Por que toda segunda-feira é tão cansativa? Quase cochilo no último lugar do ônibus, encostada na janela. Antes de perder de vista o céu nublado, minha mente ficava na Thalia, a ruivinha que apareceu anteontem no Conexão. Durante toda a reunião estava planejando chamá-la para conversar, mas assim que o Meck tirou uma foto de todos os jovens diante do altar, Thalia foi embora sem eu perceber. Daqui a pouco, se não chover, vou visitar sua casa. Mas antes, como sempre, passo na minha para me banhar e trocar de roupa.
Fiquei um pouco triste por causa da Thalia, mas em casa tem um motivo de alegria. Não sou mais a única a carregar a casa nas costas. Finalmente meu irmão arrumou um emprego de verdade. Foram meses de clamor e muito choro, mas Deus respondeu minhas súplicas! O Luquinha está virando hominho.
Chego em casa e a primeira coisa que aparece na minha frente é um iPhone carregado pela mão magra e pálida do meu irmão.
— Viu? Viu, Bia? Agora tenho um celular bem melhor que o seu!
Ah, meu Deus! Ele começou trabalhar faz só uns dias e já comprometeu o salário todo nesse aparelho?
— Luquinha, e as contas da casa que combinamos dividir?
— Eu sei, mas eu tava precisando desse telefone. Meu tijolinho não tava dando conta mais.
Minha mãe aparece no corredor, dessa vez com roupas mais normais. Ela defende o Luquinha como um santo, e tentar argumentar com ela que ele está errado é perda de tempo. Mesmo assim chego perto dela para conversarmos em secreto.
— Mãe, você deixou o Luquinha comprar isso? E as contas de casa?
— Não, Bia, você consegue dar conta da casa, aliás, você faz isso há anos. Ele está começando agora. Deixa ele apreciar um pouco do seu dinheirinho antes que a vida dele vire pagar boleto.
Saber que meu irmão vai continuar sendo irresponsável, tem como ficar pior?
— Oii gentee!
— Oi, vó! — meu irmão diz e corre para a porta.
Meu irmão, apesar de não estar na fé, ainda vai na igreja às vezes, como minha mãe. Mas a vó não perde uma oportunidade de falar mal da minha fé. Para me guardar, vou o mais rápido que posso me esgueirando pelo canto para ir logo à igreja antes que ela comece a falar comigo. Luquinha mostra o aparelho novo para a vó, e aproveito esse momento de distração dela.
— Tá vendo, Bia? — Finjo não tê-la ouvido me chamar. — Se você não desse tudo que tem pr'aqueles pastores você poderia ter um telefone desses.
Vó, fique quietinha. Você não sabe o que está falando.
— É mesmo? Ele vai ganhar mais que você, Bia?
Por que ela não sai da porta para eu poder passar logo?
— Bia, só espero que, agora que meu netinho querido vai ajudar nas contas da sua casa, você não queira tirar tudo que sobrar pra dar na igreja.
Ela demora para sair da porta, e o relógio não para.
— Vó, eu preciso ir, tenho compromisso.
— Vai lá na igreja? Pede pro pastor te dar um iPhone. Eles são ricos mesmo.
— Se não fosse aquela igreja, Deus não teria atendido às minhas orações, pedindo um emprego pro Luquinha, entendeu, vó?
Falei da forma mais calma que consigo e permaneço séria. Todos riem. A vó continua falando de mim, o que as avós mais falam: cadê o namorado? Chego à calçada, levanto a cabeça e os olhos e respiro fundo.
Ó, meu Deus, me dá paciência! Tenha misericórdia de mim. Não me deixa cair na tentação de retrucar esses incrédulos. Meu pai, tudo que quero é ganhar almas. Nunca fiquei pedindo nada material, nem um salário maior, nem um namorado, nada disso. Só quero te servir. Mostra-me, Senhor, alguém sofrendo para que eu possa levá-lo até o senhor.
Chego à igreja e termino a oração de joelhos na beira do altar, e quando me levanto, uma sombra aparece na porta de vidro. Ao focar a visão vejo a menina de cabelos vermelhos vindo em minha direção.
— Oi, eu lembro de você. Thalia?
— Ah, o-oi, eu queria uma ajuda — Thalia responde olhando para o chão.
Uma alma sofrida. Obrigada por contar comigo!
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Quantas dúvidas
Ficción GeneralOs primos Felipe e Bruno tentam vencer os próprios defeitos ao lado de Bia, a obreira perfeita que abre mão da própria felicidade para ajudar os outros, apontando seus defeitos. Seus velhos amigos Meck e Valéria pensam estar bem, mas com as dificuld...