é sábio. É o que falta, certo?

— Mas como vou evangelizar agora que meus colegas me viram com a menina lá?

— Esqueça, Bruninho. Comece de novo agora, nesse instante. Deus não olha seu passado, ele olha sua entrega. Mude a partir de hoje. Se entregue de corpo, alma e espírito. Coloque Deus em primeiro, antes dos seus sonhos, seus estudos, até da sua tribo.

Há semanas que a obreira não falava assim comigo. Suas palavras ficam ecoando em mim até depois da minha oração no altar, e volto para casa com uma força que não sentia há tempos. Nossa! Agora eu sei que vai arrebentar!

Quantas dúvidasOnde histórias criam vida. Descubra agora